Pedro Barbosa, génio e figura
Há golos para todos os gostos e feitios. Tudo depende da perspectiva. Em 2004, durante o Euro em Portugal, um croata chamado Tomo Sokota inova nesse ranking com uma mensagem no balneário da Luz. “Nuno, não passas a bola a ninguém e marcas com aquele remate gay. Felicidades.” Então que confianças são essas?
Calma, é só uma brincadeira entre os dois avançados do Benfica. “Fiquei muito feliz pelo Nuno”, diz Sokota a propósito do 1-0 de Nuno Gomes a Iker Casillas no Portugal-Espanha para a terceira e última jornada do grupo A. “No balneário estamos sempre a brincar com ele e dizemos que ele faz uns remates um pouco gay. A verdade é que marcou um grande golo.” Toma, vai buscar.
Recuperamos a ideia inicial: há golos para todos os gostos e feitios. Os de Pedro Barbosa, então, são divinais. Um ao Vitória SC, em Guimarães, pelo Freamunde, para a Taça de Portugal. Outro ao FC Porto, nas Antas, em que Jorge Costa vai de carrinho e Vítor Baía leva um minichapéu. Ou aquele ao Maccabi, em Alvalade, em que o pé direito está pregado ao chão e o esquerdo ao nível da anca para um remate imparável. E colocado. Clap clap, é impossível não aplaudir estas genialidades. Sobretudo quem se sente do Sporting.
E do Vitória SC? Também. Sobretudo quem se sente da selecção nacional. Na noite de 22 de Fevereiro de 1995, uma quarta-feira, Portugal contabiliza o nono jogo seguido sem derrotas desde Novembro de 1993. A equipa de António Oliveira com Vítor Baía (FCP); João Pinto (FCP) (cap), Couto (Parma), Jorge Costa (FCP) e Nelo (SLB); Oceano (SCP), Secretário (FCP), Rui Costa (Fiorentina), Figo (SCP) e Barbosa (Vitória); Domingos (FCP). Aos oito minutos, Domingos solicita Barbosa e toma lá vai buskar.
A bola anicha-se (como se escreve nos anos 50/60) no ângulo superior esquerdo de Ed de Goey, mas isso não é tudo. O movimento rotativo de Barbosa ilude dois defesas holandeses (Verlaat e Bosz), um deles até cai, e depois o remate, com mais jeito que força, é sublime. De levantar o estádio. Seja em Portugal seja na Holanda.
Guus Hiddink é um dos que admiram o gesto técnico do médio. “Mas como é que ele continua a jogar num clube como o Vitória? Quer dizer, não quero beliscar nem intrometer-me em assuntos que desconheço, mas sei que Portugal tem os três grandes e o Pedro não está em nenhum deles. Para quando o salto?” O seleccionador holandês até nem tem de esperar muito. Nesse Verão de 1995, Barbosa sai de Guimarães em direcção ao Sporting.
O leilão entre Sporting e FC Porto é um dos assuntos mais apaixonantes do mercado, mas Pimenta Machado fecha negócio com Santana Lopes, que paga um tanto por Barbosa, leva também outro Pedro (o Martins) e ainda liberta Capucho, Ramires e Edinho. Em Alvalade (e não nas Antas, onde Barbosa faz carreira nas camadas jovens, até aos juniores), a categoria do croissant eleva-o à condição de capitão de equipa.
Croissant? Recuemos ligeiramente à sua época de Guimarães. Quem o lança é Quinito, homem de frases fortes. Quando lhe perguntam pela pérola vimaranense, o treinador nem pestaneja. “Se tivesse muito dinheiro, compraria Pedro Barbosa para jogar futebol comigo no meu quintal. É um jogador à moda antiga. Enquanto amante da arte, da magia e beleza estética, o Pedro Barbosa é o expoente máximo desses predicados.” Uau. E mais, e mais? Às tantas, Quinito desbronca-se. “Pedro Barbosa é o homem dos croissants”, pelo seu estilo pastelão e arrastado. Um falso lento, portanto. O golo à Holanda confirma essa tendência.
A recepção à bola é tranquila, como se estivesse ligeiramente desinteressado de seguir com a bola. O que se segue é de categoria internacional. E o que interessa se a Holanda joga nessa noite sem os três titulares da defesa (Blind, Frank de Boer e Valckx)? Ninguém o pararia. O 1-0 mantém-se até ao fim. É um jogo particular, é um golo de Mundial. E o primeiro do Vitória SC por Portugal. Até aí Barbosa faz história.