Great Scott #81: Como se chama o único apanha-bolas a marcar um golo na 1.ª divisão?

Great Scott Mais 07/28/2020
Tovar FC

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Great Scott #81: Como se chama o único apanha-bolas a marcar um golo na 1.ª divisão?

José Maria Ferreira de Matos

Há jogos decididos por avançados, outros por defesas e alguns pelos árbitros. No Porto-Sporting de 1975, a realidade é outra. Mais impensável que nunca. O clássico das Antas tem o dedo de um apanha-bolas. Está a ler bem, sim senhor. Um apanha-bolas aproveita o nevoeiro cerrado no Porto para driblar o julgamento de Alder Dante e garantir o golo de Gomes, quando o guarda-redes Damas se limitara a seguir a trajectória da bola para fora. De repente, um bruá no estádio, a festa dos portistas e o espanto dos sportinguistas. Que imagem, esta.

Caso verídico que mais se parece com ficção: a 18 de Outubro de 1975, é a 7.ª jornada da liga, nas Antas, entre 5.º e 6.º classificados, empatados em pontos (oito), com três vitórias, dois empates e uma derrota. O Sporting de Juca começa bem melhor, com golos de Chico (9’) e Manuel Fernandes (15’). O FCP do jugoslavo Branko Stankovic reduz por Murça (18’). Na segunda parte, o caso do jogo aos 57 minutos. Gomes remata, Damas não se mexe e a bola vai ao lado. Assim de repente, os portistas começam a festejar. Mas como? O árbitro Alder Dante (Santarém) sanciona o golo. “Fui levado, mas dei-me conta após o jogo de que tinha sido enganado. Na altura, lembro-me perfeitamente de ter perguntado e o Gomes disse-me que tinha sido ele a marcar o golo. O Oliveira disse-me o mesmo. É pena que os dois só tivessem reconhecido a ilegalidade quando ambos jogaram no Sporting.”

Repete-se a pergunta, mas como? É um golo fantasma, porque a bola rematada por Gomes entra realmente na baliza de Damas, por obra e graça do apanha-bolas José Maria Ferreira de Matos. A acção é rápida e o nevoeiro atrapalha Alder Dante, que consulta o fiscal-de-linha Baptista Fernandes e este lhe diz que é golo. Ou seja, o FCP empata 2-2 sem saber ler nem escrever. “Escrevi uma carta ao Conselho de Arbitragem”, justifica Alder Dante, “pois percebi que tinha colocado a pata na poça. Levei uma repreensão, a única que tive na carreira.” Quando o árbitro aponta para o meio-campo, escusado será dizer que a equipa toda do Sporting cai-lhe em cima e é necessária a intervenção do treinador Juca para pôr cobro a uma paragem de cinco minutos. Moral da história, 2-2.

Calma, há mais: o Sporting está reduzido a dez (Valter é expulso por palavras). E agora? Aos 74 minutos, há um canto para o Sporting e Baltasar aproveita para fixar o 3-2. É a vitória (improvável e grandiosa) do leão. Nem assim o Sporting deixa o caso do golo fantasma cair no esquecimento. Damas é o mais inconformado. “O árbitro cometeu dois erros clamorosos: validar um golo que um apanha-bolas me marcou e expulsar injustamente um digno profissional de futebol. É um facto que houve alguém do Sporting a gritar ‘palhaço’ para o árbitro, mas não foi o Valter.” O próprio Valter está incrédulo. “Juro pela saúde do meu filho que não chamei qualquer nome ao árbitro. Só lhe disse para consultar o fiscal de linha. Ele que seja sincero e escreva no relatório aquilo que se passou.”

Coincidências das coincidências, o Sporting viaja dois dias depois para Budapeste, onde joga com o Vasas para a Taça UEFA. Quem encontra no aeroporto? Esse mesmo, Alder Dante, a caminho da RFA, como fiscal-de-linha do Duisburgo-Levski Spartak, também da Taça UEFA. O sportinguista Tomé tem a palavra. “Aquilo foi pacífico, tranquilo, mas as bocas foram mais que muitas. Como íamos no mesmo voo, o Alder Dante ouviu das boas. Quem se sentou ao lado dele foi o José Mendes [defesa-central] e sempre que alguém passava por ali dizia-lhe [ao jogador] ‘epá, sai daí, não fales com o homem’”.

