Inglaterra vs Portugal. A selecção de Humberto faz eco
Introdução: o vermelho (cartão) a Pauleta. É obrigatório ganhar à Hungria por três golos de diferença para garantir a qualificação directa rumo ao Euro-2000, como a equipa mais pontuada entre os segundos classificados. No Estádio da Luz, a selecção de Humberto Coelho cumpre a missão a preceito, apesar dos erros do árbitro dinamarquês Kim Milton Nielsen: anula mal um golo a Pauleta, que origina o primeiro amarelo ao açoriano, e não vê um claro penálti sobre João Pinto aos 57 minutos, numa altura em que já jogávamos com dez elementos, por exclusão de Pauleta, na sequência de uma mão na bola (segundo amarelo). Mesmo assim, Portugal chega ao 3:0 por Abel Xavier, de cabeça. Nas bancadas, Eusébio chora desalmadamente e dedica (vitória e apuramento) à fadista Amália Rodrigues, falecida três dias antes.
Desenvolvimento: o vermelho (vergonha) a Souness. Faltam dois dias para o Inglaterra-Portugal, primeiro jogo do grupo A do Euro-2000. De Inglaterra, o escocês Graeme Souness diz de sua (in)justiça. “Eles [nós, Portugal] talvez joguem um futebol bonito, mas não têm qualquer killer instict. A Inglaterra é muito mais forte. Não há dúvida que vão jogar mais bonito do que a Inglaterra mas isto não é concurso de beleza. Espero que o jogo corra como aquele particular para o Mundial-98. Eles trocaram a bola muito bem, mas a Inglaterra mostrou muito mais poder e acabou por ganhar confortavelmente por 3:0.” Enough is enough? Nãããã, nem pensar. Ainda faltam estas pérolas. “Portugal tem problemas em aparecer ao melhor nível nos grandes jogos e não acredito que o façam desta vez. Excepção feita a Figo, e talvez Rui Costa, todos os outros são alvos fáceis. Vítor Baía é muito considerado mas joga sempre em grandes equipas, com grandes defesas que o protegem constantemente. Nuno Gomes, por exemplo, é o único avançado do mundo que joga de costas para a baliza e João Pinto é alérgico à grande área.” Souness, treinador do Benfica entre 1997 e 1999, dixit.
Conclusão: o vermelho (da camisola) de Portugal. Com Pauleta suspenso, avança Sá Pinto como 9. Num treino já na Holanda, cai o carmo e a trindade. E o Sá Pinto. Lesão. A terceira (agora primeira) opção é Nuno Gomes, 23 anos de idade e apenas dez internacionalizações. É noite de Santo António, ninguém está em festa. Ainda. O jogo começa mal. Aos 3 minutos, um centro de Beckham apanha Scholes solto de marcação em plena área. É o 1:0. Portugal reage bem. Paulo Bento atira ao lado (5’), JVP cabeceia por cima (12’) e Seaman faz uma defesa do além a remate de Rui Costa (15’). Aos 18’, o dois-zero para a Inglaterra. Toque subtil de Owen, desmarcação de Beckham e encosto fácil de McManaman. Pobre Baía, nada a fazer. Mais uma vez, a resposta de Portugal é de homem. Nuno Gomes até marca, só que é anulado por fora-de-jogo (19’). No quadradinho seguinte, o mesmo Nuno Gomes isola-se. Semana rouba-lhe a bola (21’).
O golo mais que esperado é aos 22 minutos. Figo pega na bola perto do meio-campo e avança como quem não quer a coisa. Ninguém se aproxima muito e ele decide-se pelo remate longínquo. A bola bate de raspão em Adams e entra como um foguete no ângulo superior do atónito Seaman. O ir à baliza sacar a bola à Eusébio é um sinal de reviravolta. O empate está ali ao virar da esquina. True story. A Inglaterra nunca mais pisa a área de Portugal e o 2:2 acontece aos 37 minutos, obra de um voo rasante de João Pinto (sem clube e a caminho do Sporting), ao nível da chuteira direita de Sol Campbell.
