Um treino no Sporting
Conheço bem três RTP’s. A da Marechal Gomes da Costa, a da 5 de Outubro e a da Alameda das Linhas de Torres. Esta última é a minha preferida. Finta-se a bomba de gasolina e sobe-se uma calçada portuguesa em S. À direita, voilà, os estúdios. Tenho recordações vagas, memórias soltas. Nas redondezas, há muitos restaurantes. O Magriço, claro, é o mais sonante. Mesmo à frente da bomba. Às vezes, de tão cheio, o meu pai impacienta-se e leva-me a outro sítio. Uma vez, é ali no Centro Comercial Stromp, sentados a um balcão. Às tantas, o meu pai entretém-se com o vizinho. E vice-versa. Patati patatá, elogios para aqui, elogios para ali. Gostei muito de o ver na televisão naquele dia, gostei muito de o ver a marcar três golos ao Manchester United naquela noite. “Três golos?”, pergunta o senhor. “Foram quatro.” Aiiiii. O meu pai insiste no hat-trick, o senhor insiste no póquer. O senhor é Osvaldo Silva, avançado brasileiro de Porto, Leixões e Sporting. Em Alvalade, é um dos heróis da gloriosa epopeia da Taça das Taças 1964. Na famosa eliminatória dos ¼ final com o United, o Sporting apanha 4-1 em Old Trafford e ninguém acredita na reviravolta. Ninguém? Baaaah. Osvaldo abre o marcador, de penálti, e fixa-o, 5-0. Pelo meio, o 2-0 ainda antes do quarto de hora. O meu pai faz o relato, Osvaldo abana a cabeça com um sorriso. “Marquei mais um golo, senhor Rui.” Que regabofe. Três, quatro, três, quatro. Eles não saem dessa lenga-lenga. Eu, sossegado, ouço-os. Sem perceber nem entender a dimensão da aposta. Ah pois, há uma aposta. Promovida por Osvaldo: “Se forem quatro, o senhor Rui dá-me razão; se forem três, dou razão ao senhor Rui e ainda levo o seu filho a treinar aos infantis do Sporting.” Tchan tchan tchan tchaaaaaaan, eis-me a estrear pelo Sporting. E, ao mesmo tempo, a despedir-me. Dois em um. Se toco na bola? Uma ou duas vezes, num lançamento lateral ou assim. Passo o tempo a apanhar bonés naquele peladão irregular onde agora é o metro do Campo Grande.