Sérgio. “Mal ouviu o meu nome a titular, o Ivkovic ficou azul, amarelo, cor-de-rosa”
Campeão nacional de juniores em 1983, ao lado de Futre e Litos, o guarda-redes Sérgio acumula sete anos de futebol sénior no Sporting e tão-só nove jogos. Ou melhor, oito e meio. Titular surpresa vs Marítimo, nos Barreiros, a 15 Maio 1993, o guarda-redes lesiona-se na primeira parte. Tanto faz, o seu nome consta obviamente na ficha técnica. Daí o telefonema. É um regabofe, mais um.
Bom dia, tudo bem?
Amigo, estás bom?
Viste o meu whatsapp?
Vi e digo-te que esse é o jogo em que parti os ligamentos cruzados ainda na primeira parte.
Saíste e entrou quem?
Ivkovic.
Desculpa a pergunta: tu a titular e o Ivkovic no banco?
Foi uma surpresa do Robson. Essa, e o número 9 entregue ao Carlos Jorge.
Poiizeeeeee, estou a ver isso.
Lembro-me tão bem desse jogo.
De tudo?
Até dessa semana toda.
Então porquê?
Porque o Robson pediu-me segredo sobre a minha titularidade na 4.ª feira. Disse-me ‘prepara-te’ e pediu para não dizer a ninguém.
E tu?
Nada, silêncio total.
Chegaram aos Barreiros e tal.
Chegámos aos Barreiros e tal, o Robson dá a equipa. O primeiro nome é Sérgio’ Bem, o Ivkovic. Ahahahah.
Como?
Ficou azul.
Azul?
Azul, amarelo, cor-de-rosa. E todos os outros a olhar uns para os outros. Foi mesmo uma grande surpresa.
Tu és o número 1. Nélson, 2.
É um moço muito muito humilde, e muito muito simples. Gente boa, jogador bom,. Muito introvertido.
Outra vez muito?
Põe muito nisso do introvertido.
Paulo Torres, 3.
Tinha cá um coice. De mula, mesmo.
Foi o mais difícil que apanhaste no Sporting?
Não, o mais difícil foi um brasileiro chamado Valtinho. Se adivinhasses o lado da bola nos penáltis, levava-te a mãozita toda para tras.
E o Paulo Torres?
Está em segundo lugar, num honroso segundo lugar. Ahahahahah. Ele a bater livres era um caso sério. Subia muito e bem, mais que o Nélson.
Barny, 4.
Central de marcação, uma carraça. Quando decidia pegar num adversário, esquece.
Porquê?
Era chatinho, chatinho. Fora do campo, sempre a rir, sempre bem disposto.
Valckx, 5.
Tanto jogava no meio-campo, a fechar no meio ou nos dois lados, como também jogava a central, como aconteceu vs Grasshoppers na Suíça.
E que tal?
Era mau como as cobras. Dava pau, pau, pau. Duro, muito duro.
E fora do campo?
Nada a ver, uma jóia de pessoa. O único gajo que vi no Sporting a ir de moto para os treinos.
Isso era assim?
O regulamento dizia que os atletas não podiam andar de moto.
E?
O Valckx contrapunha, ‘o meu único transporte é a moto’. E ia de moto, ahahahahah. Ele estacionava à frente da 10-A e entrava no estádio com um nível do caraças. O curioso era vê-lo do lado de dentro.
Então?
Saía da moto e não sorria para ninguém, sempre sério, Mal entrasse no balneário, era um espectáculo. Antes dos jogos, apontávamos para um jogador e dizíamos ‘Stan, naquele ali podes dar da cintura para cima’ e ele ‘ai podes?’.
Ahahahah.
Com a bola nos pés, era jogador.
Peixe, 6.
Defensivamente, era fabuloso. Fazia-te todas as posições do meio-campo e ainda as duas de central, a de marcação e a das dobras. O Emílio era grande, fazia tudo o que lhe pediam, um 6 verdadeiro.
Confere então, número 6 posição 6.
Neste caso, é isso mesmo. Mas, atenção, cresci a ver o 10 nas alas, estilo Chalana e Futre. Na mesma altura, o 6 do Benfica era o Carlos Manuel e era outro ala.
Figo, 7.
Craque para construir, porque o Peixe era craque para destruir. Com o Figo, já se via que estava ali um caso sério. Ele atirava-se a nós como um leão, nos treinos. É claro, vinha com vícios das camadas jovens. E dizíamos-lhe ‘se te agarras à bola, roubam-te’. Aos poucos, ele aprendeu e, olha, é o Figo.
Cherbakov, 8.
Grande Cherba. Estava sempre a rir-se e era muito bom jogador. Ia ser craque, mas ainda estava verde. O que é normal porque era miúdo, estava a crescer. O que lhe aconteceu foi uma pena imensa.
Carlos Jorge, o tal 9.
Centralão a dobrar, destratava constantemente os avançados.
Tipo o quê?
‘Sai daqui ou arranco-te a cabeça’. Coisas assim. Curiosamente, chegou ao Sporting via-Marítimo e tinha uma casa ali perto dos Barreiros.
Balakov, 10.
Jogava muito muito muito muito mas muito. Vi-o a fazer coisas inacreditáveis em treinos e em jogos. Como aquele golo ao Preud’homme na Luz. Até parece fácil, mas não é para todos e é preciso pensar muito depressa e executar de forma perfeita.
Ainda falas com ele?
Um dia, o Estugarda foi estagiar na Penina e encontrei-me com ele. Já não o via há anos. Fui ter com ele e parecia que estava a falar com um amigo dele da tasca. Espectáculo, como pessoa. Como jogador, é aquilo que a gente sabe e eu já disse. Também tivemos o Iordanov, que era mais um finalizador.
Cadete, 11.
Um dos melhores de cabeça que já vi. E era rapidíssimo, parecia que andava de moto. Como o Valckx. Ahahahahah. A finalizar também era bom, daí que tinha sido melhor marcador do campeonato.
Robson, treinador.
Uma diversão pegada.
Ele falava inglês ou…?
Se fosse uma conversa alongada, o Mourinho traduzia. Se fosse uma conversa táctica, bastava apontar para o quadro e a gente entendia-o perfeitamente.