José Águas, o capitão do bi

Here's Johnny Mais 03/09/2020
Tovar FC

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José Águas, o capitão do bi

“Perdi o meu pai muito cedo, aos três anos e meio. Chamava-se Raúl António Águas e era pugilista amador, mas dos bons, pois dizem-me que se batia, e bem, com os estrangeiros. Era forte, dos pesados. Era franzino, embora rijo. A minha mãe, receosa da minha aparentemente fraca compleição física, não me deixava jogar futebol senão em casa. O que era um problema, porque quando a bola – a mágica bolinha – aparecia era uma alegria que nunca mais acabava. Que tardes no areal da praia atrás da minha casa.”

“Os directores do Lusitano [onde José trabalha] nãp queriam deixar-me jogar na véspera do desafio que lhes interessava. Para contentar ambas as partes, pedi-lhes para me deixarem jogar só um bocadinho no sábado, saindo logo que estivéssemos a ganhar. Concordaram, mas foram fiscalizar para o campo. Entrei a jogar e marcámos dois golos. Saí, como tinha ficado combinado, mas, passado um bocado, os meus colegas consentiram o empate. Voltei a entrar e daí a pouco o resultado passou para 3-2. Pedi para sair e novo empate se registou. Lá tive de entrar outra vez e então fiquei até ao fim. Acabámos por ganhar, salvo erro, por 4-3.”

“Gostava imenso de estar na praia, com a minha irmã e mais três ou quatro raparigas, numa brincadeira infinita. Nasceram-me os primeiros e tímidos pêlos da cara, arrefecera o meu entusiasmo pela bola.”

“Fui convocado para fazer parte da selecção contra o Benfica em digressão. Na primeira parte, joguei a avançado-centro. Na segunda, a extremo-esquerdo. Ganhou a selecção do Lobito por 3-1 e marquei dois golos. Recordo-me perfeitamente do primeiro golo. Por sinal, um grande golo, modéstia à parte: fugi ao Jacinto para o centro do terreno, recebi a bola pelo ar, parei-a com o peito, desceu ao pé direito e zás, o amigo Contreiras nada pode fazer.”

“Falei com os meus irmãos e chegou-se à conclusão de que eu, com quase 20 anos, podia muito bem tentar a sorte no Benfica, treinado pelo inglês Ted Smith, com quem me encontrei no hotel a seguir a essa vitória da selecção do Lobito por 3-1. Aqueles dez dias de alegre convívio com a rapaziada deixaram-me uma saudade grande e um desejo enorme de que estes dias passassem rapidamente.”

“Nunca mais esquecerei aquele túnel que dá acesso ao campo. Quando entrei na Tapadinha, senti-me tão pequenino e tão desorientado que me deu vontade de chorar e pedir que me tirassem dali. Nunca tinha visto aquilo [relvado e chuteiras com pitons]. Fiquei desnorteado e fiz um jogo muito mau.”

“Quando cheguei ao Estádio Nacional, ia amedrontado. A fama de Azevedo já tinha chegado a África, onde é um dos grandes ídolos do público. No princípio do jogo, até tinha medo de saltar com ele, só com receio de o magoar. Caí, isso sim, por via de um choque com um defesa do Sporting. O Azevedo socorreu-me e disse-me ‘levanta-te que a relva está molhada e faz-te mal’. Só lhe perguntei se tinha sangue na cara e ele riu-se, antes de me dar uma palmada de amizade. Isso impressionou-me e mostrou-me a sua elevada noção de camaradagem.”

“Quando o Benfica chegou ao campo para o treino de adaptação ao relvado, a rapaziada que por ali cirandava concentrou-se junto ao autocarro. Entretanto, chegou o autocarro do Barcelona e toda aquela gente, com excepção dos portugueses, correu na direcção oposta. Senti naquele momento que nos consideravam os ‘mija na escada’ e a eles os grandes senhores. No dia seguinte, dentro do campo, o público virou-se completamente a nosso favor.”

“Na véspera da final, tive um acidente a sonhar, depois de 11 dias em estágio a dormir sozinho. Desabafei com o médico do Benfica, que me disse para falar com ele antes do jogo. Assim fiz. E o dr. Sousa Pinho levou-me ao bar. Mandou-me vir um café e um brandy, Foi o meu doping.” “Apesar da chuva e da humidade, Guttmann não abdicou do treino, enquanto o Real Madrid cancelou o seu e permitiu que os seus jogadores se passeassem de gabardina nas ruas da cidade, nas compras. Quando o treinador Muñoz soube do nosso treino, perguntou ao jornalista português: ‘Como é possível que o treinador do Benfica ponha os jogadores a treinarem-se com esta temperatura?’ Pois é, Guttmann não brincava em serviço.”

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