Marxista-leninista
Marxista-leninista. À falta de notas para entrar na pública, saco um aprovado no exame da UAL. O meu pai, sabe-se lá porquê, desconfia da actividade universitária no Cais Sodré e passa o Verão a falar-me de trabalhar num jornal em part-time. Sem pressão, atenção, só um toque aqui e ali. Nem me sinto pressionado a pensar, quanto mais a responder. Em Agosto, o meu pai aproveita as folgas na RTP para começar a ir semanalmente ao jornal Record e entregar em mão a coluna de opinião. Acompanho-o na boa. Almoço do best no 1º Maio e conversa boa. Conheço zero do Record. Por dentro, digo. Por fora, devoro as páginas do futebol internacional do André Pipa. Ele escreve como fala, genial. Na minha primeira vez no Record, ali na Travessa dos Inglesinhos, o meu pai sobe até ao primeiro andar, onde está a redacção, a chefia e o director. Às tantas, ganho coragem e pergunto pelo futebol internacional. É lá em baixo, na adega, junto ao arquivo da fotografia, à direita de quem entra pela porta principal. Vou morder o ambiente. Ninguém, é muito cedo ainda – o pessoal entra às 15, ainda faltam uns 40 minutos. Aquilo é um mundo, só jornais internaconais espalhados de forma anárquica pelas secretárias: Gazzetta dello Sport, L’Équipa, Marca. Leio-os e meto-os em ordem cronológica, num monte encostado à parede. Passa uma semana, o meu pai leva-me outra vez ao Record. A adega está vazia, de novo. Leio, ordeno e subo à redacção. O meu pai está a falar com o director Rui Cartaxana. Feitas as apresentações com aquele proteccionismo de pai (ele é isto, ele é aquilo, ele sabe, ele escreve), Rui Cartaxana intromete-se na conversa e faz hat-trick. ‘Foi você quem arrumou os jornais lá em baixo?’, ‘Gosta de futebol internacional, é?’, ‘Quer trabalhar aqui?’ Olho incrédulo para o meu pai. ‘Ele não sabe nada, pode vir cá para aprender mas não para ganhar dinheiro’, Olho incrédulo para o meu pai, outra vez. Rui Cartaxana arruma o assunto. ‘Mas você é algum marxinista-leninista?’.