Charlie Mitten, o do penálti com os olhos vendados
Agosto, 2010. Há 2:1 em Craven Cottage aos 87 minutos. O United carrega na área do Fulham e Duff mete mão à bola. Penálti e possibilidade de 3:1. Nani agarra na bola, atira e Stockdale defende. No minuto seguinte, 2:2. No banco, a cara de Alex Ferguson transforma-se radicalmente, de um rosa fofinho para um vermelho tomate. Na flash-interview, toma lá disto: “O Ryan [Giggs] é que devia ter marcado. No último jogo com penáltis, vs Tottenham, o Ryan marcou dois e o Nani estava em campo. Perdemos dois pontos idiotas à conta disto.”
Passam-se dois dias e Alex Ferguson continua a bater na mesma tecla. Fala então de Charlie Mitten, um ilustre jogador inglês do United condenado ao ostracismo e ao esquecimento por ter deixado o clube e a família em 1950 para embarcar numa aventura colombiana, a ganhar 28 vezes mais que em Inglaterra, onde o sistema feudal ainda dita leis, com salário bloqueado nas 12 libras por semana, contratos sem prazo de validade e transferências só autorizadas pela federação.
Quem? Charlie Mitten. Na 2.ª Guerra, é piloto da Royal Air Force. “Se ele acertasse todas as bolas nos greens como balas nos alvos, seria sempre titular da Ryder Cup [torneio anual de golfe entre EUA e Europa]”, dizem os colegas. Destacado pelo exército inglês para uma base militar nos Açores, trava conhecimento com António Borges Coutinho, futuro presidente do Benfica, de quem recebe uma caixa de ananases no final da guerra, em 1945. Precisamente o ano do seu regresso ao futebol, pelo United. Na estreia, vs Blackpool de Stanley Matthews, está a perder 2:1 ao intervalo e Matthews diz-lhe: “Como queres que te aplaudam se passas o tempo a correr atrás de mim?” No balneário, Mitten rebela-se perante Matt Busby. ‘A partir de agora, só vou atacar e nada de defender’. Meu dito, meu feito. Joga solto, dá espectáculo e nasce a lenda de Cheeky Charlie.
Pois bem, Cheeky Charlie é o maior fenómeno inglês da marca de 11 metros. Penáltis é (mesmo) com ele. Ao todo, 18 penáltis, 18 golos. Todos de olhos vendados. Como assim? “Qualquer um deve conseguir marcar um penálti de olhos vendados”, afirma Mitten ao treinador Matt Busby, durante um treino. “Então vá, força.” A partir daí, o penálti é um espectáculo à parte. E tudo começa num United-Villa. Ao terceiro penálti, Cheeky Charlie já nem marca o penálti de forma convencional. Vai daí, venda os olhos e até diz ao guarda-redes para onde vai a bola. Diz Mitten: “O ritual é bem simples. Bola na marca, quatro passos atrás, venda nos olhos e golo.” A brincadeira tem um fim, a 24 Agosto 1950. Faz hoje 70 anos.
Depois dos tais 18 penáltis marcados às cegas, Mitten faz as malas e vai jogar para a liga colombiana, fora da esfera da FIFA. Lá conhece Di Stéfano e recebe um convite do Real Madrid, através do inesquecível Santiago Bernabéu. Diz não, por amor ao clube e à família (a sua mulher ficara em Manchester). Quando aterra em Manchester é surpreendido com uma suspensão de seis meses mais uma multa de 250 libras (ganha 10 por semana). É expulso do Manchester United por Matt Busby e passa a ser conhecido como “bandido de Bogotá”.