Great Scott #109: Quem é o primeiro português a marcar a uma equipa portuguesa na UEFA?

Great Scott Mais 09/04/2020
Tovar FC

author:

Great Scott #109: Quem é o primeiro português a marcar a uma equipa portuguesa na UEFA?

Pauleta

Um arquipélago, nove ilhas: Corvo, Flores, Faial, Graciosa, Pico, São Jorge, Terceira, Santa Maria e São Miguel. Um arquipélago, nove pessoas: Antero de Quental, Tom Hanks, Anthímio de Azevedo, Nelly Furtado, Manuel de Arriaga, Curry Cabral, Vitorino Nemésio, Lília Cabral, Pauleta. Para início de conversa, eis os Açores. Tom Hanks? Sim senhor, o único ator do pós-guerra a ganhar dois Óscares de melhor ator em anos seguidos (Filadélfia em 1994 e Forrest Gump em 1995) tem uma costela açoriana, através do bisavô. Nelly Furtado? Sim senhora, a vencedora da Grammy pop feminino (2002) é filha de açorianos. Lília Cabral? Ah pois é, a atriz brasileira é filha de uma açoriana. Curry Cabral? Claaaaaro, natural da Horta. Tal como Manuel de Arriaga, o primeiro presidente da República portuguesa.

E o Pedro Miguel Carreiro Resendes. Quem? Pauleta, o grande Pauleta. Melhor marcador da Taça de Portugal 1994 pelo Operário (oito golos em cinco jogos), melhor marcador da 2.ª divisão espanhola 1997 pelo Salamanca (19 golos), melhor marcador da 1.ª divisão francesa 2002 pelo Bordéus mais 2006 e 2007 pelo PSG. A palavra melhor marcador está-lhe no sangue. Golos, golos e mais golos. Na selecção é um ver-se-te-avias memorável, ao ponto (vejam lá bem) de superar Eusébio. Acaba a carreira em Maio 2008 e reata-a por intensos 90 minutos em Setembro 2010 como capitão do São Roque para acumular dois golos mais uma assistência na vitória sobre o União de Nordeste por 3-2. Há mais, é o primeiro português a marcar um hat-trick em Mundiais (Polónia, 2002). Ei-lo, o primeiro português a marcar em dois Mundiais (2002 e 2006). Um jogador único, um homem singular. De bom coração. Gente boa, fina. Que nunca joga na 1.ª divisão. Nunca. Aqui está um espécime raro. Como ele, só Boa Morte. De internacionais portugueses, queremos dizer.

Está tudo dito? Nem por sombras. A vida e obra de Pauleta é um verdadeiro achado, digno de um filme. Estamos a falar de um pré-revolucionário (28 Abril 1973), nascido nos Açores. Quer dizer, naqueles loucos anos 70, o arquipélago dos Açores está tão longe de Portugal como URSS ou EUA. Há todo um Atlântico pelo meio, quase quase impenetrável. Pauleta supera adversidades mil até chegar ao topo. Sempre agarrado à bola. “A partir dos 5/6 anos, comecei a jogar futebol em casa, muitas vezes sozinho, contra uma parede. Aos 8/9 anos, umas pessoas amigas convidaram-me para ir jogar e pedi autorização ao meu pai. A partir daí, é o que se sabe.” Pauleta é também um homem introvertido e despachado. O “é o que se sabe” serve para abreviar toda uma carreira de golos. Um pouco à imagem do pai, aliás. “Uma vez, ele jogou a final de uma taça regional em São Miguel, na Ribeirinha, e fui vê-lo sem ele saber. Ele marcou um ou dois golos e, quando acabou, veio ter comigo a correr. E eu corri para o lado contrário, porque pensei que ele ia dar-me um raspanete por ter ido ao estádio, ahahahahah. São memórias fantásticas. Escassas, mas fantásticas. Também o vi no Oliveirense, na série E da 3.ª divisão. Todas as pessoas que conviveram connosco durante anos e anos dizem que ele era melhor que eu, mais agressivo e fisicamente mais forte. ”

