Cruz. ‘Joguei sempre a lateral-esquerdo, com o número 3. À direita, com o 2, o pai do Djorkaeff’

Mais You Talkin' To Me? 08/22/2020
Tovar FC

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Cruz. ‘Joguei sempre a lateral-esquerdo, com o número 3. À direita, com o 2, o pai do Djorkaeff’

Nove. O número martela-nos a torto e a direito de há uns tempos para cá. É o número da moda. Na era dos telemóveis, digo. Ou é 91. Ou 96. Ou 93. O nosso dia-a-dia é iniciado pelo 9. De repente, iniciamos uma conversa de uma forma diferente, completamente old fashion. Carregamos nas teclas 232. Área de Viseu. Que delícia. A ideia é falar com Fernando Cruz, bicampeão europeu pelo Benfica e digno representante do PSG na sua primeira época de sempre, em 1970-71. Uh la la, c’est magnifique.

Bom dia, tudo bem?

Boa tarde, quem fala?

Daqui Rui Miguel Tovar.

E quer falar com?

Quero falar com o senhor Fernando Cruz, se faz favor. Sou jornalista.

Vai desculpar-me, o meu marido não dá entrevistas.

É uma conversa curta.

Não dá entrevistas. É de onde?

De Lisboa.

É para onde, quero dizer?

É um trabalho para mim sobre o PSG.

[voz lá do fundo de casa] Quem é?

[a mulher] É um senhor jornalista, quer falar contigo.

[um segundo]

[dois segundos]

[três segundos]

Espere só um segundo, ele vai atendê-lo.

Está lá?

Alô, tudo bem?

Tudo bem, quem fala?

Rui Miguel Tovar.

Rui Miguel, está bom?

Tudo, e o senhor?

Também. Diga.

Quero falar sobre o PSG.

Paris, Paris. Bons tempos.

Como é que foi parar a França?

Quando saí do Benfica, disseram-me que um clube novo em Paris estava a precisar de jogadores. Apareci lá, treinei e aceitaram-me.

Do que se lembra?

Joguei sempre a lateral-esquerdo, com o número 3. À direita, com o 2, o pai do Djorkaeff. Um senhor simpático, que falhava alguns jogos da 2.ª divisão porque era chamado para representar a selecção francesa.

É isso que queria entender: o senhor trocou o Benfica por um clube da 2.ª divisão?

Nem mais.

Porquê?

Saí do Benfica e pronto.

Mas era complicado sair de um clube, sobretudo do Benfica, ou não?

Era, era. Mas fiz muita força.

Porquê, chateou-se com alguém?

Chateado, chateado, chateado [repete-se como se estivesse a pensar numa resposta]. Nãããã, não quis mais, pronto. Estava farto e queria ir jogar fora de Portugal.

Joguei cinco finais da Taça dos Campeões, ganhei as duas primeiras e perdi as outras três. Fui campeão nacional [oito vezes] e levantei Taças de Portugal [três]. Entrei no Lar do Jogador aos 16 anos. Aos 20, o Bela Guttmann lançou-me a titular e nunca mais parei. Joguei as tais cinco finais, fiz 11 anos de Benfica. A dada altura queremos mais do que nos dão. Achei que não me trataram bem. Pronto, é isso.

Pronto.

E saí para Paris.

Muitos portugueses?

Uyyyy, nem imagina. Muitos, muitos.

Onde vivia?

Perto do estádio.

Maravilha.

Às vezes, ia a pé para os treinos. E também para os jogos.

O PSG é campeão da 2.ª?

Campeões da zona centro, sim. Depois jogámos um play-off para decidir o campeão. Ganhámos, também. No jogo decisivo, 4:2 ao Monaco.

O Fernando Cruz jogou sempre?

Mal entrei na equipa [10 Outubro, vs Bourges], só falhei dois, por lesão. De resto, sempre a lateral-esquerdo, com o número 3.

Marcou algum golo?

Só marquei um golo na carreira, ainda pelo Benfica, ao Olhanense, na Luz. Ganhámos 8:1, marquei o sexto.

Jogava com Eusébio, Simões, José Augusto, Torres…

Costa Pereira, Germano, Ângelo, Coluna. Essa malta toda. Dávamo-nos todos muito bem. Olhe, o Coluna também jogou em França nessa época 1970-71.

Lyon?

Exacto, o Coluna era do Lyon. Nunca me encontrei com ele, porque o Lyon era da 1.ª divisão.

[lá do fundo, a mulher de Cruz diz de sua justiça: Lyon, o Coluna jogou no Lyon]

[foi o que disse ao senhor, o Coluna era do Lyon]

Como era o futebol francês?

Zero campos pelados. Era essa a grande diferença em relação a Portugal.

E divertiu-se?

Então não? Conheci um país, um campeonato, uma capital e uma mentalidade diferente. Tudo mudou. Tanto para mim como para a minha mulher e os meus filhos.

E depois?

Fomos para os EUA.

Fazer o quê?

Trabalhar.

Trabalhar?

Já trabalhava em Portugal, era serralheiro civil.

Enquanto jogava no Benfica?

Nem mais. Serralheiro civil. Nos EUA, continuei essa profissão. Para ganhar dinheiro, senão…

[a mulher volta a dizer de sua justiça: foste serralheiro, não te esqueças]

O futebol não chegava?

Nããããã. Nem em França. Nos EUA, fui serralheiro e ainda treinei alguns clubes. Até fundei o Benfica de Newark. Nem sei se esse clube ainda existe.

Nem eu.

Também estivemos na Venezuela, onde a comunidade portuguesa era igualmente grande. Não tanto como a de Paris, parece-me.

[Venezuela, também fomos à Venezuela, grita a mulher lá do fundo]

Os emigrantes apoiavam-no no PSG?

Muito, claro. Dava prazer jogar.

Alguma vez voltou a ver o PSG?

Nunca mais. Nem nunca mais fui a Paris ou a França.

E o que me diz deste PSG?

Cresceu imenso e agora é vê-lo na final da Liga dos Campeões. Quero ver o jogo. A ver se o lateral-esquerdo é melhor que eu.

Ahahahahah.

Ai quero ver quero.

Acho bem. Obrigado por tudo, abraço.

Obrigado, grande abraço.

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