Great Scott #171: Quantas equipas portuguesas apuradas por moeda ao ar na UEFA?

Great Scott Mais 12/01/2020
Tovar FC

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Great Scott #171: Quantas equipas portuguesas apuradas por moeda ao ar na UEFA?

Zero

Antes dos penáltis, a UEFA decide os jogos por moeda ao ar. É um método intragável. E os clubes portugueses pagam caro essa moda. Em três desempates, três derrotas.

A primeira experiência é a do Porto na Taça das Cidades com Feira 1966-67. Estamos a 5 Outubro 1966. O FCP está em Bordéus para a 2.ª mão da primeira eliminatória. Das Antas, a vantagem mínima de 2:1, com Pedroto a vaticinar uma vitória mais dilatada em França. Tudo leva a crer nisso quando Djalma faz o 0:1 à meia hora. Só que o Bordéus reage por Texier (38’) e Couécou (78’). A eliminatória está agora empatada. Recordo o leitor que estamos em 1966 e a UEFA ainda não está familiarizada com o desempate por penáltis. É o cara ou coroa, como se faz antes do início do jogo entre os capitães e o árbitro. Os intervenientes mantêm-se, a moeda é que assume um valor impensável.

Seja um franco francês, uma peseta espanhola, uma lira italiana, um escudo português, um marco alemão, uma libra inglesa. Depende do árbitro e do país onde se joga. No caso do Bordéus-Porto, é o italiano Agostini quem atira a moeda ao ar. Ganha o Bordéus. O grito de revolta dos roubos de igreja só surgiria uma década mais tarde, mas já aqui Pedroto se insurge contra tudo e contra todos, incluindo com a sorte ou o azar de uma moeda qualquer.

“Os nossos jogadores foram verdadeiros heróis, só vencidos pelos caprichos da sorte. Além de tudo o mais, a moeda, no primeiro lançamento, ficou enterrada no terreno, mas com tendência para cair para o nosso lado. O árbitro voltou a lançá-la ao ar e favoreceu os franceses. Parecia malapata. O juiz não teve pulso, deveria ter expulso vários jogadores franceses, aquilo chegou a parecer circo romano e, ainda por cima, negou-nos duas grandes penalidades sobre Djalma.” Se tivessem vencido a eliminatória, os jogadores do FCP teriam recebido três mil escudos de prémio cada um. Só não sabemos se em notas ou em moedas.

Avançam-se duas épocas, é a estreia europeia da Académica no dia 2 Outubro 1968. Em Lyon, a vitória sorri aos franceses com golo de Guy, aos 85 minutos. Uma semana depois, a segunda mão no Calhabé, pi pi. O treinador Mário Wilson escolhe um onze com Viegas; Belo, Rui Rodrigues, Vieira Nunes e Curado; Gervásio, Vítor Campos e Rocha; Manuel António, Artur Jorge e Peres. O avançado Manuel António iguala a eliminatória aos 75 minutos e depois o jogo arrasta-se para prolongamento e nunca mais se resolve. A alternativa de então é a moeda ao ar – os penáltis inventam-se em 1970.

Diz Mário Wilson. “Perdemos lá, num jogo em que não fiz qualquer substituição, embora a UEFA tivesse permitido em Agosto desse ano, e ganhámos em Coimbra pelo mesmo resultado: um-zero. Prolongamento e moeda ao ar.” A escolha do jogador para decidir a moeda ao ar é de Wilson. “A honra do cara ou coroa recaía sobre o capitão, naturalmente, como tal na escolha do campo no início do jogo e do prolongamento. Foi o Rocha, Augusto Rocha. Nascera em Macau, mas chegou a Portugal nos anos 50 para o Sporting. Chamavam-lhe o pequeno tigre”, porque tigre fora a alcunha do seu pai, que partira de Alcobaça para se casar com uma chinesa. “Já tínhamos perdido a moeda ao ar nas duas vezes pela escolha do campo, mas tínhamos fé que à terceira seria de vez”, anima-se Wilson, “mas tal não se sucedeu. O Rocha escolheu coroa e saiu cara [compasso de espera] A cara do General Franco, porque a moeda era de um árbitro espanhol [Bueno].”

Cara ou coroa? Só mais uma vez, entre Benfica e Celtic para a Taça dos Campeões 1969-70. Cinquenta mil pessoas deslocam-se à Luz para ver 90 minutos de bola e só de lá saem duas horas e meia depois. Em Glasgow, o Celtic ganhara 3-0. Na segunda mão, em Lisboa, no dia 26 Novembro 1969, o inferno da Luz empurra o Benfica para uma noite histórica.

Antes de Eusébio fazer o 1:0, aos 35’, já Artur Jorge atirara ao poste (19’). Jaime Graça marca o 2:0 aos 40’ e o terceiro chega aos 90’+3, por Diamantino Costa, de cabeça. É um lance polémico porque o árbitro apita para o final do encontro entre o canto e o golo (depende da versão portuguesa e escocesa), o que leva os adeptos benfiquistas a entrar em campo, ao mesmo tempo que os jogadores do Celtic julgam que o golo seria invalidado porque, segundo eles, o apito soara antes do remate.

Com tanta confusão, o juiz holandês Laurens Van Ravens obriga as duas equipas a ir para o balneário. A polícia demora cinco minutos a restaurar a ordem entre os adeptos e só aí é que Van Ravens sobe novamente ao relvado, acompanhado pelos jogadores de Benfica e Celtic, para o prolongamento de 30 minutos. Nessa altura só há o recurso à moeda ao ar para desempatar a eliminatória no meio-campo. Van Ravens assim não o entende e volta a indicar o caminho do balneário aos dois capitães (Coluna e McNeill), mais os respectivos técnicos (Calado, adjunto do brasileiro Otto Glória, que não quer ver o cara ou coroa, e o lendário Stein) e alguns jornalistas amontoados à porta.

Dentro da cabina, Van Ravens pergunta cara ou coroa ao visitante McNeill. ‘Respondi cara, depois de Stein me ter dito que eu estava por minha conta e risco’, escreve o capitão do Celtic na sua autobiografia “Hail Cesar”. ‘Saiu cara! Ainda estava a festejar quando Van Ravens me perguntou novamente cara ou coroa. ‘Agora foi para decidir se eras tu ou ele [Coluna] quem ia lançar. Ganhaste tu.’ Disse novamente cara e lancei. A moeda voou, bateu no chão e rolou até ao pé direito do árbitro. Aí cedeu e cara. Foi o maior alívio da minha vida.” À chegada ao hotel, em Lisboa, seis jogadores do Celtic entram nos quartos e descobrem a visita do amigo do alheio durante o jogo. McNeill é um deles. A viagem a Lisboa sai-lhe cara.

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