Mário Jorge. «Antes do jogo, o Berthold perguntou-me pelo Futre. E eu: ‘Já te dou o Futre’»

Mais Quem Te Viu E Quem TV 09/03/2020
Tovar FC

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Mário Jorge. «Antes do jogo, o Berthold perguntou-me pelo Futre. E eu: ‘Já te dou o Futre’»

Estugarda, 1985. A selecção portuguesa comete a proeza de ganhar 1:0 à RFA, golo do meio da rua de Carlos Manuel. A façanha permite-nos o apuramento in extremis para o Mundial do México, em 1986. O onze dessa noite inclui o estreante José António e junta representantes dos quatro campeões nacionais mais um do Boavista (Frederico). Futurologia de José Torres.

Heyyyyy, Mário Jorge?

Rui, tudo bem?

Tudo impecável. E por aí?

Na boa.

Já viste a ficha do jogo?

RFA-Portugal.

Estás pronto?

Vamos a isso.

Bento, 1.

Ele e o Damas marcaram as décadas 70 e 80 do futebol português, com mais participações do Bento na selecção.

Pois, verdade.

O Bento era mais eficiente, o Damas mais espectacular. O Damas, posso falar à vontade pelo convívio de anos e anos no Sporting, era tramado. Não nos deixava pôr o pé em ramo verde. Como o idolatrava, era sempre a abrir.

O Damas era o teu ídolo?

Meu, e não só. O Damas era o Sporting em carne e osso.

E dava-se bem com o Bento?

Muito bem mesmo. Já se conheciam há muuuuito tempo.

E nesse dia em Estugarda, como se portou o Bento?

Fechou a baliza. Ponto.

João Pinto, 2.

Mítico capitão do Porto, grande pulmão e muito intenso nos processos, tanto o defensivo como o ofensivo. Foi internacional juvenil e júnior comigo. E esperanças, também. E nos AA, claro. Ele não deu qualquer hipótese à concorrência, fosse ela quem fosse.

Fora do campo, que tal?

Uma pessoa calmíssima.

Inácio, 3.

Joguei com ele no ano em que fomos campeões no Sporting em 1982. Ele partiu a perna e substitui-o a lateral-esquerdo, pelo que começámos uma relação ainda mais próxima, porque dava-me muitos conselhos. Afinal de contas, era um dos líderes de balneário e a sua carreira já era extraordinária.

Sim, ele era qualquer coisa.

Muito bom pé esquerdo e uma coisa engraçada.

Qual?

A sua especialidade era o carrinho. Acertava sempre na bola na hora agá.

Venâncio, 4.

Terrível na marcação. Terrível de bom, salvo seja. Ahahahahahah.

Ahahahahaha.

Muito poderoso no jogo aéreo, aprendeu muito com o Eurico no início dos anos 80. Marcou o Rummenigge e deu-se bem. Digo eu. Ahahahah. G’randa joga.

E o Venâncio era fixe fora de campo?

Por norma, um jogador agressivo dentro de campo é tranquilo fora dele. O Venâncio respeitava essa ideia.

Frederico, 5.

Infelizmente já não está entre nós, uma pena imensa.

Podes crer, era um homem impecável.

Mesmo. E jogava nas horas. Fazia o seu papel sem alaridos nem nada. Tocava na bola e pronto. Já nem me lembro de quem ele marcou nessa noite. Terá sido o Völler?

Boa pergunta.

Tens de ver isso, ò Rui.

Carlos Manuel, 6.

Claro, o 6. Acabou por jogar comigo no Sporting. E depois ainda o apanho no Estoril por seis meses. Um jogador fantástico, muito intenso e uma meia distância extraordinária.

Viu-se, aliás.

Ahahahahah. Uns 15 minutos antes, ele também rematou fora da área e a bola foi ao lado. À segunda, toma lá disto.

Fantástico.

O Carlos Manuel é um dos melhores jogadores da sua geração, muito forte na condução de bola. Nos treinos, treinava a finalização através dos livres directos.

E fora do relvado?

Muito extrovertido, sempre bem-disposto.

José António, 7.

Jogador de souplesse, com um recorte técnico muito bom, muito acima da média. Além disso, era um central que não fazia muitas faltas, sabia roubar a bola na hora certa.

Foi uma surpresa no 11 de Torres.

Foi a sua estreia na selecção e isso dá essa ideia, mas foi um jogador que acompanhou sempre a selecção. Era a referência do Belenenses e, nessa altura, o Belenenses jogava nas competições europeias e incomodava os grandes. Nessa noite, ele estava ali para as sobras. E aliviou-nos imensas bolas debaixo de pressão.

Disso lembro-me bem. E com uma calma impressionante.

Ele era assim, até como pessoa. A sua forma de estar parecia a de um menino da Linha. Ahahahahahah.

Veloso, 8.