Intervalo. Owen sai, Heskey entra. Whaaaaat? Portugal continua a pressionar. No primeiro minuto, dois cantos seguidos. No segundo, Seaman sai mal dos postes e JVP falha o golo. Calma, o 3:2 chega aos 59 minutos. Delicioso passe de Rui Costa a rasgar a defesa e conclusão à maneira de Nuno Gomes.
Até final, Portugal continua a ser dominador. E o árbitro volta a anular um golo a Nuno Gomes por fora-de-jogo (74’). Quando acaba o jogo, o sentimento é de justiça.
OUTROS JOGOS HISTÓRICOS PARA COMPLETAR UM TOP 5 BEM JEITOSO
CHECOSLOVÁQUIA-PORTUGAL 1965
Estamos em Abril de 1965 e a 1.ª divisão é interrompida para a segunda jornada de qualificação do Mundial-66. Esse mesmo, o do nosso contentamento. É uma jornada dupla, com deslocações à Turquia e à Checoslováquia. Atenção, a Turquia já a conhecemos de ginjeira. Em Janeiro 1965, no arranque do apuramento, goleada por 5:1 no Jamor. Dos nossos cinco golos portugueses, quatro começam num livre. É a história do jogo. E a fragilidade da Turquia, abalroada pela nossa inspiração. O 1-0 é um cabeceamento de Coluna após livre de José Augusto e ajuda aérea de Torres. O 2-0 é de Eusébio no tal único golo português sem ser de bola parada. A jogada desenrola-se pela direita, entre José Augusto e Torres. O remate é defendido por Varol para a frente e a recarga é imediata. Reduz a Turquia, de cabeça, por Teuzi a aproveitar a falta de velocidade de Arcanjo. Na segunda parte, o estreante Jaime Graça amplia e Eusébio marca mais dois. A juntar ao outro do primeiro tempo dá três – eis o único hat-trick de Eusébio na selecção.
Turquia, sempre ela. Agora é lá. A federação local indica Istambul como sede. Acontece que o relvado é, afinal, um pelado. Nada contra, ainda falta muito para a abolição dos pelados a nível internacional, só que Portugal torce o nariz. E é essa firmeza dos dirigentes que determina a transferência do local para Ancara, assim como o adiamento do jogo em 24 horas, após muitas démarches e troca de telegramas com a FIFA. Mais uma moeda, mais uma viagem. Na segunda-feira, o onze português enche-se de brio e ganha 1-0, com um espectacular golo de Eusébio na transformação de um livre directo. A bola entra no ângulo superior direito de A.Ozcan à velocidade-luz. O Mundial-66 faz cada vez mais sentido, agora só falta ganhar no domingo seguinte em Bratislava para passarmos do sonho para a realidade.
Em Bratislava, num campo enlameado, é obrigatório dividir-se o desafio em três capítulos, todos eles na primeira parte e qual dos quais o mais empolgante. Logo aos três minutos, uma entrada de Kvasnak sobre Fernando Mendes reduz para dez homens a equipa nacional, porque ainda não há substituições permitidas por lei. Por isso, o extremo-direito José Augusto ocupa o lugar do sportinguista Mendes, ao lado de Coluna. Só a título de curiosidade, no momento do choque, o checo escorrega e bate acidentalmente na perna do médio, que, azar dos azares, só voltaria a jogar de forma contínua no Sporting a partir de Setembro de 1966)
Apesar da contrariedade, Portugal não baixa os braços e dá o ar da sua graça numa soberba, magistral, fabulosa, encantadora, desconcertante, estupenda… Enfim, todos os adjectivos possíveis e imaginários são escassos para definir aqueles oito segundos que medeiam o arranque de Eusébio desde o meio-campo até ao remate imparável, de ângulo impossível, colado à linha de fundo. É um dos golos mais incríveis do pantera negra, assim comentado por Joseph Szabo, técnico húngaro com carreira feita em Portugal e espectador atento “in loco” em Bratislava: “Carago, aquilo foi um relâmpago, um raio, com ultravioletas e tudo.”
