Jaime Pacheco. “Jussié foi dos melhores com quem joguei, sabia sempre o que fazer à bola”
Último jogador-treinador a marcar na 1.ª divisão? Jaime Pacheco no Paços-Porto em Fevereiro 1993. Quarenta e cinco dias antes, Jaime está longe de pensar no cargo de treinador. O homem diverte-se como jogador. Só que o despedimento de Neca à porta do Natal é uma janela de oportunidade. Isto bem aproveitado e é vê-lo a ganhar um título de campeão da 1.ª pelo Boavista daí a uns oito anos ou assim
Bom dia Jaime, tudo bem?
Tudo bem, Rui? Por aqui, tudo a andar. É o momento de ficar em casa, sossegado. Só saio para dar umas corridas e está bom.
E a imagem que enviei?
É com quem, Sporting?
Na mouche.
Bem me parecia. Perdemos 3:0, foi bom para a gente.
Então?
Aquele Sporting era só craques: Figo, Balakov, Peixe, Juskowiak. Quando estavam todos inspirados, não havia quem os parasse. Rui, é muito jogo.
Lembra-se bem então?
Foi a minha estreia na 1.ª divisão como jogador-treinador.
Como é que isso tudo aconteceu?
No final do ano 1992, num jogo a meio da semana, levámos cinco do Benfica na Luz. Era um jogo em atraso da primeira jornada. Depois, no fim-de-semana, fomos ao Algarve e perdemos 2:0 com o Farense. Estávamos em último lugar e o campeonato entrou de férias para o Natal. Quando a equipa abala para cima, no regresso a casa, eu fico em Setúbal, de onde é natural a minha mulher. Passava sempre o Natal em Setúbal. Só que, desta vez, interromperam-me as férias.
Quem?
Os dirigentes do Paços. Ligaram-me na véspera de Natal e eu fui.
Assim?
Era muito humilde naquela altura. Se fosse agora, esperem lá e depois falamos. Já para não falar no despedimento em si.
De quem?
Neca, era ele o nosso treinador. Despedir um treinador já é mau. Na véspera de Natal ainda é pior. Disse-lhes para esperar, esperar um pouco até chegar a Paços. Qual quê?! Quando cheguei, o Neca já tinha sido despedido.
E o Jaime era quem no Paços?
Capitão de equipa. Por isso é que falaram comigo. Queriam entregar-me o comando da equipa.
E o Jaime?
Não estava para aí virado. A título provisório, sim senhor. A título definitivo, nem por isso. Até me lembro que indiquei nomes para sucessores do Neca.
Quem, por exemplo?
Joaquim Teixeira, José Romão, Eurico Gomes. A verdade é que fiquei como interino, com a ajuda do treinador dos juniores chamado António Dias.
E o Paços chegou a falar com eles?
Passei a semana inteira à espera do sucessor e nada.
Ups.
Às tantas, vi a lista de dispensas e estavam lá Valtinho mais Padrão. Falei com a direcção e eles atenderam-me o pedido. Ambos ajudaram imenso e fizemos uma segunda volta impecável. Acabámos em 9.º lugar.
Mas o Jaime fica como interino até ao fim ou…?
Não estava preparado para assumir o cargo de jogador-treinador e fiz ver isso ao presidente do Paços, com quem jantei um dia. A minha ideia era jogar mais uns anos, o que acabou por acontecer na época seguinte em Braga e depois em Vila do Conde. Adiante. No dia seguinte a esse jantar, a direcção entra no balneário e apresenta-me como treinador.
A sério?
Interrompi o discurso: ‘desculpe contrariar a vossa vontade mas não aceitei; mais a mais, nem estou preparado’.
Silêncio?
Os jogadores intervieram. Todos diziam ‘tens de ser tu’. Lancei uma ideia para a mesa: ‘vou retirar-me e vocês fazem uma votação; se houver um não, aborta-se a decisão’. Saí, esperei pelos votos e voltei a entrar no balneário.
E?
Unanimidade. Fiquei como treinador. E disse logo: ‘só aceito na condição de vocês aceitarem as regras do grupo’.
Aceitaram?
Sem problema. Com azia ou não azia.
Porquê azia?
Mudava alguns jogadores jornada após jornada. Sentia x melhor que y e mudava. O Mota começou a jogar à direita em vez do Monteiro, o Tulipa apareceu mais vezes também no lado direito, o Ricardo começou a jogar mais que o Barriga à esquerda, o Valtinho fixou-se no onze. Até na baliza houve mudanças.
Neste jogo, o guarda-redes é Soares.