Por falar nisso, quem é afinal o homem do golo? Chama-se José Maria Ferreira de Matos. Muitos anos depois desse golo, atribuído a Gomes, é empregado de mesa no restaurante Império, em Lisboa, e conta tudo numa entrevista tintim por tintim ao jornalista Franciso Sá, do Jornal Sporting. “Lembro-me do intenso nevoeiro. Antes do jogo, o chefe dos apanha-bolas, o Valter Leitão, distribuiu-nos pelo campo e mandou-me para trás da baliza. Recordo-me que o Sporting começou a ganhar. Na segunda parte, a vantagem continuava do Sporting, mas nunca pensei em fazer o que acabaria por fazer. Eu era conhecido pelas asneiras que fazia, mas também nunca ninguém pensou que fizesse o que fiz.”

Como foi o lance?
Não sei bem como a bola chegou a mim, mas sei que ela veio ter comigo e vi o Gomes a pôr as mãos na cabeça. Sem pensar, dei uns passos e fui até ao canto da baliza, meti a bola lá dentro e fugi para o mais longe possível. Então, vejo o Damas a ralhar comigo, mas eu pirei-me para trás do ‘bandeirinha’; ele já tinha a bandeirola no ar a assinalar o golo. Foi quando os jogadores do Sporting correram para o árbitro, a reclamar. Aí o juiz, que julgo não ter visto bem o lance, começou a mostrar cartões.
Porque razão meteu a bola na baliza?
Foi tudo muito rápido. O FC Porto estava a perder, a bola estava na minha mão e então pensei: vou metê-la lá para dentro e vou-me pirar. Foi um daqueles momentos em que se faz, ou não se faz; optei por fazer e já não dava para voltar atrás. Aconteceu numa fracção de segundo.
Depois de meter o golo, o que pensou?
Eu só queria que não me «topassem». Felizmente, ou infelizmente, o árbitro marcou e eu saí impune. Tenho pena do Damas, que não teve culpa nenhuma e sofreu um golo ilegal.
E se visse o árbitro desse encontro?
Não sei… Gostava de estar com ele para lhe confessar que fui mesmo eu a marcar o golo e não o Gomes. Eu tenho quase a certeza de que ele não conseguiu ver o lance como realmente aconteceu, pois estava um nevoeiro muito intenso. Também gostava de falar com o fiscal de linha; foi ele quem assinalou o golo e foi para trás dele que eu «fugi» depois de fazer o que fiz.
Acha mesmo que o árbitro não viu nada?
Julgo que não. Tenho ideia de ver o fiscal de linha levantar a bandeirola e validar o golo do FC Porto. Depois, lembro-me de ver o Damas e outros jogadores a correrem para o árbitro e sei que houve cartões mostrados. Nessa altura, já eu estava «escondido» atrás do fiscal. Só aí é que percebi o que tinha feito, mas pensei,”já está, já está!” Não havia nada que eu pudesse fazer.
Alguma vez falou com o Fernando Gomes sobre a autoria do golo?

Sim, uns anos depois encontrei-o num Centro Comercial do Porto. Perguntei-lhe, sem ele saber quem eu era, se tinha sido ele a marcar o golo; ele disse que sim e cada um seguiu o seu caminho. Mas acontece a mesma coisa quando o jogador mete a bola com a mão; se lhe perguntarem, ele dirá, quase sempre, que foi com a cabeça. Neste caso, eu sei que não foi o Gomes que a meteu. Digo-lhe isso nos olhos dele, ou nos olhos de quem quer que seja.
Nunca pensou falar com Vitor Damas?
Sempre tive o desejo de ir ter com ele. Tentei, várias vezes, mas nunca o consegui apanhar. Na altura, cheguei a vir do Porto a Alvalade, mas nunca tive a oportunidade de o encontrar. Não era fácil falar com ele, pois um humilde apanha-bolas não chega facilmente à fala com um jogador, para mais sem conhecer ninguém do Sporting. É das coisas que me dá mais pena. Era um sonho falar com ele. Nunca me esquecerei do Damas; pelo guarda-redes que foi e por nunca ter conseguido falar com ele. Sempre que via jogos do Sporting, em que o Damas participava, pensava sempre na malfeita bola do nevoeiro.
O que lhe diria se o tivesse chegado a encontrar?
Dizia o que lhe disse hoje e, com toda a certeza, pedir-lhe-ia muitas desculpas.

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