Tal pai, tal filho. Pauleta começa por baixo. Primeiro, na Comunidade de Jovens de São Pedro. Depois, Santa Clara. Por fim, Porto. Pelo meio, a selecção nacional com Queiroz metido ao barulho (óbvio, é ele o pai de quase todos os génios formados nas década 80 e 90). “Aos 14 anos, fiz sete/seis golos num torneio inter-associações e, um ano depois, fui convocado para a selecção nacional pela dupla Carlos Queiroz-Nelo Vingada. Nessa altura, um amigo meu chamado Carlos Freitas, com quem jogava nos Açores, também me convidou para ir treinar à experiência no Vitória, em Setúbal. Só que entretanto sai a convocatória da selecção e o Benfica interessa-se por mim. Fiquei 15 dias no Lar do Benfica e chorei todos os dias com saudades dos Açores, da minha mãe, do meu pai, da minha família.” E então? “E regressei mesmo aos Açores. Para mais um ano no Santa Clara, em que sou campeão regional em juvenis. Esse título dá-nos direito a jogar a fase final do campeonato nacional e jogámos com o Porto. Marquei um golo nesse jogo e, pronto, fui para o Porto.” Lá está, simplicidade de remate na arte da conversa.

No Porto, o nome de Pauleta é só mais um. “Vivia no Lar, com outros jogadores. Fomos campeões nacionais em juniores, só que raramente jogava porque era júnior de primeiro ano, tal como o Rui Jorge. No segundo ano de júnior, o treinador era o Inácio e deu-me a possibilidade de sair emprestado para Maia ou Varzim.” A explicação de Inácio é simples. Directa, até. “Epá, o plantel tinha Toni e Miguel Bruno como avançados. E eram os avançados da seleção portuguesa. O Toni, então, até foi ao Mundial sub-20 em 1991, aquele que ganhámos, e ele até foi titular. Era ele e o Gil, lembras-te? Mais Figos, Rui Costa, Jorge Costas e por aí fora. Pronto, tinha Miguel Bruno, Toni e Pauleta. Disse ao Pauleta que ele seria a terceira opção: ‘ò miúdo, se quiseres ficar aqui, fica; mas seria melhor saíres daqui para jogar todas as semanas.’” Pauleta vai pregar para outra freguesia e escolhe o clube da terra. Santa Clara, pois claro. “O meu objectivo era jogar o último ano de júnior e subir para sénior. Assim o fiz.” O primeiro jogo sénior de Pauleta é na Quarteira, em Março 1991, para a 28.ª jornada da 2.ª divisão, zona sul.

Segue-se a transferência para o Operário, em 1992. Na primeira época, nada de mais. Na segunda, ui ui ui, Pauleta dá que falar na Taça de Portugal, com dois golos ao Ponte da Barca (5-0), um ao Castrense (1-0), quatro ao Atlético, na Tapadinha (6-1), e um na Reboleira, ao Estrela de João Alves (1-3). Em cinco jogos, Pauleta assina oito golos. É o rei dessa Taça. No ano seguinte, ajuda o Angrense a eliminar Vilanovense (bis, 2-1) mais Carcavelinhos (4-1) antes de representar o União Micaelense. Estamos em 1995, Pauleta tem 22 anos e é o momento de dar o salto. Para o continente. “Lembro-me perfeitamente: estava na casa da minha namorada, hoje minha mulher, o telefone toca e a minha sogra diz que era para mim. Estranhei, claro. Não achei possível ligarem-me para ali. Era o meu empresário e grande amigo Jorge Gama a dizer-me que o Carlos Manuel queria levar-me para o Estoril. Disse que não.” Como assim? “Demorei um certo tempo até dizer sim. Casei no dia 8 de Julho, viajei no dia 9 e fiz o primeiro treino pelo Estoril no dia 10. Ainda hoje sou criticado por não ter tido uma lua-de-mel.”

Na Amoreira, a vida de Pauleta muda significativamente. Primeiro, joga na 2.ª divisão de honra. Depois, forma com Cavaco uma dupla de sucesso. Entre eles, 34 golos. Desses, 23 pertencem a Pauleta. Num jogo da Taça de Portugal (sempre ela), marca quatro ao Imortal em Albufeira (5-2). É um fartote. Pauleta diverte-se e diverte quem o vê. Tanto assim é que vai para o estrangeiro na época seguinte, em 1996-97. “Foi tudo por acaso. A minha ideia era jogar no Belenenses, através do João Alves. Só que o João Alves assinou pelo Salamanca e lá fui para Salamanca, ainda na 2.ª divisão. Era um plantel cheio de qualidade, e cheio de portugueses: Taira, César Brito, Agostinho, Paulo Torres, Nuno Afonso e Miguel Serôdio.” Com Pauleta, sete. Os sete magníficos. Nem todos, vá. “Era o quarto avançado do plantel, atrás do Cláudio, que tinha vindo do Depor, de jogar uma época inteira ao lado do Bebeto, mais César Brito e Catanha.” Com paciência, Pauleta espera a sua hora.

