Mistura Fina, Itacaré 2002
Mistura fina. É o nome do restaurante mais fino de Itacaré, uma vila piriri de surfistas na Bahia, perto de nada. Só tem uma rua digna desse nome, a Pituba. Para ir às praias, é preciso dar corda aos sapatos. Havaianas, aliás. Naqueles cinco meses entre Outubro 2002 e Fevereiro 2003 (licença sem vencimento no jornal Record), só havaianas com t-shirt e calções. As praias, irrepetíveis – Jeribucaçu é do best. Em todas elas, a dinâmica repete-se: oito horas deitado na areia, à sombra de um coqueiro, a ouvir a rebentação. A meio da manhã, um abacaxi. Ao almoço, um coco. À tarde, outro abacaxi. Tudo apanhado na hora. À noite, jantar no Mistura Fina. Em meados de Novembro, vá lá saber-se porquê, canso-me desta movida. E passo a ir todos os dias ao Mistura Fina como barman, das 18 horas à meia-noite. Por 10 reais por dia, tiro caricas das garrafas de cerveja, bato sumos de polpa no liquificador e faço cof cof cof caipirinhas. A cena é tricky. Primeiro porque o dono do restaurante, um intruja chamado Miguel, ensina-me mal e pede-me para cortar ao meio umas dez limas mal entro ao serviço. Depois porque não levo jeito, pronto. Mesmo quando a empregada (baiana) Nancy me ensina a cortar a lima só no momento dos pedidos, a caipirinha só sai bem se for individual. Se calha um grupo dinamarquês pedir seis caipis de uma só vez, o excesso de bagaço da lima implica uma careta desagradável. Rafinha, o outro empregado (paulista) do Mistura Fina, prova uma delas e faz a careta. ‘Cara, vai se dar mal.’ Qui nada, os dinamarqueses nem sabem o sabor de uma caipi. E acham que o bagaço faz parte da magia. Vai daí, passam-se uns minutos e toma lá mais uma rodada de seis. O desconhecimento é uma benção. O problema é o expert da matéria. Como Duarte, português. Aparece no Mistura Fina perto do Natal e quer falar com o barman. ‘Esta caipi é tua? É uma merda’. Faço uma careta, brindo à frontalidade e saio de cena no dia 30 Dezembro. Vou mas é procurar o bagaço no jornalismo.