Perto do intervalo, os checos beneficiam de uma grande penalidade, por falta de Festa (o único portista no onze nacional) sobre Kvasnak (o tal que lesionara Mendes, acidentalmente, saliente-se de novo). O estádio quase vai abaixo quando o árbitro búlgaro Atanas Stravev apita para a marca do penálti. Após alguma confusão, porque os protestos são mais que muitos, Masny atira e José Pereira, que se estreara na selecção no jogo anterior, na Turquia, defende. A táctica do Pássaro Azul é simples: atira-se para o lado exacto da bola, depois de simular o contrário.
O descanso viria a seguir e o segundo período, sem casos, seria de resistência. Estava escrita uma das mais belas páginas do futebol nacional. A Checoslováquia, vice-campeã mundial em 1962, fora derrotada por Portugal.
COREIA DO NORTE-PORTUGAL 1966
A qualificação da zona asiática é brincadeira. Só quatro selecções. Ou melhor, duas. A África do Sul é suspensa pela FIFA devido ao apartheid e a Coreia do Sul critica a mudança do Japão para o Cambodja como sede do quadrangular. Sobram Coreia do Norte e Austrália. A superioridade norte-coreana é incontestável (6:1 e 3:1). Mundial-66, aí vão eles. Ou não?
Sem qualquer relação diplomática com a Inglaterra devido à intervenção deste país na Guerra das Coreias em 1954, a Coreia do Norte, um país comunista e fechadíssimo ao exterior, aterra em Londres. A questão do visto de entrada é colocada em causa, a FIFA desbloqueia o problema. No campo, a Coreia perde na estreia (URSS 3:0), empata com Chile (1:1) e elimina a favorita Itália (1:0). Contra toda a lógica, o único representante da Ásia apura-se para os quartos-de-final. O sorteio dá Portugal, em Liverpool.
Diz Eusébio. “O futebol deles era despreocupado e ofensivo. Havia até bons jogadores tecnicamente. Não foi por acaso que ganharam à Itália e marcaram três golos à nossa selecção. Mas também havia muita inexperiência e isso foi-lhes fatal. Aos 24 minutos, já há 3:0. Para eles, os norte-coreanos. Portugal reage. Ou melhor, Eusébio reage. Marca aos 27’ e 42’ (penálti) antes do intervalo. Na segunda parte, dois golos seguidos aos 57’ e 59’ (outro penálti). A esse póquer junta-se-lhe ainda um golo de cabeça de José Augusto.
Acaba 5:3, Portugal segue em frente para a meia-final. A Coreia do Norte viaja para casa, com a sensação do dever cumprido. É a primeira selecção asiática a passar a fase de grupos de um Mundial (depois, só a vizinha Coreia do Sul em 2002). Culpa do tal 1:0 à Itália, em Middlesbrough. O resultado é devastador. Vai daí, a federação italiana fecha a porta aos estrangeiros (uma cortina de ferro no futebol). E Eusébio continua no Benfica. “Já tinha assinado pelo Inter. Encontrei-me com o pai Moratti [Angelo; o filho, Massimo, é campeão europeu com Mourinho em 2010], que era um homem cheio de ideias, vigoroso e que adorava futebol. Chegámos facilmente a acordo. Só que a vitória da Coreia sobre a Itália impediu-me de emigrar.”
E na Coreia? Todos os jogadores merecem ser bem recebidos e tratados como heróis. Tsss tsss, nada disso. Um ano depois do regresso a casa, os seus jogadores são condenados ao exílio pelo regime e impedidos de jogar futebol em vez das medalhas prometidas por parte do ditador Kim Il-sung. O motivo? A descoberta por parte do regime de como os jogadores celebram a vitória com a Itália: música, mulheres e álcool. O que é uma ofensa aos ideais seguidos pela ditadura de então (e de hoje, também).
