Casagrande, o n.º 15 em Viena

Here's Johnny Mais 03/09/2020
Tovar FC

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Casagrande, o n.º 15 em Viena

Quem sente pelo FC Porto na final da Taça dos Campeões-87 é filho de boa gente. E quem sabe aquela equipa de trás para a frente, mais ainda. Por ordem numérica: Mlynarczsyk, João Pinto, Inácio, Eduardo Luís (o 4 é Lima Pereira mas o vice-capitão está também lesionado), Celso, Quim, Jaime Magalhães, Madjer, Sousa (o 9 é de Gomes, mas o capitão está lesionado), Futre e André.

No banco de suplentes, Zé Beto com o 12, Festas 13, Frasco 14 e Juary 16. E o 15? O quinze está aqui à nossa frente, na sala de imprensa do Mineirão, antes da meia-final da Taça das Confederações entre Brasil e Uruguai, no estilo de sempre, descontraído, com os cabelos caídos sobre o ombro, uma t-shirt larga e um tabuleiro na mão. É o avançado brasileiro Walter Casagrande. Ausente da final de Viena, por lesão, o agora comentador do canal televisivo Globo lembra-se bem do Porto e do FC Porto.

INTER “Antes do Mundial-86, o Inter queria fazer um pré-contrato mas recusei. Era do Corinthians, de corpo e alma. Não fazia sentido mudar. Acontece que o cenário mudou no segundo semestre de 1986 e a gota de água foi um jogo com o Atlético Mineiro. Perdemos 2-1 em casa e eu falhei um penálti na primeira parte. Para cúmulo, o treinador Jorge Vieira substituiu-me aos cinco minutos da segunda parte, só para eu ser vaiado. Uma sacanagem inadmissível.”

CORINTHIANS “Foi o meu último jogo pelo Corinthians. O [empresário] Juan Figer comprou o meu passe e emprestou-me ao FC Porto. Dos 15 por cento a que tinha direito sobre o valor total da negociação, comprei dois apartamentos na Pompeia [bairro de São Paulo], um deles para os meus pais. Fui para o Porto sem saber o que ia rolar, quase não chegava informação ao Brasil sobre clubes portugueses.”

PORTO “Topei a aventura quando soube que o Porto estava na Taça dos Campeões. Eu e o Figger viajámos para o Por to e assistimos à Supertaça portuguesa com o Benfica nas Antas [1-1, por Gomes e Rui Pedro]. O clube queria que eu vestisse a camisola e entrasse em campo para ser ovacionado mas não quis. As bancadas estavam lotadas e ainda me sentia meio tímido. Nesse dia, percebi a força da equipa. Contava com 14 jogadores de selecção: a equipa portuguesa em peso, o polaco Mlynarczyk, o argelino Madjer e eu.”

VITÓRIA SC “Estreei-me com o Vitória de Guimarães e marquei um golo, o do empate 2-2. O outro foi do Juary, que passou comigo a noite de Natal mais o Celso e o Elói, os outros brasileiros do plantel. Dessa equipa, o Futre é único com quem ainda falo. Sempre um amigão, presente em todas as ocasiões.”

BRÖNDBY “A viagem para a Dinamarca foi uma experiência sensacional. Chegámos a Copenhaga com um frio tremendo, naquele Inverno rigoroso e fomos passear. O cais estava totalmente gelado. Um dinamarquês disse-nos que podíamos andar em cima do gelo. Então, saltámos para cima do mar enquanto avistávamos icebergues no horizonte. Muito louco.”

AZAR “[quartos-de-final da Taça dos Campeões] Rompi os ligamentos do tornozelo esquerdo aos 15/20 minutos e nunca mais poderia jogar na Taça dos Campeões, embora tenham feito de tudo. O treinador Artur Jorge queria colocar-me na decisão. Na véspera da final com o Bayern, no treino da noite, ainda fiz um teste mas só conseguia correr em linha recta, não fazia curva de jeito nenhum. Acabei por ficar no banco.”

BARES “Conquistada a Taça dos Campeões, ainda fiquei um tempo no Porto. Sozinho. Aproveitei para conhecer melhor a cidade. O movimento dark era muito forte e The Cure, David Bowie, Simple Minds faziam sucesso. Havia muitos pubs nessa linha. Comecei a passear pela cidade e encontrei uns barzinhos escurosm cubículos que pareciam cenário do filme Christiane F., aqueles lugares a que ela ia. Conheci umas pessoas e acabei por provar heroína.”

DROGAS “Em geral, injectavam Pervitin no músculo. De imediato, a pulsação ficava acelerada, o corpo superquente, com alongamento máximo dos músculos. Podia-se levantar totalmente a perna, a gente virava bailarina. Melhorava realmente o nosso desempenho, o jogador não desistia de nenhuma bola. Cansaço? Esquece, se fosse preciso, dava para jogar três partidas seguidas. Era uma coisa oficial: do treinador ao presidente do clube, toda a gente sabia, mas o clube não deixava a gente ir para casa depois do jogo. Ficávamos concentrados e dormíamos no hotel. No dia seguinte, fazíamos sauna de manhã e dávamos uma corridinha à volta do campo. Só depois disso, dispensavam-nos.”

TORINO “O meu contrato acabava em Julho de 1987 e o Porto manifestou o desejo em renovar. O objectivo era duplo: ganhar a Taça Intercontinental ao Peñarol e a Supertaça europeia ao Ajax, mas Portugal só tinha quatro equipas competitivas – Porto, Benfica, Sporting e Vitória de Guimarães. Quando o Torino se interessou por mim, nem pensei duas vezes: a minha meta sempre foi jogar o campeonato italiano.”

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