Great Scott #396: Quem é o primeiro zairense com nome de caso no futebol português?

Great Scott Mais 10/12/2021
Tovar FC

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Great Scott #396: Quem é o primeiro zairense com nome de caso no futebol português?

Mapuata

O futebol zairense tem um perfume diferente dos demais. A sua influência em Portugal é por demais evidente. À conta de golos (muitos) e casos (alguns). Mapuata e N’Dinga são os cromos mais célebres. E os nomes mais repetidos ao longo da história. Lá está, por culpa de golos (muitos) e casos (alguns). A fama persegue-os. Se um é sinónimo de alargamento na 1ª divisão, o outro provoca um carrossel de emoções muito depois de arrumadas as chuteiras, devido a um carimbo. O mais procurado da história. E, claro, o mais falado. Se o tiver em casa, esconda-o bem. Ou então destrua-o sem pestajenar. Isto se quiser evitar problemas, está claro. Há quem não veja por esse prisma e transforme o carimbo num escândalo à escala nacional, como António Oliveira.

A Taça Africana das Nações é um mundo à parte. Anarquia táctica, golos à desgarrada, jogadores castiços. Só no ataque há um leque de génios da bola como Keita, Madjer, Milla, Yekini, Bwalya, Eto’o e Drogba. Não está mal, não senhor, mas é preferível convocar outro onze, baseado em exóticas palavras  onomatopaicas, cujo significado passa completamente ao lado de qualquer europeu mas representa (e assusta) muito para qualquer africano, por desinteressado que ele seja pelo futebol: Awele; Ikenga, Dogon, Gris-Gris e Maravú; Gouro, Ju-Ju e Makuy; Shira-Punu-Lumbo, Ndoki e Niam-Niam. Esta é a verdadeira magia (na verdadeira acepção da palavra) da Taça de África, com muita superstição, rituais, poções e bruxaria. O resultado final de uma partida está, portanto, condicionado a tudo isso. E há gostos para tudo.

Em noite de lua cheia, os jogadores do Zimbabué costumam dançar em cima dos túmulos dos seus antepassados para dar sorte. Os ganeses sentam-se em círculo antes dos jogos e são impregnados com sangue de uma galinha degolada por um bruxo que dança à volta deles. Na África do Sul é costume o seleccionador mergulhar os pés em sangue de veado para ficar

imunizado contra a magia negra dos rivais. Os senegaleses fazem pequenas incisões cutâneas nas mãos, nos braços e nas pernas. Os da Zâmbia encaram o adversário com muito mais confiança se tocarem numa mão humana mumificada. E os do Zaire? Não sabemos. Nem queremos. M-e-d-o. Mas é impossível esquecê-los, sobretudo aqueles que por aqui passaram. Casos de Mapuata (Belenenses) e N’Dinga (Vitória de Guimarães). Só? Mas então faltam aqui Kipulu (Tirsense), Makukula (Vitória de Setúbal), Tueba (Benfica), Basaúla (Elvas), N’Kongolo (Espinho), Wawa (Marítimo) e N’Kama (Vitória de Guimarães).

Pois é, verdade. Acontece que escrevemos casos de Mapuata e N’Dinga. Casos mesmo. Daqueles que metem o país de pantanas e evidenciam a podridão do sistema e seus representantes. Os zairenses, pobres coitados, andam metidos neste meio sem saber como nem porquê. Mapuata é o primeiro a dar o nome a um caso. Entre 1986 e 1988, marca 21 golos em 51 jogos. Isto é só o campeonato nacional. Na Europa, a média é melhor ainda, com um golo em 180 minutos. E não é um golo qualquer, é um golo ao Barcelona. Ao Zubizarreta. A duas instituições. Mapuata é génio e figura. E ainda caso.

O caso Mapuata, inesquecível. Culpa de uma inscrição irregular. A história é sobejamente conhecida e resulta no aumento de equipas na 1.ª divisão, no Verão de 1987. De 16 para 20 equipas. Mas como? O Marítimo perde 1-0 com o Belenenses e protesta o jogo, sob a alegação da tal irregularidade de Mapuata. O Conselho de Disciplina da FPF não dá provimento à queixa e os maritimista recorrem para o Conselho de Justiça. Espantosamente (ou não), o Marítimo tem a razão do seu lado. Aplica-se então um 3-0 a favor do Marítimo e contra o Belenenses. Quer isso dizer que o Marítimo salva-se da 2.a divisão, por troca com o Salgueiros. Ora isso não é nada bem visto pelos salgueiristas. Nem com a Associação de Futebol do Porto. Mete-se a Associação Nacional de Clubes ao barulho e decide-se por um alargamento. Sobem Rio Ave, Espinho e Vitória Setúbal enquanto o Penafiel é repescado. Eis o caso Mapuata em twitter. Ou quase.

De todas as 22 associações espalhadas pelo país, a de Lisboa é aquela mais esperneia com o alargamento. “Por via de um dano causado a um terceiro e único clube, os restantes 159 não podem ser financeiramente penalizados”, lê-se num comunicado assinado por dez clubes da 3ª divisão. “E nem se diga, como já ouvimos por aí defendido por alguém, que o alargamento trará aos clubes mais dinheiro do Totobola. Por que via se os contemplados passam a ser mais quatro em cada divisão e não há garantias que o bolo seja aumentado?“.

Os jornais também torcem o nariz à mudança. “O triunfo da asneira”, antecipa o Diário de Lisboa. No dia 31 de Julho de 1988, o alargamento é votado no Hotel Tivoli com larga maioria (240 votos a favor, 115 contra e 15 abstenções). Malaquias Lemos, presidente da AF Lisboa, está desvastado. “Sinto uma grande angústia por não poder travar este processo democrático em que quem tem mais votos, faz triunfar as suas posições mesmo quando a razão não está do seu lado. Se era para reparar a injustiça do Salgueiros, porque é que as propostas de alargamento apontaram para 20 clubes? O futebol vai ficar doente e mais emprobrecido.”

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