John Cleese, a galhofa em pessoa
O livro escorrega-nos das mãos. De tanto rir. Rir, rir, rir, rir. John Cleese, o do “Ministry of Silly Walks” nos Monty Python, tem graça. Na arte da representação. E também na da escrita. Comprova-o este livro de 438 páginas, lido de fio a pavio sem pestanejar
So, Anyway (2014)
Página 15 “A 14 de Agosto de 1940, aviões alemães bombardearam Weston-super-Mare. Isto pode ser comprovado porque veio em todos os jornais. A maioria dos residentes de Weston estava convencida de que o ataque fora um engano: por que lançariam bombas em excelente estado sobre Weston quando não havia ali nada que uma bomba pudesse destruir e fosse de alguma maneira tão valioso quanto a bomba que o destruísse. Isso implicaria que cada explosão produziria uma pequena mossa na economia alemã. No entanto, os alemães regressaram diversas vezes, o que deixou todos confusos. Apesar disso, não posso deixar de pensar que os residentes de Weston até gostavam bastante de ser bombardeados: proporcionava-lhes uma sensação de importância que de outra forma não existiria nas suas vidas. Permanece a questão: teriam os pilotos da Luftwaffe confudido a costa de Weston com a Frente Ocidental? [trocadilho com Weston seafront e Western Front]
Basil, o manjericão mais divertido da história
Página 130 ‘Fui professor de geografia e, no final do período, fiz um exercício para a turma. Dava-lhes um traçado do mapa-múndi, só com as fronteiras dos países assinaladas, mas sem os nomes, e juntava uma lista de 30 países que tinham de distribuir pelas posições correctas no mapa. Dez eram fáceis, como Austrália e China; dez mais difíceis, como Suíça e Chile; dez realmente difíceis, como Laos e Bolívia. No começo desse período, entrou um rapaz novo para a turma. Como era introvetido, deixei-o integrar-se sem pressa. Nesse tal teste, fiquei surpreendido, e agradado, ao ver que escrevera o nome Bolívia na área precisa. No entanto, fora esse o único em que acertara. Assinalou o continente australiano como França, a Suécia e a Noruega como Brasil, e colocou as ilhas britânicas no meio do Sul do Pacífico. Fui inevitavelmente levado a uma triste conclusão: aquele Bolívia fora, quase com absoluta certeza, pura sorte do acaso. Afixei a prova dele no quadro informativo da sala de professores, com a anotação: ‘Abandonai a esperança, todos vós que aqui entrais’. Quando o director sr Bartlett a viu, ficou algum tempo a olhar-me e depois, com verdadeira convicção, observou: ‘O que há de mais triste na verdadeira estupidez é que não se pode fazer absolutamente nada a respeito dela’
Página 160 “Escrito pelo próprio, a respeito de uma peça. John Otto Cleese. Inteligente, encantador, ex-aluno de escola privada, 23 anos de idade. Umas luzes de francês, conduz, deseja emprego com renumeração interessante a partir de Julho. Faz qualquer coisa, vai a todo o lado (não adepto do lollardismo e totalmente adverso a tendências, foi persuadido a abandonar o ludismo por relógios de pulso e não sabe andar de bicicleta).”
Se todos os norte-americanos fossem como Letterman, seria um país do caraças
Página 254 “Graças ao novo espectáculo, tive de visitar um gabinete de imigração em Chicago para prolongar o meu visto de trabalho. Preenchi cuidadosamente o formulário e entreguei-o ao funcionário da imigração, um tipo com cinquenta e poucos anos. O diálogo que se seguiu foi assim:
– Você é britânico?
– Sim
– O que é isto, então?
– Isso? É a minha nacionalidade
– Você disse que era britânico.
– … Sim, e então?
– Você é ucraniano?
– … Ucraniano?
– Aqui está escrito UK
– Ah! Não, isso é o Reino Unido
– O… quê?
– O Reino Unido: Inglaterra, Escócia, Gales e…
– UK é Ucrânia
– Não, não me parece. Está a ver quando há debates no Conselho de Segurança, o embaixador tem um pequeno letreiro à frente que diz United Kingdom? UK
– UK é Ucrânia.
– Juro-lhe, fiz direito internacional em Cambridge e…
– Você é ucraniano?
– Não, mas…
– Corrija isto, por favor. Há uma lei contra dar informações erradas
Ali estava um idiota de uniforme do mais alto nível: um homem que até na sua área de especialidade porque optara conseguira conservar uma ignorância estúpida (…) Risquei UK e escrevi ‘Grande Britânico’. Desse modo, o meu visto foi renovado
Página 298 “O Graham e eu desleixáramo-nos desde que chegáramos a Ibiza e pouco fizéramos para avançar com o guião do filme. Para protelar ainda mais as coisas, aproximava-se o Mundial-66 e tinha bilhetes para os jogos todos em Wembley, incluindo o da final. Voei de Espanha para Inglaterra e entreguei-me então ao exigente processo de ver a Inglaterra jogar futebol, começando por um empate 0-0 com o Uruguai, tão entendiante, nada inspirador, pesadamente previsível e total e irremediavelmente desprovido de promessas ou esperança que fiz uma coisa muito idiota. Dei o meu bilhete para a final do Mundial ao Bill Oddie. Sim, eu sei. Mas estimei que o mais longe que esta selecção inglesa conseguiria ir (sem a ajuda de milagres) era a meia-final. Telefonei então ao Graham e disse-lhe que regressaria mais cedo que o esperado. Ainda vi os jogos até à meia-final [com Portugal], quando o assombroso Bobby Charlton marcou ambos os golos que puseram a Inglaterra na final. Nessa noite, eu seguia no avião de volta a Ibiza. Estúpido!”
Cleese falha jogo com Portugal, é comédia pura
Página 339 (diálogo entre John Cleese e a sua namorada Pippa, depois de uma festa em Londres)
– O Graham foi-se embora.
– Oooh! Bem, vejo-o na segunda-feira.
– Ele queria falar contigo.
– Acerca de quê?
– Conto-te no táxi
(no táxi)
– Ele teve de se ir embora, mas deixou-me uma mensagem para ti. Assumiu onde está.
– Ele vive em Hampstead.
– Não, ele… decidiu que é gay.
– O quê?
– É homossexual.
– De quem estamos a falar?
– Do Graham!
– Graham quê?
– Graham Chapman.
– Sim, eu sei. Mas quem é que o Gra diz que é gay?
– Ele é gay!
– … Desculpa, já me perdi…
– Graham Chapman…
– Sim..
– Decidiu que é homossexual. Quer que tu saibas que ele tem um namorado.
– Estamos a falar de quê?
– É verdade.
– Então porque é que ele está a tentar enganar-me?
– Não está.
– É uma aposta?
(…) “Na sua estada em Mikonos (Grécia), o Graham conhecera um sueco cativante chamado Stig que o persuadira. O Graham costumava dizer que eu fiquei chocado quando ele se assumiu. Isso implica uma certa espécie de objecção moral, o que não é verdade. Eu não fiquei chocado; fiquei muito, muito, muito, muito, muito, muito, muito, muito, muito, muito, muito surpreendido. Eu conhecia o Gra [um dos Mony Pyhton] havia mais de cinco anos e ele sempre usara sapatos clássicos, calças de veludo e casaco desportivo com cotovelos de cabedal. E era um estudante de Medicina que bebia cerveja, fumava cachimbo e jogava râguebi. Nos anos 60, se se tivesse dúvidas acerca de alguém ser gay, esses hábitos não eram considerados indícios óbvios. A menos, é claro, que a pessoa em questão fosse uma mulher.”