Empanadas, las rompí todas

Kavorka Mais 10/29/2020
Tovar FC

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Empanadas, las rompí todas

Empanadas. ‘Tá boa. Não as empanadas (ainda), mas a palavra que insiste em aparecer em todos os emails que recebemos de Portugal. “Boas empanadas”, “tens comido empanadas?”, “e não te esqueças das empanadas”. Essa das empanadas tem piada. É como se eu dissesse a um estrangeiro “e que tal o pastel de Belém?” Por favor (escrito à portuguesa, mas dito à castelhana). E o polvo à lagareiro? E o bacalhau à minhota? E os caracóis? Empanadas, sim, muy buenas, mas não brinquemos. E o asado? E o bife de chorizo? E o ojo de bife? E a morcilla?

Estamos à porta de um hospital em Buenos Aires, e não é um hospital qualquer. É o Los Arcos, onde Néstor Kirchner, ex-presidente da Argentina, já esteve internado, tal como Maradona. E é dele que estamos à espera. Passa um dia,
e nada. Estranho. Mais estranho ainda porque lemos nos jornais que ele esteve lá, a visitar a mãe Dalma Salvadora Franco, internada desde o dia 8 de Julho com uma virose. Mas como?

Um dia depois estacionamos no mesmo sítio. Passa uma hora, duas. Vamos
almoçar. Vá, desta vez é por nossa conta mas num sítio em que se veja a entrada do hospital. Claro, então! O bar é minúsculo, com balcão de mármore e cadeiras giratórias. O menu? Empanadas. As famosas. Se o Anthony Bourdain visse
isto. A comida é honesta e boa. Venha lá uma de carne de vaca, se faz favor.

Perguntamos ao dono do bar se Maradona vem. “Sí, claro. Todos los dias.” E vai-se embora. Pronto, agora venha lá uma empanada de frango. Insistimos. E Maradona entra por onde, por ali? “No, cavallero. No es por allá.” E sai de cena. Arriscamos a de javali. ‘Bora. Se não é por ali, é por onde então? “No lo sé”, diz-nos ele, a limpar o interior dos copos com um guardanapo branco e uma certeza cristalina em fazer disso o maior dos segredos.

Huuum, isto parece aquele ditado do “no creo en brujas, pero que las hay,
hay!” Pedimos a de queijo e fiambre só por via das dúvidas, que são muitas. Como
é evidente! Enquanto pegamos na lista outra vez perguntamos “diga lá, e o Maradona?”

“Estás a ver aquela esquina?”

Sim, sim! (animadíssimo.)

“Não é ali”

(desanimadíssimo; querem ver que ainda pedimos uma empanada de humita para esclarecer este assunto?),

“é na próxima”

(ah bom, é que já estamos cheios).

Neste spot é tudo diferente. Mas a espera é quase interminável, até que aparece Maradona. Não, não pode ser. Sem aparato, sem nada. Mas é ele, acompanhado por pessoas. Boa pista esta, hein? Definir pessoas. Who cares? Who knows? Só nos interessa Maradona, a quem nos dirigimos. Ele (em maiúscula, porque vem
depois de um ponto final e porque sim) desvia-se, nós não nos aproximamos.
Só lhe queremos fazer uma pergunta neste momento difícil de sofrimento da
sua mãe (ainda no outro dia se desfez em lágrimas numa entrevista telefónica
para o “Olé”). “Ahora no, hermano, ahora no.”

Só uma pergunta sobre o Argentina-Uruguai de amanhã. Há tempos li que o teu melhor jogo de sempre foi contra eles, em 1986. Sem abrandar o ritmo, ele debita. “Puebla, México, oitavos-de-final do Mundial. ‘La rompi’ [parti a loiça toda]. Melhor até que com os ingleses. Ganhei todas as bolas, todas. Só ganhámos 1-0 [Pasculli] mas atirei à barra num livre directo, sentei sei lá quantos uruguaios e até marquei um golo. Que foi anulado. Claro, o árbitro era italiano [Agnolin; já agora, vale a pena acrescentar que o fiscal de linha era o português
Carlos Valente? Nãããã, fica para outro dia]. Suerte.”

Vamos comer a empanada de humita? Não, vamos correr para o hotel e ver o resumo desse Argentina vs Uruguai. Um a zero, sim, bola na trave, check, golo de Pasculli, check, e oito faltas sofridas, nenhuma delas para cartão amarelo. Estes árbitros italianos, empanam tudo.

in jornal i, 15 Jul 2011

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