Pak Doo-ik, um dos heróis dessa epopeia em Inglaterra e alcunhado de dentista, em jeito de graça pelo golo à Itália ter causado tanta dor num país inteiro, está dez anos a trabalhar como lenhador numa zona remota do país. E só em 1995, pouco depois da ascensão ao poder de Kim Jong-il – filho de Kim Ilsung e um verdadeiro entusiasta dessa gloriosa campanha dos compatriotas –, é que os heróis de 1966 são tratados como tal. O ditador reabilita-os com ofertas de casas na capital Pyongyang e a possibilidade de exercer cargos técnicos em diversas equipas. Pak Doo Ik, o dentista no relvado e lenhador fora dele, recebe um apartamento de dois andares e estabelece-se como professor de ginástica.
RFA-PORTUGAL 1985
A 16 Outubro 1985, a RFA perde pela primeira vez em casa na qualificação para o Mundial e Portugal carimba o selo: de Estugarda ao México é um Saltillo. Cortesia Carlos Manuel, autor do magnífico 1-0. Calma, já lá vamos. Antes desse dia 16, Portugal tem uma prova de fogo com Malta. À partida, é um jogo a feijões. Acontece precisamente o contrário. Na tarde de 12 outubro, na Luz, a inépcia dos malteses contagia os portugueses, como se constata no golo de Frederico na própria baliza. O importante é ganhar para continuar a pensar no Mundial-86 e Portugal só consegue os desejados dois pontos a oito minutos do fim, quando Gomes aproveita uma saída extemporânea do guarda-redes maltês e finaliza como deve ser (3-2). Na conferência de imprensa, o selecionador José Torres solta a célebre frase: “Matematicamente, a qualificação ainda é possível, embora só um milagre nos levará ao México. Mas deixem-me sonhar. Deixem-me, ao menos, sonhar mais um pouco.” Muito bem, de acordo. Vamos sonhar. Vamos sonhar que hoje é 16 outubro 1985. O grupo 2 de qualificação para o Mundial do México apresenta dois jogos decisivos: em Praga, há o Checoslováquia-Suécia às 16h00, transmitido em directo na RTP2; às 19h00, em Estugarda, o RFA-Portugal dá na RTP 1.
Já sem hipóteses de qualificação, a Checoslováquia (sete pontos e menos um jogo, na RFA) lembra-se de vencer a Suécia (sete pontos, menos um jogo, em Malta) por 2-1. Os suecos, favoritos, marcam primeiro por Corneliusson (6′). Os checos reagem e atiram duas vezes ao poste, por Lauda e Hasek. Perto do intervalo (42′), aparece o 1-1 de Vizek. Seria também ele o autor do 2-1, aos 69′, numa falha do guarda-redes Ravelli. Nessa equipa sueca, há um benfiquista no onze. Chama-se Stromberg. “Ainda hoje, aquele golo do Carlos Manuel provoca-me uma ingestão.” Ora bem, com este 2-1 em Praga, o jogo de Estugarda passa a concitar as atenções gerais. E agora? Reforça-se a ideia: se Portugal ganhar, faz 10 pontos e o México é nosso. Seria uma proeza inédita, a de juntar um Mundial ao Euro (1984, 1986). Nem os Magriços de 1966 se lembram disso.
José Torres elege o onze com três benfiquistas, três sportinguistas, três portistas, um boavisteiro e um belenense. Um visionário: junta os cinco campeões nacionais antes de tempo (o Boavista só vence o campeonato em 2001). Na baliza, Bento (Benfica). A libero, o estreante José António (Belenenses). O quarteto defensivo reúne João Pinto (Porto), Frederico (Boavista), Venâncio (Sporting) e Inácio (Porto). No meio, Veloso (Benfica) a trinco. A descer pela direita, a surpresa Mário Jorge (Sporting). A descer pela esquerda, Jaime Pacheco (Sporting). A descer pelo meio, Carlos Manuel (Benfica). Sozinho na frente, entre aqueles alemães todos, Gomes (Porto). No banco, Damas (Sporting), Álvaro (Benfica), Jaime (Belenenses), Litos (Sporting) e José Rafael (Boavista). No ecrã do Neckerstadion, onde o Benfica perderia a final da Taça dos Campeões para o PSV em 1988, a seleção nacional está representada por ordem numérica, só com apelidos. Agora, adivinhem quem é quem: 1 Bento, 2 Pinto, 3 Inácio, 4 Venâncio, 5 Rosa, 6 Santos, 7 Bargiela, 8 Veloso, 9 Gomes, 10 Pacheco e 11 Fernandes.
