Óscar de melhor actor secundário

Kavorka Mais 10/29/2020
Tovar FC

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Óscar de melhor actor secundário

É impressão minha ou isto da cerimónia dos Óscares é como aqueles jogos de futebol nas competições europeias em que há cinco árbitros e nenhum deles vê o que quer que seja, desde penáltis a pisadelas? Nos Óscares, seis mil senhores importantes (?) de Hollywood votam em 24 categorias e sai tudo trocado. O verdadeiro filme (True Grit) acaba a noite sem sequer uma estatueta para amostra e há empate técnico (4-4) entre o Di-di-di-di-discurso do Rei e buuuuuuuuuum (desculpem lá, mas foi mais uma explosão do Inception).

É brincadeira? Só pode. E não estou a falar (só) do Toy Story 3. Estou a falar de tudo, a começar pelos apresentadores da cerimónia. Não percebi, aquilo era para o Canal Disney? Se há pormenor pelo qual vale a pena passar uma noite em claro e tolerar a passagem de modelos do museu da cera numa passadeira vermelha é para ver um génio como Billy Cristal em acção, e não dois teenagers inconscientes e “muitá” sorridentes que sabem pouco ou nada do que estão a falar. Apenas debitam o que vêem no teleponto. Sem graça, nem arte do improviso.

Não fosse Kirk Douglas a encher o palco com uma dúzia de palavras (metade delas imperceptíveis, é verdade, mas sempre ouvi que uma imagem vale mais que mil palavras) e a noite teria sido em vão. Ainda por cima, ainda não foi desta que deram o Óscar de melhor actor secundário a quem de direito. Este ano, os senhores do texudo preferiram dar esse Óscar a Christian Bale pelo trabalho no filme Fighter. Come on!!! Alguma vez ouviram falar de um tal Cabrera? Não, claro que não, senão não estava aqui a fazer campanha a favor dele e a praguejar contra a Academia. Fixem o nome: Cabrera.

Diego Maradona só tem 16 anos quando, após uma grande exibição pelo Argentinos Juniors, um jornalista lhe pergunta como lhe correra o jogo e ele responde: “Marquei dois golos e fiz um túnel [bola por debaixo das pernas; na Argentina, um ‘caño’].” O jornalista não entende a última parte e pergunta-lhe novamente. Maradona repetiu: “Fiz um túnel. Tenho uma série deles na minha memória desde que me iniciei no futebol. Na estreia oficial, por exemplo, meti um ao Cabreba. Depois ao Gallego, ao Mascareño…” O gozo incrível que aquilo dá a Maradona. E lá está o nome de Cabrera à baila. Ele é o primeiro de sempre a tentar roubar a bola a Dieguito, mas simplesmente não consegue e, ainda por cima (ou melhor, por baixo), leva um caño. Cabrera na história do futebol, pois então.

Custa alguma coisa render-lhe uma homenagem? A ele, Cabrera. Ou Cacho, ou Coya, como é mais conhecido na Argentina. Vezes sem conta, pedem-lhe para contar aquele lance com Maradona e ele toma sempre o dom da palavra. De certa forma, sente-se um privilegiado, testemunha e, ao mesmo tempo, vítima da primeira genialidade do Pibe d’Oro. “Eu estava na direita e queria apertar o puto mas nem tive tempo para mais nada. Ele fez-me um ‘caño’, e, quando me virei, já me havia escapado. Mas estou orgulhoso”, reconhece Cabrera, com indisfarçável boa-disposição. Tudo acontece em 1976, no mítico estádio de madeira La Paternal, quando o Argentinos Juniors recebe o Talleres, de Córdoba. Dizem que 7.700 pessoas têm a sorte de ver in loco.

O Talleres ganha 1:0 perto do intervalo, quando Juan Carlos Montes vira a cabeça na direcção de Maradona, sentado no outro lado do banco de suplentes. Desafia-o com o olhar. O jogador responde da mesma forma, sem desviar os olhos como se de um cowboy num duelo ao pôr de Sol se tratasse. Antes de entrar, após o intervalo, uns conselhos do técnico: “Vá, joga como tu sabes. Se puderes, faz um ‘caño’.”

Maradona nem precisa de ouvir isto mas segue à risca o plano do superior. E cumpre superiormente o plano. Na primeira vez que a bola lhe pára nos pés, Maradona finge que vai fazer “isto” e faz “aquilo”, com o pobre Cabrera a levar por tabela. O público, em delírio, brinda a jogada com um prolongado “oleeeeeeee”, como que a dar as boas-vindas ao puto, que, nessa tarde, alinha com o 16 — o tal número utilizado na estreia pela selecção argentina em 1977 e ainda no José Alvalade por ocasião do Sporting-Nápoles da Taça UEFA em 1989.

O Argentinos Juniors perde o jogo e isso é um pormenor. Até para o orgulhoso Cabrera, o decisivo actor secundário da primeira finta mágica de Maradona. A partir desse dia, Argentina em peso começou a falar de Maradona, e nunca mais parou. Obrigado Cabrera! Para mim, continuas a ser o melhor actor secundário. O teu Óscar chegará. Não desistas.

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