Brassard. “O perfume do futebol do Rui Costa era qualquer coisa, muito melhor que o Patchouli”
Suplente em 1989, titular em 1991. Brassard é campeão mundial por direito próprio. Um só golo sofrido em 600 minutos de bola e aquela defesa ao penálti de Marquinhos a dar início à festa provocada depois por Rui Costa com o remate glorioso na final da Luz a abarrotar, vs Brasil.
Brassard, 1.
Fiquei com o 1, já não sei bem porquê. Se calhar, os números dos guarda-redes estavam previamente distribuídos. No Benfica, lembro-me bem, era o 24, porque o Preud’homme era o 1 e havia aquela tendência do 1, 12 e 24 serem números do guarda-redes.
O Brassard é filho de outro Brassard. Alguma viu o seu pai jogar à baliza?
Como profissional, já não. Só no campeonato do CIF, ali no Restelo. O meu pai jogou no S. O. V., no Cosmos e por aí fora. Tinha uns sete/oito anos e acompanhava-o nessas tertúlias. Aquilo era a brincar e também a sério. O bichinho da competitividade estava lá, lá isso estava.
Na altura do Mundial sub20, o Brassard joga no Louletano?
Fui emprestado ao Louletano pelo Benfica e devo ter feito uma meia dúzia de jogos. Se tanto.
Então?
Fracturei o escafoide num estágio da selecção, em Setembro/Outubro. A fractura não foi detectada no momento e as dores eram muitas vezes mascaradas. Ou por Voltaren ou por teimosia minha. Joguei muitas vezes com o pulso partido.
Ouchhhhhh.
Quando se tornou insuportável, fui operado e voltei ao Benfica. Acelerei a recuperação para poder jogar e não cumpri os prazos de recuperação. Vim a pagar essa factura uns anos mais tarde. Na verdade, a lesão nunca ficou debelada. Só que havia o Mundial sub20 e eu queria jogar. Depois havia a possibilidade de jogar na 1.ª divisão e eu queria jogar. Depois havia isto ou aquilo e eu não queria falhar. Até chegar a uma outra altura, em que fui novamente operado, e acabei prematuramente a carreira.
Ouchhhhhhhh, outra vez.
Tu queres é jogar, tu queres é treinar. E aprendes a conviver com as lesões. Aconteceu comigo e acredito que aconteça com muitos outros, mas somos penalizados porque as coisas não são suportáveis.
E o Brassard é realmente uma peça importante nessa selecção.
Já tinha estado em Riade, juntamente com o João Pinto. Éramos os dois mais novos e a dupla Queiroz/Vingada consideravam-nos importantes pelo trajecto nessa selecção.
Repito-me, o Brassard é realmente importante.
Ahahahahah. Curioso, essa geração perde a final do Euro sub-16 nos penáltis vs URSS, no estádio do Rayo Vallecano, depois perde a final do Euro sub-18 nos penáltis vs URSS e ganha o Mundial sub20 nos penáltis. Ao terceiro desempate de penáltis, é de vez.
O Brassard defende um, certo?
O do Marquinhos.
E que tal?
Indescritível, a sensação. É uma marca de água na minha vida.
Gil, número 2.
Meu colega no Benfica, juntamente com Rui Bento e Rui Costa. Fazia a diferença, o Gil. Aliás, costumávamos dizer entre nós ‘dá a bola ao Gil que ele resolve’. Além da qualidade como jogador, um tipo muito extrovertido que cultivava o espírito brincalhão.
Alguma vez foram campeões nacionais?
A minha geração eliminava o Sporting no campeonato distrital e depois perdia com o Porto no campeonato nacional, tanto nos juvenis como nos juniores.
Figo, 3
Já demonstrava uma maturidade diferente, quer como jogador, quer como pessoa. Essa maturidade fazia-o diferente dos demais. Daí para a frente foi sempre a abrir. A carreira fala por ele.
Peixe, 4.
Eleito o melhor jogador desse Mundial. Com uma qualidade acima da média, acredito que podia ter feito uma carreira ainda melhor. Ele tinha tudo: era tecnicamente evoluído, percebia o jogo e era um pêndulo a jogar à frente da defesa. O problema era a agressividade. Em demasia às vezes. Faltou-lhe a capacidade de gerir essa agressividade.