O lateral do Benfica, tanto à direita como à esquerda. Nesse jogo, jogou a médio direito para conter o Littbarski, que era um extremo-esquerdo destro.

Gomes, 9.

O bibota era fantástico. Grande capacidade técnica e inteligência dentro da área. Coitado, jogou sozinho lá na frente. Ahahahah. Ainda apanhou umas bolas jogáveis. Digo eu. Ahahahahah.

Ainda o apanhaste no Sporting?

Exacto, apanhei-o e deu uma dimensão diferente ao Sporting. Porque o seu nome era grande, porque marcou golos, sobretudo na segunda época, e porque era um grande profissional. Conversava muito com os mais novos e criava bom ambiente. Um craque, mai’nada.

Jaime Pacheco, 10.

Eiscchhhhhh. Uma capacidade de trabalho imensa. Quem não corresse ao lado dele, estava tramado.

Sempre que o vejo a jogar, divirto-me.

Porra, o gajo dava o corpo às balas uma e outra vez. Como adversário, moía-nos a cabeça, era um chato sempre atrás de nós a morder-nos os calcanhares. Como companheiro de equipa, dava gozo vê-lo jogar. Primeiro, pautava o jogo como ninguém. Depois, era muito bom no passe. E, para acabar, o que era fora do campo também o era lá dentro: alegre e com capacidade para contagiar.

Mário Jorge, 11.

Presente.

Foi uma surpresa?

Só soube uma hora antes do jogo. A história é longa.

Temos tempo.

O Futre joga na Checoslováquia e depois sai da convocatória. Nem sequer foi opção para o jogo com Malta, a três dias de Estugarda. Com a Checoslováquia, o Ribeiro também joga. Na Luz, joga o Palhares e eu vou para o banco. O Palhares lesiona-se e não segue caminho para Estugarda. A opção tinha de recair sobre mim, mas só soube uma hora antes do jogo.

Correu bem?

Siiiim. Deu-me algum estatuto. Dentro do Sporting, digo. Quando regresso a Alvalade, as pessoas já reparam mais em mim. No final do jogo, o Gomes vira-se para mim e diz ‘nunca é tarde para esperar’.

Jogaste onde?

Médio esquerdo para travar o corredor direito.

Quem era o lateral?

Berthold. Antes do jogo, perguntou-me pelo Futre.

E tu?

‘Futre? Já te dou o Futre’. Ainda falhei um golo. Ou melhor, o Schumacher fez uma grande defesa. É uma jogada de envolvência pela esquerda, em que driblo dois defesas e atiro. Ele faz uma defesa por instinto, é canto para nós.

E o ambiente?

Diziam que a comunidade emigrante ia marcar presença. De início, aquecimento e isso, nada. Aos 10 minutos, percebemos que estavam lá uns dez mil portugueses. Ouvíamos perfeitamente. E continuámos a trocar bem a bola. Os alemães raramente acertavam o passo e, às tantas, vemos o capitão Rummenigge a barasfustar com os colegas. Foi o sinal.

De?

O sinal de que estávamos a incomodar. E que ia ser uma noite diferente.

Histórica, mesmo.

A chegada ao balneário foi inesquecível.

E o aeroporto?

Na Portela? Cheio, cheio. Fomos para um varandim e tudo. Saímos pela porta das traseiras, onde a polícia já estava à nossa espera.

Espectáculo.

A Alemanha nunca tinha perdido em casa para o apuramento do Mundial e todos os jogadores deles eram colossais. O Briegel, então, parecia um jogador de futebol americano. Ainda por cima, vínhamos de um aflito 3-2 sobre Malta e todos diziam que iam levar uns cinco ou seis. Entre nós, os jogadores, dizíamos que menos de dois já era bom.

Obrigado, Mário. Grande abraço.

Abraço

(…)

Passa-se um dia

(…)

E outro

(…)

E mais um

(…)

Às tantas, telefonema do Mário Jorge.

Heyyyyyyyy.

Rui, tudo bem?

Tuuuuudo.

Só para rematar aquela conversa. É preciso ver outra coisa sobre Estugarda: jogámos em Estugarda sem Diamantino, sem Futre, sem Manuel Fernandes, sem Jordão, sem Oliveira, sem Eurico. Estou a esquecer-me de alguém, bem sei, mas estes nomes já devem dizer muita coisa.

Claro que sim. No ano seguinte, mais um resultado fora do normal para o Mário Jorge.

7-1?

Na mouche.

Essa noite foi histórica.

O jogo não foi à tarde?

A noite no Plateau, quero dizer. O Meade só bebia champanhe. E oferecia a toda a gente. No primeiro treino do Sporting nessa semana, o porteiro do Plateau aparece-nos no estádio a perguntar pelo Meade.

Então?

O Meade saiu sem pagar, ahahahahahah.

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