Great Scott #53: Qual é a primeira final da Taça de Portugal transmitida em directo pela RTP?
Vitória FC vs Académica, 1967
Pelo segundo ano consecutivo, a final da Taça de Portugal discute-se entre duas equipas da classe média-alta. Pelo segundo ano consecutivo, o Vitória FC de Fernando Vaz chega ao Jamor. A epopeia é tranquila, sem qualquer derrota, entre seis vitórias e dois empates. Coroa de glória? Elimina o Porto na ½ final. No Bonfim, hat-trick de Pedras (3:0). Nas Antas, mais uma lição de bom futebol, com 2:1 ao intervalo e 4:2 aos 58 minutos (bis de Pedras). O Porto de Pedroto chega ao empate a quatro golos ao 89.º minuto.
Já a epopeia da Académica de Mário Wilson é mais preenchida. Para início de conversa, mais dois jogos (o Vitória FC salta os ¼ final por falta de comparência do representante de Moçambique). Depois, zero empates. Ou vitórias (oito) ou derrotas (duas). Uma das quais com o Benfica. Em Coimbra, bis de Ernesto (2:0). Na Luz, Serafim alimenta o sonho com o 1:0 aos cinco minutos. Eusébio empata, Calado fixa o insuficiente 2:1. Na ½ final, a Académica elimina o Braga, detentor do troféu (4:1 em Coimbra, 2:1 no 28 de Maio, futuro 1.º Maio).
Na 1.ª divisão, a Académica surpreende toda a gente a acaba em segundo lugar, só a três pontos do Benfica. Dos 50 golos marcados, 25 pertencem a Artur Jorge. Que máquina. O Vitória FC é quinto classificado. Nos jogos entre eles, a Académica leva sempre a melhor (3:0 em Coimbra, 1:0 no Bonfim). A excitação é muita, as duas equipas jogam um futebol alegre e ofensivo. Por isso mesmo, há uma brusca mudança de planos à última hora. Escreve o Diário de Lisboa na véspera do jogo.
“Atendendo ao extraordinário entusiasmo público, a televisão transmite directamente a final da Taça de Portugal entre a Académica de Coimbra e o Vitória de Setúbal. Esgotada a lotação do estádio, foi ontem possível à RTP conseguir anuência para instalar as suas câmaras no Vale do Jamor e assim poder oferecer ao público que não teve possibilidade de se deslocar ao Estádio Nacional a transmissão directa e integral do desafio.”
E como? A RTP paga à FPF o valor de 2,50 escudos por cada bilhete vendido para a final. Como o Jamor reúne capacidade para 48 mil lugares, dá a módica quantia de 121 mil e 500 escudos. A Académica aceita de pronto, o Vitória ainda demora a dar o sim. Mas dá. E a transmissão segue dentro de momentos, a 9 Julho 1967.
É tudo uma aventura, a começar pela ausência do trio de arbitragem constituído por Salvador Garcia, Faro Cal e Joaquim Branco. Como o seu carro não ostenta o dístico de livre-trânsito, o segurança bloqueia o acesso da viatura. O árbitro lisboeta Salvador Garcia mostra-lhe o equipamento. Em vão, o segurança é muito zeloso. Sai então do carro o fiscal-de-linha Joaquim Branco para se dirigir ao estádio com o intuito de encontrar algum responsável federativo. Quando o faz, um carro da FPF vai ao encontro do do árbitro e, voilà, habemus autoridade em campo.
O jogo começa 16 minutos e meio mais tarde que o previsto, culpa deste incidente. A final em si é um hino ao futebol, qualquer coisa como 144 minutos de bola. Vamos por partes. Ao intervalo, 1:1 com golos de Celestino aos 5’ (Académica) e José Maria aos 43’ (Vitória). No fim dos 90 minutos, ainda 1:1. No tempo extra, 2:2 com golos de Guerreiro aos 97’ (Vitória) e Ernesto aos 117’ (Académica). Mais um prolongamento, o segundo e último, também de meia-hora. Se acabar empatado, diz o regulamento, finalíssima daí a uma semana, também no Jamor. Só que aparece o 3:2 ao 143.º minuto, por Jacinto João, essa figura irrepetível do mundo setubalense, com direito a estátua no Bonfim e tudo. Fim de papo, os 22 jogadores abraçam-se e saem de cena – o árbitro, esse, tem ainda de prestar declarações no comando da polícia a propósito do tal desaguisado antes do jogo com o tal segurança zeloso. O Vitória recebe a taça e, depois, o prémio interno de seis mil escudos.
