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Costinha. “Andei uma vez de carro com o Barthez e jurei para nunca mais”

04/16/2020
Tovar FC

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Costinha. “Andei uma vez de carro com o Barthez e jurei para nunca mais”

O telefone toca uma vez, duas vezes. À terceira, Costinha atende com a boa disposição de sempre. O homem está na cave, em arrumações. Isto agora há tempo para tudo, até para desembrulhar caixotes com camisolas de futebol trocadas no final dos jogos. Ele é Riise no Liverpool. Craque. Ele é Moravcik no Celtic. Craque. Ele é Vlaovic no Panathinaikos. Craque. Ele é Figo no Real Madrid. Craque. Craque, o Costinha. Óbvio.

Ainda na cave, Costinha transforma-se em Baco e lança-nos a fotografia de um onze à maneira. Na baliza, uma espécie de Vítor Baía (Principal 2009, Bairrada – Quinta Colinas São Lourenço). Na defesa, o quarteto inclui nomes sonantes como Colinas Espumante (Bairrada – Colinas São Lourenço), Quinta do Crasto Touriga Nacional (Douro – Quinta do Crasto), Quinta da Leda (Douro – Casa Ferreirinha) e Colina Espumante (Bairrada – Colinas São Lourenço). Dois clássicos do Douro como defesas-centrais. E dois espumantes – com esta qualidade nas laterais, se fosse num sítio que eu cá sei, chamar-se-ia Champagne.

No meio-campo, Alion (Ribera del Duero – Bodegas e y Viñedos Alion), Chryseia (Douro – Symington) e Villa Oliveira (Dão – Passarella). Os entendidos dizem alto e bom som: se é para ter um estrangeiro no onze, que seja Alion, da mesma casa do mítico Veja Sicília (já agora, o vinho preferido de outro “ministro” do futebol português, Oceano). Ao seu lado, o regresso aos ícones do Douro e do Dão.

No ataque, o tridente promete entre Bella (Dão – Real Garrafeira), Batuta (Douro – Niepoort) e Clefs D’ors (Bairrada – Quinta da Curia). Classe, classe e mais classe. É como se jogassem juntos craques da craveira de Oliveira, Gomes. Pronto, a fera está domada. O Costinha volta a ser o Costinha e descreve um onze do best no Monaco, em pleno Parque dos Príncipes. Voilà.

Número 1.

Um ícone e um capitão por excelência: Fabien Barthez. Foi o jogador que me fez aprender a falar francês o mais rápido possível.

Porquê?

Ouvia-o falar muito no meu nome em conversas com os outros e percebia pouco. Quando aprendi, dirigi-me ao balneário e disse ‘a partir de agora, já percebo francês; não só vou entender tudo o que me disserem como vou poder dizer-vos na cara o que quiser’. Foi a senha para ser olhado de frente. Já o era, atenção, mas esta acção foi determinante para dar um laço à minha relação com todos eles.

E o Barthez, que tal?

Somos grandes amigos ainda hoje, muito próximos mesmo, e é um doido a conduzir. Não aconselho ninguém a andar de carro com ele. Uma vez fomos jantar a Cannes, com o resto da equipa.

E?

Jurei para nunca mais, ahahahah. E, olha, ele é dono de uma equipa de carros.

Sagnol, 19.

Chegou na mesma altura que eu, ex-Saint Etienne, e saiu pouco depois, para o Bayern. Muito potencial em tudo e, ao mesmo tempo, um gajo estranho. Estava quase sempre em fora-de-jogo.

Como assim?

Ahahahahahah. Nas nossas conversas, estava quase sempre em fora-de-jogo. Dizíamos ‘vamos treinar’ e ele ‘ai é para treinar? vamos lá’. Ou então ‘vamos jogar’ e ele ‘ai é para jogar? vamos lá’. Falávamos com ele e a sua cabeça estava em Marte ou Júpiter. De repente, aterrava no planeta Terra e dizia-nos ‘hein?!’. Como ele só conheço o Baía. O Vítor parecia o ET na bicicleta: voava e desaparecia completamente da conversa. Só deixava lá o corpo, de resto tchau aí.

Konjic, 21.

Momo, central bósnio. Excelente pessoa. Tinha uma ligação mais estreita com ele, porque as nossas famílias davam-se bem, tal como com a do Spehar. Só que o Momo era um comilão. Tipo Seitaridis. Se ele fosse lá a casa para almoçar ou jantar, tinha de ir às compras e encher uns dez sacos do Carrefour. Agora joga basquetebol.

Dumas, 5.