Lá está, é um bom exemplo. O Soares jogou nesse dia e era o guarda-redes do Paços há muito tempo. Mais tarde, resolvi apostar no Padrão. No Boavista campeão 2000-01, o William foi o titular nos primeiros cinco jogos e só depois é que apareceu o Ricardo. Tal como o Petit não aparecia muito no onze. Ainda na questão da baliza. Anos depois, em Guimarães, troquei o Espírito Santos pelo Neno. Chegava a uma fase em que dizia a mim mesmo ‘este está em forma’ e metia-o no onze sem problema. Se calhar foi igual com o Soares-Padrão, já nem me lembro.
Monteiro, 2.
O lateral-direito, juntamente com o José Mota. Já estava no Paços há uns 10 anos, tinha feito lá a formação. Depois ainda jogou no Freamunde.
Chico Oliveira, 3.
Central de marcação, uma autêntica carraça. Franzino, com uma atitude excelente.
Sérgio Cruz, 4.
Mais estilo Pedro Emanuel, com outra classe. Jogava mais recuado, como se fosse um líbero.
Barriga, 5.
Lateral-esquerdo. De vez em quando, jogava como médio interior. Conhecia-o bem, porque cruzámo-nos no Porto.
Ah pois éééééé. Vi-vos ao vivo e a cores, em Moura.
Para a Taça de Portugal. Ganhámos 2:0. É o jogo da estreia do Domingos, lançado pelo Ivic, e é também o jogo que antecede a Supertaça europeia com o Ajax.
Nem mais. Saudades.
Também eu amigo.
Adalberto, 6.
Fez jogos bem interessantes, sobretudo com os grandes, porque a sua disciplina táctica vinha ao de cima. Aliás, marcou um golo ao Benfica. Outro jogador da casa, era alto e rápido, com uma técnica razoável.
Jaime Pacheco, 7.
O cérebro, o pensador, ahahahahahahahah. Estava lá no meio a apanhar bonés, como qualquer outro. Esse Sporting era mesmo superior e não nos deixou respirar sequer.
Yulian, 8.
O mais cerebral. Batia bem livres e cantos, tinha boa meia distância e uma bela visão de jogo. Mexia o jogo só com um toque de magia. Era irmão do Spassov e dominava como poucos. O meio-campo era dele. Nos jogos fora da segunda volta, ele e eu começámos a jogar mais volantes e o Valtinho mais fixo.
João Batista, 9.
Com história feita em Guimarães, já chegou ao Paços sem muita intensidade para trabalhar. Ainda por cima, o Paços não tinha muita bola. Agora, o João chutava bem e era tecnicamente bom.
Rudi, 10.
Contávamos com ele por tudo aquilo que fez no Chaves, só que não foi feliz em Paços por culpa das lesões.
Jussié, 11.
Seguramente um dos melhores com quem joguei.
Hein?
A sério, Rui. A minha intenção era passar-lhe a bola, porque sabia sempre o que fazer. Estatura baixa, com umas coxas gordas, muito forte no 1×1. Características excepcionais, só te digo. Como transportador de jogo, o melhor. A mais valia do nosso ataque [melhor marcador do Paços nessa época, com 10 golos; a seguir, só com 4, Tulipa e Rudi]
Treinador, Jaime Pacheco.
Eischhhhhhh. Esse é o meu segundo jogo, o primeiro na 1.ª. Na semana anterior, tínhamos ganho ao União da Madeira para a Taça de Portugal [2:1 em Paços, golos de Barriga e Sobrinho].
Era o Jaime e mais quantos?
Era eu, o adjunto e o preparador físico. A direcção perguntou-me quanto queria ganhar. Disse-lhes ‘o que vocês entenderem, só quero é acertar um prémio para toda a gente, desde o tratador da relva, o roupeiro, o massagista até ao mais bem pago do plantel’.
E?
Chegámos a um acordo e dei a conhecer ao grupo o prémio da manutenção, a dividir por todos. Até hoje.
Nããããã.
A sério.
E o ordenado do Jaime?
Deram-me seis mil euros pelos seis meses.
O Jaime salvou o Paços. E agora, a época 1993-94?
Era para continuar como jogador-treinador, só que o Henrique Calisto e a Associação Nacional de Treinadores resolveram fazer uma guerra para evitar que fosse treinador.
Como assim?
Em vez de começar no segundo nível, tive de repetir o primeiro.
Então porquê?
Perguntas bem. Sei lá eu. Só sei que se tivesses 15 internacionalizações AA, recebias o equivalente ao primeiro nível. Tinha 25 internacionalizações e nada de nada. Enfim. Então passei a época seguinte a repetir o primeiro nível. Acabava os treinos e lá ia eu para o curso na AF Porto.
G’anda movida.
Outros tempos.
Mesmo. Mil obrigados, grande abraço.
Abraço Rui, até à próxima.