Rui Costa, 5.
O Rui é um caso interessante, conheço-o desde os 10 anos de idade. Era muito pequenino e tinha uma capacidade individual acima da média. Todo ele era jogador. Na fase dos juvenis , assim do nada, dá um salto em termos físicos e, aí sim, ficou um jogador muito mais completo. O seu futebol tinha perfume. Um perfume bom, muito melhor que um Patchouli.
É o herói da meia-final.
Que jogo, a Austrália deu-nos luta. Eles tinham o Bosnick à baliza mais o Okon na defesa. Foram a surpresa do Mundial, sem dúvida. Nesse jogo, fiz uma defesa fantástica. Ainda hoje nem sei como fui buscar à bola. É daqueles remates que dizes ‘vai ser golo’ e, de repente, saco a bola no meu lado esquerdo, mesmo no chão. Ainda estava 0:0. Como é que defendi esta bola? Nem sei. Depois, o Rui faz um golo fantástico, daqueles de levantar o estádio.
Jorge Costa, 6.
O nosso pilar defensivo, complementava-se muito bem com o Rui Bento. O Jorge era um falso lento. Para mim, era uma maravilha porque a dupla filtrava todos os movimentos ofensivos de qualquer equipa. Daí o facto de só termos sofrido um golo em todo o torneio, o do México. O Jorge tinha um sentido posicional e uma leitura fantástica. Era um central de marcação fortíssimo e, curiosamente, não era de fazer muitas faltas.
Paulo Torres, 8.
O pé canhão. A sua capacidade de potência de remate era enorme, um pouco comparado com a do Roberto Carlos. Quando havia o dérbi com o Sporting, dizia sempre aos defesas para evitar faltas à entrada da área. Os seus remates eram extremamente venenosos, porque a bola vinha com um efeito e uma força impressionantes. O Paulo também podia ter tido uma carreira melhor.
Nélson, 10.
O Nelsinho é uma joia de rapaz, muito pacato, tranquilíssimo. O jogador mais recatado da nossa selecção. Era só treino-quarto, quarto-treino. Estava sempre fora das confusões. Quando havia brincadeiras, já sabíamos que ele se ausentava. No campo, tecnicamente muito evoluído para um lateral e muito certinho.
Rui Bento, 11.
O pequeno Baresi, como lhe chamava o Eriksson. O Rui não era um central de raiz e, mais tarde, até jogou mais à frente, tanto no Boavista como no Sporting, onde foi campeão em anos seguidos [2001, 2002]. Lia bem o jogo e tinha um poder de antecipação brutal. Essa qualidade inata criava desequilíbrios ofensivos através da sua técnica
João Pinto, 14.
O papá, o nosso capitão. Já tinha uma experiência acumulada muito grande. Em 1989, começou como suplente e acabou como titular. Só ao alcance dos predestinados. Em 1991, já tinha um controlo do grupo pela sua personalidade e maturidade
Toni, 18.
O nosso amuleto. Outro caso que podia ter sido bem mais do que foi, como Peixe e Paulo Torres. Um ponta de lança muito fino, elegante. Comparava-o ao Jordão: esguio, ágil, rápido, com faro de golo e bom jogo de cabeça. Uma joia, muito pacífico, estava sempre bem disposto. Quando saiu a notícia de que estava a trabalhar na construção civil no Luxemburgo, fiquei surpreendido. Ele merece tudo de bom, a melhor sorte do mundo. Por isso, quando saiu a notícia de que ele já ocupava um cargo no ministério do desporto na Guiné Bissau, fiquei radiante.
É o herói dos ¼ final, vs México.
Fomos a prolongamento, completamente esgotados, e apareceu o nosso Toni para o golo da vitória. Grande memória. Lá está, um golpe de cabeça altamente eficaz. Ele não perdoava nessas situações.
Queiroz, seleccionador.
Grande homem. Conseguia antecipar cenários e teve coragem para levar dois miúdos de 16 anos para um Mundial sub20, o meu caso e o do João Pinto em 1989.