O capitão. Pertencente ao núcleo duro do Monaco, juntamente com N’Doram, Barthez e Benarbia. Um líder por excelência, sempre muito próximo de mim, a corrigir os meus movimentos dentro de campo. E um jogador com muita qualidade. Mantivemos o contacto e até calhou falarmos quando eu era director-desportivo do Sporting e ele director-desportivo do Cannes.

Pignol, 3.

O Christophe era o jogador que me dava boleia para o treino no seu BMW, nos meus primeiros tempos de Monaco. E ficava sempre espantado porque eu sabia de cor e cantava as letras de todas as músicas que passavam na rádio durante o trajecto, ahahahahah. Pormenor engraçado: na minha estreia a marcar, em Turim, com a Juventus, para a Liga dos Campeões, ele sai aos 42 minutos e sou eu quem o substitui. Soube que teve um problema grave de leucemia.

Diao, 25.

Salif, grande Salif. Disputávamos a mesma posição, juntamente com o Djetou, se bem que o Djetou também pudesse jogar a central. Fora do campo, o Salif era companheiro de jantares. Era ele, eu, Trezeguet e Tony Silva, suplente do Barthez. O Sliaf era muito mais alto que eu, mas era um menino muito dócil a falar. Todos os treinadores gostavam dele pela sua personalidade. Devo-lhe muito.

Em quê?

Estreei-me pelo Monaco com o Bordéus, logo a titular. No jogo seguinte, com o Chateauroux, nem sequer me equipei. Saí dos 18, vê bem. Perdemos um jogo e empatámos o outro. Éramos os campeões em títulos. À terceira jornada, vamos a Lyon. No treino de sexta-feira, antes da partida para Lyon, o Diao não levou as calças de fato-treino. Eu, como sou previdente, levei. Resultado: fui convocado no lugar do Diao e ainda entrei em jogo.

Quem ganhou?

Foi a nossa primeira vitória do campeonato e acontece uma cena engraçada.

Conta.

Dou uma cueca num jogador do Lyon, à entrada da nossa área. Levei uma reprimenda do Benarbia. Se bem que depois ele riu-se, ahahahah.

Olha olha, o número 18. Da Costa, porquê Da Costa?

Era mais fácil que Costinha. Os franceses, dizia o Tigana [treinador], não conseguiam ir buscar o iiiinha. Ou era José ou Da Costa. Ficou Da Costa.

Giuly, 8.

O nosso animador. Chegou do Lyon, ainda muito jovem e fez parte do Monaco campeão francês em 1999-2000. Por lá se manteve por mais anos e cheguei a defrontá-lo na final da Liga dos Campeões 2003-04, em Gelsenkirchen. Ainda hoje mantenho contacto com ele, é treinador das camadas jovens do Monaco. Bom amigo.

Muito veloz, certo?

Muito muito rápido. É engraçado ver como Giuly e Henry evoluíram ao longo dos anos. O problema do Giuly nos primeiros tempos de Monaco era o critério. Nem sempre o mais acertado. De resto, um talento imenso, em potência e aceleração, tanto para dentro como para fora, e um homem sempre bem-disposto. Para ele, zero problemas em qualquer circunstância. E isso é importante em qualquer plantel, um jogador que te puxe constantemente para cima.

Gava, 20.

Olha, é o jogador de que tenho menos recordações. Porque esteve pouco tempo connosco, embora tenha volta a ser meu colega na última época de Monaco, em 2000-01. É um jogador com muito cartel em França, muito tecnicista e muita intensidade quando a bola lhe saía dos pés.

Trezeguet, 9.

Trezegol, o meu parceiro número um. Só tinha 18 anos quando o conheci. Morava com os pais, na outra ponta do Monaco, tinha uma namorada portuguesa e saíamos para todo o lado. A sua química com o Henry era ainda mais letal fora dos relvados.

Nãããããã.

Acredita. No final dos treinos, íamos sempre a uma creperia na Boulevard des Moulins e eles despachavam crepes com queijo e fiambre como se não houvesse amanhã. A sério, eles comiam, comiam e comiam. Não paravam. Curiosidade das curiosidades, o Trezeguet comprou um apartamento à frente dessa creperia, ahahaha. O David era fantástico. Ele tinha sido recusado pelo PSG e apareceu no Monaco assim como quem não quer a coisa. Chegámos ao mesmo tempo, aliás.

E a 9, que tal?

No final dos treinos, ainda antes dos crepes, o Tigana treinava remates à baliza. Metia um keeper à baliza e escolhia um jogador para cruzar da direita e outro da esquerda.

No meio, o Trezeguet a despachar serviço?