Já qualificada (11 pontos e menos um jogo), a RFA continua invicta em casa nas fases de apuramento para os Mundiais, entre 36 vitórias e quatro empates. É um registo sensacional, só ao alcance dos grandes. Franz Beckenbauer não convoca Völler nem Magath para evitar sobrecarga de jogos (o que é notável, em Outubro) Quer isso dizer o quê? Nada, absolutamente nada. “Vamos jogar com os melhores. Portugal é perigoso e estamos atentos. Não queremos perder nem a brincar.” Como joga então? Schumacher; Jakobs; Berthold, Förster, Briegel e Brehme; Herget, Meier e Allgöwer; Littbarski e Rummenigge. Sete destes calmeirões jogariam a final do Mundial-86, perdida para a Argentina de Brown, Valdano, Burruchaga e, vá, Maradona.
A primeira parte é interessante, com Portugal a criar a primeira ocasião de golo num não-desvio de Veloso à boca da baliza, deixada aberta por Schumacher. Seria ele, aliás, o primeiro actor da jogada do golo, aos 55’. Schumacher agarra uma bola fácil e cede-a para Förster. Este lateraliza para Littbarski. A combinação com o n.º 10 Meier não resulta por culpa da pressão de Jaime Pacheco. A bola ressalta para Carlos Manuel. O homem recebe a bola com o pé direito e avança por ali fora. Um, dois, três (passa o meio-campo), quatro, cinco, seis, sete, oito (dribla Meier, esse mesmo o 10 da bola perdida lá atrás) e nove toques. A bola sai do pé direito com uma força e colocação admiráveis. Schumacher esboça uma reação, tão-só isso. Acompanha a bola com os olhos. “Nem a vi. Foi um remate feliz, e inesperado. A bola entrou na gaveta.”
Até final, a RFA carrega e de que maneira. Bento evita dois golos com defesas plásticas e ainda vê a bola bater duas vezes na trave, por Briegel (80′) e Meier (87′). Neste aparato dentro da área nacional, há um contra-ataque aos 90-e-pouco a possibilitar o 2-0, só que Inácio e José Rafael falham a emenda. A alegria que se segue ao apito final do inglês Keith Hackett será recordada para todo o sempre. O banco português salta como uma mola e toda a gente entra em campo aos pulos, aos abraços, aos encontrões. No outro lado, Beckenbauer é um homem inconsolável e esquiva-se à imprensa colocada à boca do túnel de acesso ao balneário. A atitude vale-lhe uma reprimenda por escrito da federação alemã. Por falar nisso, dos escritos, aqui seguem uns quantos desde Portugal na ressaca do 1-0. Ramalho Eanes, então Presidente da República: “Quero felicitar-vos pelo comportamento brioso que alardearam no encontro com a RFA. Felicidades para o México, onde se espera e deseja comportamento idêntico dos selecionados de Portugal.” Errrrrrr. Adiante.
PORTUGAL-FRANÇA 2016
Paris, 10 Julho 2016. Sai-nos a França na rifa. Portugal tem a palavra, em pleno Stade de France. Em Outubro 2014, Santos estreia-se ao serviço da selecção com quatro proscritos de Paulo Bento: Tiago, Danny (titulares), Ricardo Carvalho e Quaresma (suplentes). Onde? No Stade de France. É um particular com França. Perdemos 2-1. No balneário, Santos junta os jogadores e… “assumimos um objectivo, traçámos um propósito: o de voltar aqui a Saint-Denis, a 10 Julho.” Meu dito, meu feito. Venha de lá o Maracanazo, s’il vous plaît.