“Entre lesões e suspensões, há um jogo determinante com o Toledo em que faço dois golos. A partir daí, a vida nunca mais foi a mesma. Nesse ano, subimos de divisão. No segundo ano, já na 1.ª, éramos uma fortaleza em casa: 5-4 ao Barcelona, 4-3 ao Atlético, 6-0 ao Valencia.” Mesmo a jogar fora, o Salamanca dá espectáculo. Como em Camp Nou. “Esse jogo foi outro dos melhores da minha carreira. Duas semanas antes, o Barça tinha sido campeão espanhol e aquele era um dia de festa em Barcelona. Olha, fomos lá ganhar 4-1 e marquei dois golos, inesquecível.” Um golo aqui, outro ali e é vê-lo a festejar como um açor. A moda pega. Culpa de quem? “Falava-se muito de um ciclone dos Açores que ia passar em Espanha. Nesse fim-de-semana, marquei um golo e abri os braços. No dia seguinte, a imprensa fala do ciclone dos açores. Achei interessante e, a partir daí, foi dar continuidade. Aos golos e aos festejos. Como forma de homenagear os Açores,” Inspirado até mais não, Pauleta é chamado à selecção nacional, então liderada por Artur Jorge. A estreia é com Arménia, no Bonfim (3-1), como substituto de Domingos, já perto do fim.

Dá-se então mais uma mudança histórica, do Salamanca para o Deportivo, a quem, curiosamente (ou não), havia anotado um hat-trick em Dezembro último (4-1). Na Corunha, a quantidade de estrangeiros é absurda. “Ao todo, tínhamos umas 20 nacionalidades e havia internacionais de quase todos os países, mas sobretudo do Brasil: Djalminha, Mauro Silva, Donato, Naybet, Makaay. Só o ataque tinha seis ou sete e agora lembrei-me de outro estrangeiro, o Turu Flores. Havia um jogador que se destacava dos demais: o Djalminha era um fenómeno. E havia também o Donato. Ele podia jogar sozinho no meio-campo, funcionava por três. E ainda o Mauro Silva, campeão mundial naquele Brasil muito físico em 1994.” O primeiro ano é satisfatório, entre o banco e a titularidade. Destacam-se dois bis, ao Alavés e Betis, mais o golo do 4-0 ao Real Madrid. O segundo é glorioso. O Depor é campeão espanhol pela primeira e única vez na história. Pauleta assina sete golos, três deles ao Sevilha num 5-2 de cortar a respiração no Riazor. “Esse título de campeão em 2000 é um acontecimento histórico para o futebol espanhol, porque é um campeão fora da esfera dos três grandes Real, Barça e Atlético, e é um acontecimento único no futebol do Depor.”

O céu é o limite, Liga dos Campeões e tal.

Nada disso, Pauleta aventura-se para outro país e aterra em França. “Estava com a selecção e transferi-me à última hora para o Bordéus. Viajei na 2.ª feira de manhã para lá, treinei à tarde e estreei-me em Nantes na 3.ª feira à noite. Era a sétima jornada e o Bordéus ainda não tinha ganho um jogo do campeonato. Ganhámos 5-0 e fiz três golos, dois deles na primeira parte. Quando chegas assim, dá-te uma confiança até ao final da época. Até porque fiz mais três ao Lierse, para a Taça UEFA. E, a seguir, dois ao PSG numa vitória por 2-1 em Paris.” Pela primeira vez, Pauleta é titular assumido. Joga e faz jogar. Marca e faz marcar. É um génio à solta. Em dois anos e meio de Bordéus, um título (Taça da Liga) e 91 golos. A marca é estonteante. E vale-lhe o convite do PSG. “Cheguei tarde, já tinha 30 anos. Mesmo assim, dos 30 aos 35, consegui fazer história e subir ao primeiro lugar dos melhores marcadores de sempre do clube

[109 golos em 212 jogos]. É o clube do meu coração pela maneira como fui tratado constantemente, sobretudo pelos adeptos. Por incrível que pareça, passados mais de dez anos, ainda sinto o carinho deles nas ruas.” É natural. Afinal de contas, Pauleta marca golos a torto e a direito. E, mais importante, marca ao rival fidagal. “Tive a sorte de marcar quase sempre ao Marselha e isso deu-me uma protecção especial junto dos adeptos. Há um golo meu ao Barthez, um chapéu desde a linha final, ainda fora da área, que foi eleito o melhor golo de sempre do PSG.” Qual Ibrahimovic qual quê, Pauleta é o cara. Até na selecção.