Podes crer, é esse o termo. Só remates de primeira. Cada tiro, cada melro. Cada melro, cada golo. Um dia, marca 10 em 10. O Barthez vai e mete-se com ele: ‘só fazes golos porque é o teu amigo Tony Silva na baliza’. O Barthez calça as luvas e vai à baliza. Ao fim de quatro golos em quatro cruzamentos, o Barthez sai de cena. Ahahahahah. Era impressionante, digo-te.

Herói da França na final do Euro-2000.

Aquele golo à Itália? Ele fazia-os fora da área, nos treinos, com uma facilidade enorme. E só de pensar que não veio para o Sporting porque estava velho.

Hein?!

Em 2010, quando o Trezeguet sai da Juventus, fala-se dele para o Sporting. Era eu o director-desportivo. Diziam que era velho [Trezeguet só tem 32 anos em 2010] e foi para o Hércules.

E que tal?

O Hércules desce de divisão e o Trezeguet marca 12 golos. Nada mau para um velho.

Ahahahah, de facto.

Houve uma fase no Monaco, posterior à da dupla Henry-Trezeguet, já sem o Henry, que o quinteto fantástico era eu, Trezeguet, Gallardo, Contreras e Márquez.

Uy uyyyyy.

Ahahahahah. O Márquez e o Contreras eram solteiros, tinham lá as suas vidas. Os outros três eram homens de casa, mas jantávamos imenso.

Só falta um: Henry, número 12.

O jogador que me deu a alcunha de ministro. Espectacular como pessoa, espectacular mesmo.

E bola no pé?

O que ele evoluiu. Só visto. Uma vez, o Benarbia vira-se para mim a meio de um treino e diz-me ‘Costa, quando o Titi souber utilizar o pé esquerdo e meter a bola nas redes, vai ser de classe mundial’. E foi. Quando ia à boleia com ele, ouvíamos sempre Blackstreet. Ele adorava esse grupo, sobretudo a música “No Diggity”. E ele dizia-me ‘Costinha, sabes aquela vossa equipa com Nuno Gomes e Dani? Muito bonitos, mas não para ganhar títulos’. E eu ficava com uma azia terrível. Sabes qual era essa França? Trezeguet, Henry e Anelka.

Poissss. Último homem, Tigana.

Todos diziam que eu era o filho dele, ‘ton papá’. Foi a pessoa que me deu a possibilidade de sair do Nacional e jogar uma competição nacional de grande nível. No fundo, saio do campeão nacional da 2.ª B, zona sul, e entro no campeão francês. Nunca saberia qual o meu futuro se não fosse ele, que acreditou realmente em mim.

Tu jogaste a titular logo na primeira jornada, certo?

Exacto. E preparou-me para o primeiro jogo, com o Bordéus. ‘Confio 100% em ti, vais marcar o Jean-Pierre Papin.’

Uyyyyy.

As minhas pernas tremeram, mas não demonstrei. Vinha da 2.ª B, não é?

E o JPP?

Nem tocou na bola. Perdemos 1-0, golo do Laslandes.

E o Tigana?

Gostou, aplaudiu.

Era um personagem, com o palito na boca?

Sempre de palito na boca. Um dia, no Hotel Meridien, ele chega-se ao pé de mim nesses preparos com uma folha na mão e diz-me ‘o futebol está louco, foste convocado para a selecção portuguesa’. No dia seguinte, estreei-me a marcar pelo Monaco. Quando já era titular, ele também foi importante para forjar o meu carácter. Para baixar a garimpa, sabes? E obrigou-me sempre a trabalhar nos limites.

E ele falava do Euro-84?

‘Costa, o Álvaro está doido’. E eu, ‘o Álvaro, qual Álvaro?’ E ele ‘quando vi o Álvaro a subir mais que o Chalana, percebi que era por ali que tínhamos de ir’. E a verdade é que o 3-2 do Platini nasceu de uma jogada no lado direito deles.

Outra do Tigana. Era proibido jogar com chuteiras de cor no Monaco e a Adidas enviou-me umas brancas e outras vermelhas. Eu, que sempre usei Puma pretas, mas já sabes como é isto das marcas, chegam a toda a gente.

E então?

Vamos jogar a Bochum e o roupeiro do Monaco mete-me as chuteiras da Adidas em vez da Puma.

Uh la la.

Quando percebo isso, fico de todas as cores. O jogo é às 8 da noite e ainda são 4 da tarde quando fui bater à porta do quarto do Tigana. Ele abriu-me todo [silêncio]

Quê?

Ensonado, sei lá. ‘O que foi, José?’ Disse-lhe da confusão. E ele atira-me ‘julgas que sou o roupeiro, deixa-me mas é dormir’.

Jogaste ou…?

Joguei com as vermelhas e marquei um golaço. Com o pé esquerdo, o único da carreira. Ahahahah.

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