O onze é Patrício, Cédric, Pepe, Fonte, Raphaël, William, Renato, Adrien, João Mário, Nani e Ronaldo. Aos oito minutos, Payet acerta em Ronaldo e o capitão nunca mais é o mesmo. Tem mesmo de ser substituído por Quaresma, aos 25’, e só volta ao relvado na segunda parte para dar apoio aos jogadores desde o banco de suplentes. No prolongamento, mais se parece com o adjunto de Santos a dar instruções de forma energética na área técnica. Ao seu lado, Santos é mais comedido nos gestos. E certeiro na substituição: aos 79’, sai Renato, entra Éder. O avançado faz tudo bem daí em diante: domina bem, passa melhor e ganha faltas. Aos 109’, Moutinho rouba a bola a Griezmann e entrega para Quaresma. O resto é história. De Portugal. O remate de Éder é espontâneo, fora da área. Lloris estica-se todo e não a apanha. É o 1-0.
Fernando Santos acaba de dar a maior alegria ao país futebolístico, com a conquista do inédito título europeu. Sim, Portugal é campeão europeu. E sem derrotas. E com o 1-0 à anfitriã França na final. E sem o capitão Ronaldo desde os 25 minutos. E com um golo do patinho feio Éder, saído do banco de suplentes.
Na sala de imprensa, o seleccionador está claramente emocionado. Como os jogadores. Como os jornalistas. Como os adeptos. Como todo o Portugal. É um dia de alegria aglutinadora. Fernando Santos pede a palavra e lê uma carta. “Quero deixar uma palavra ao especial ao presidente [Fernando Gomes, presidente da Federação Portuguesa de Futebol] pela confiança que sempre depositou em mim. Não esqueço que comecei com um castigo de oito jogos, a toda a direção e aos que viveram comigo estes meses. Aos jogadores, quero dizer mais uma vez que tenho enorme orgulho em ter sido seu treinador a estes e aqueles que não estiveram presentes, também é deles esta vitória. O meu desejo pessoal é ir para casa, dar um beijo do tamanho do mundo à minha mãe, mulher, filhos, ao meu neto, ao meu genro e minha nora e ao meu pai, que, junto de Deus, está seguramente a celebrar. A todos os amigos, um abraço muito apertado de obrigado pelo apoio, mas principalmente pela amizade. Por último, mas em primeiro, quero ir falar com o meu maior amigo e sua mãe, dedicar-Lhe esta conquista e agradecer por me ter convocado e agradecer por me ter concedido o dom da sabedoria, da perseverança e humildade para guiar esta equipa, com Ele a ter-me iluminado e guiado.
Por tudo o que espero e desejo seja para glória de Seu nome.”
Lida e relida a carta, é impossível ficarmos na mesma. Fernando Santos é realmente uma pessoa a sério, cinco estrelas, top. No campo meramente desportivo, é o mestre dos mestres. Pela diferença de assumir o título em Setembro 2014, durante a apresentação oficial como substituto de Paulo Bento. Pela coragem de se achar no caminho da final, a seguir ao 0-0 com a Áustria, na segunda jornada da fase de grupos. E falta mais este pormenor delicioso: dos onze jogadores da final, seis são lançados por Santos na selecção. Seis. É mais de metade. Mérito maiúsculo para quem só entra nos quadros da federação pouco mais de ano e meio. Tempo mais que suficiente para formar uma nova selecção.
Cédric, João Mário, José Fonte, Raphaël, Adrien e Renato, eis os seis mosqueteiros lançados de Santos. O restante onze inclui três jogadores da era Scolari (Ronaldo, Nani e Pepe) e dois da era Paulo Bento (Rui Patrício e William). É muito, muuuuuuito jogo. É Fernando Santos no seu melhor.