#62 Olhanense 1924
É o maior feito algarvio de todos os tempos. Maior até que o apuramento de Portimonense e Farense para a Taça UEFA em 1985 e 1995. Pois é, preparem-se: o Olhanense é campeão de Portugal 1924, com uma sequência de quatro vitórias.
A equipa apresenta algumas nuances engraçadas, como o treinador-capitão-jogador Júlio Costa. O goleador de serviço é Gralho. Assina sempre o ponto e até vira herói no Campeonato de Portugal do ano seguinte, em 1925, com seis golos num 11:2 vs CF Alentejo.
A aventura inicia-se antes, muito antes de aparecer o Olhanense em prova. E porquê? Porque a Associação de Futebol de Lisboa lembra-se de promover um jogo entre o campeão da 1.ª e o da 2.ª para apurar o seu representante no Campeonato de Portugal.
Para início de conversa, o campeão da 1.ª é uma equipa fora da caixa. Falamos do Casa Pia, fundado no ano anterior. No último dia do regional de Lisboa, e da parte da manhã, o Casa Pia só empata vs. Império (1:1). À tarde, joga-se o dérbi. Se o Benfica ganha, é campeão. Se empata, obriga a desempate vs. Casa Pia. Se perde, o Casa Pia é campeão com um ponto de avanço. Dá Sporting, 3:0. O Casa Pia dá largas à sua euforia, campeão no ano de estreia é épico.
A finalíssima com o campeão da 2.ª do regional de Lisboa está marcada para 11 Maio. Na semana anterior, a realização da Taça Pátria abala a moral dos casapianos, culpa de um 5:0 do Sporting e ainda da lesão do internacional António Pinho. Quando o Casa Pia se apresenta para a decisão, o Vitória FC é superior em todos os aspectos e ganha claramente por 3:1, com 2:0 ao intervalo. A inclusão à pressa de Pinho é um factor de perturbação, o Casa Pia joga com dez e, claro, ressente-se. O jogo acaba dez para dez, após as expulsões dos extremos-esquerdos, e a GNR entra em acção para desbastar a multidão incontrolável, tanto os vitorianos em festa como os casapianos em desespero.
Muito bem, o Vitória vai ao Campeonato de Portugal e sai-lhe o Olhanense na rifa, em Faro, no campo novo em folha do Sporting local. Os 90 minutos disputam-se com correrias várias e o justo vencedor só se encontra nos últimos instantes, numa recarga feliz de Gralho a uma bola à trave (a terceira na baliza à guarda de Viegas).
Na ronda seguinte, e no mesmo dia em que o FC Porto se desenvencilha do Vianense para garantir um lugar na final, o Olhanense esgrime argumentos com o Sporting de Tomar em Lisboa, no Campo Grande, e dá seis-secos. É um jogo de sentido único, com hat-tricks de Gralho e Belo, este um dos primeiros emigrantes do nosso futebol como representante do Recreativo Huelva em 1929-30.
Adiante, o Olhanense quer chegar à final e aplica outra goleada, agora 5:1 vs. Marítimo. Ao intervalo, 2:1. No reinício, bem cedo, mais dois golos esticam a diferença entre um futebol cheio de truques e fintas e outro mais modesto, até inofensivo. Gralho, sempre ele, celebra um bis.
Aí está ela, a final. No Campo Grande, a meio caminho entre Porto e Olhão, o favoritismo recai para o campeão em título. Qual quê, o Olhanense abre o jogo e marca cedo, por Delfino Graça num remate em que a bola ainda embate no poste antes de entrar. O FC Porto só então assenta arraiais e dá a volta em menos de 180 segundos. Perto do intervalo, empata de penálti por obra e graça do enorme Tamanqueiro, digno representante da selecção portuguesa nos Jogos Olímpicos-1928, já ao serviço do Benfica.
A segunda parte é desequilibrada, a favor do Olhanense. O seu guarda-redes passa a ser espectador e só se joga no meio-campo do FC Porto. É de Gralho o 3:2 aos 67 minutos e é José Belo quem fixa o resultado aos 85’. O Olhanense só não repete a presença na final do Campeonato de Portugal no ano seguinte por mero acaso – e um penálti assinalado em cima dos 90’ na casa do Sporting.
Eis a campanha do Olhanense, corações ao alto.
Vitória FC 1:0 Gralho
Sp. Tomar 6:0 Gralho-3 / Belo-3
Marítimo 5:1 Gralho-2 / Cassiano / Falcate / Belo
FC Porto 4:2 Delfino / Tamanqueiro / Gralho / Belo