Pauleta é convocado para quatro competições seguidas, desde o Euro-2000 até ao Mundial-2006. Um sinal inequívoco de classe. Suplente de Nuno Gomes no Euro-2000, assume o 9 no papel durante o Mundial-2002. E marca três à Polónia. “A euforia era tão grande que fiquei no estádio ate às duas da manhã para fazer o controlo anti-doping. Nunca me passava pela cabeça imitar aqueles jogadores que via pela televisão a marcar três golos num Mundial.” Chega Scolari e a selecção ganha um novo alento. “Havia espírito de grupo, comprimisso com a equipa  comprimisso com o país. Mérito para o Scolari. Também podia falar da qualidade dos jogadores. Todos excepcionais, mas a qualidade esteve sempre lá, até em anos em que não íamos a lado nenhum. Ou até em anos em que as coisas não nos correram muito bem, como o Mundial-2002. Quando olhamos para trás e vemos os jogadores que ficaram de fora, como Rui Costa e Barbosa. Ou quando vemos as escolhas a ser feitas antes de qualquer jogo entre Rui Costa ou João Vieira Pinto, percebemos o nosso valor. E também percebemos que devíamos ter feito um Mundial muito melhor.”

Seja como for, Pauleta faz o seu caminho sem fazer ruído. Tudo nas calmas. Dois golos ao Azerbiajão a abrir. “Foi em Guimarães e era aquilo que mais queria na vida; foi o momento mais feliz da minha vida.” Daí em diante, é um fartar de vilanagem. O tal hat-trick à Polónia, o póquer ao Kuwait, um golo à Rússia nos 7-1 em Alvalade, dois bis ao Luxemburgo e, voilà, o jogo da glória. No 3-0 à Letónia, o recorde de Eusébio é igualado (41) e, depois, batido (42). “Ele ligou-me logo, através do Carlos Godinho [histórico assessor e assessor histórico da federação] a felicitar-me. Quer dizer, receber uma chamada de um jogador que marcou a infância de qualquer jogador de futebol é demais.” Uns anos mais tarde, é Pauleta quem faz o papel de Eusébio. “Liguei ao Ronaldo e disse-lhe que ele tinha acabado de bater o recorde mais difícil da sua carreira.” Pauleta, craque até ao telefone.

Lista completa dos pseudo-patriotas

2004

Pauleta PSG 2:0 FCP

2005

Vaz Tê VSC 1:1 Bolton

2007

Pauleta PSG 2:1 SLB

Pauleta SLB 3:1 PSG

Ronaldo SCP 0:1 MU

Ronaldo MU 2:1 SCP

2008

Hugo Almeida WB 3:0 SCB

2009

Ronaldo FCP 0:1 MU

2011

Custódio SCB 1:0 SLB

Danny ZEN 3:1 FCP

2012

Simão SCB 0:2 BES

Meireles CHE 2:1 SLB

Filipe Oliveira VID 3:0 SCP

Rui Pedro CLUJ 3:1 SCB

Rui Pedro CLUJ 3:1 SCB

Rui Pedro CLUJ 3:1 SCB

2013

Danny ZEN 4:2 PF

Danny ZEN 4:2 PF

2014

Danny ZEN 1:0 SLB

Miguel Veloso DK 2:0 RA

2016

Ronaldo RM 2:1

Quaresma BES 3:3 SLB

2018

Renato SLB 0:2 BM

2019

Gonçalo Paciência SLB 4:2 EIN

One Comment
  1. JCC

    Daniel Fernandes (o que jogou na Alemanha e depois no Paok) também foi internacional A e nunca jogou na primeira divisão. Anthony Lopes também não é acredito que haja mais alguns ;)

Leave a comment

Responder a JCC Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *