Weah. ‘O Rui Barros é um grande, dava cabo do juízo a qualquer defesa’

Mais You Talkin' To Me? 08/23/2020
Tovar FC

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Weah. ‘O Rui Barros é um grande, dava cabo do juízo a qualquer defesa’

George Tawlon Manneh Oppong Ousman Weah. Não adormeça, vá lá. Fique a saber que estamos a falar do liberiano George Weah, o segundo jogador nascido em África a ganhar a Bola de Ouro da France Football (1995), precisamente 30 anos depois de Eusébio (1965).

De 1985 a 2003, joga em clubes como Mighty Barrolle, Invicible Eleven, Africa Sports (Libéria), Tonnerre Yaoundé (Camarões), Monaco, Paris SG (França),
Milan (Itália), Chelsea, Manchester City (Inglaterra), Marselha (França) e Al Jazira (EAU). Não adormeça novamente, se faz favor. E saiba que continuamos a falar de Weah, campeão nacional em três países (Libéria, França e Itália) e vencedor da Taça em mais três (Libéria, França e Inglaterra), mas que nunca vai a um Mundial nem ganha um troféu europeu, embora esteja presente na final da Taças das Taças-92 na Luz.

Começo pelo presente, 2011 tem sido um ano memorável para si.

É verdade, graças a Deus, graduei-me em gestão administrativa na Universidade DeVry, em Miami. O meu desejo é melhorar, sempre. Nunca se pode parar porque o mundo continua a girar e nós nunca podemos ficar satisfeitos com o que temos. Há experiências por fazer e para partilhar com quem as desconhece.

E agora?

Agora estou totalmente concentrado nestas eleições. Em 2005, o nosso partido era novo e sem experiência, mas agora fomos ganhando experiência e já parecemos uma equipa de futebol. Estamos em condições de mudar a vida das pessoas na Libéria. Podemos fazer um trabalho melhor do que a Ellen. Sou uma pessoa honesta que quer a prosperidade do país. Quero ver as pessoas mais confiantes num futuro melhor. A classe média tem de ressurgir. Estas eleições vão fazer essa diferença entre o desaparecimento gradual da classe média ou a sua reinserção na sociedade como força motora para outros voos. O nosso partido está preparado para o jogo.

Percebo que continua a utilizar a linguagem futebolística.

É algo que nunca se esquece. Nunca. Impossível.

Como é que um liberiano como o Weah, de um país sem qualquer expressão no futebol, consegue chegar a França, a Itália e a Inglaterra. Como foi a sua infância?

Difícil, dificílima. Muitas vezes os meus pais não tinham comida para me dar. Cresci neste mundo como muitos liberianos. Tens de ir para a rua e lutar por isto e por aquilo. É uma loucura mas… Como assim?

Há tribos na Libéria que tem todas as facilidades e comodidades mas simples

mente não deixem os outros ter uma vida melhor. A minha sorte foi o desporto, o futebol. Sem ele, seria só mais um, e não o George Weah. Está a telefonar-me por algum motivo, não é verdade? Através do futebol, consegui juntar dinheiro para ajudar os meus pais porque a fazer outra coisa qualquer nunca juntaria tanto dinheiro.

Trabalhou onde?

Fui telefonista de uma companhia. Entre os treinos e os jogos do Mighty Barrolle, atendia telefonemas e fazia ligações. O termo correcto era técnico de telefones.

Mas ninguém me ajudou tanto como o Arsène.

O Wenger?

Sim, claro. Ele viu-me a jogar e assinou contrato. Foi um presente de Deus. Em França, formei-me como jogador e também como pessoa.

E como é que um liberiano se impõe em França? Falava francês?

Non, pas de français [risos]. A minha sorte foram dois ingleses que jogavam lá. O Glenn Hoddle e o Mark Hateley. Como eles sabiam que eu não falava francês, só inglês, ajudaram-me a sentir-me confortável. Com eles, adaptei-me muito rapidamente. Foi uma boa experiência mas não foi fácil. Claro que o Arsène também falava inglês e ajudava-me mas o Hoddle e o Hateley andavam comigo fora dos treinos e dos jogos.

Que memórias desportivas do Monaco?

Esplêndidas. Ganhámos uma Taça de França em 1991 [1-0 ao Marselha de Mozer] que nos permitiu qualificar para a Taça das Taças.

A tal em que o Monaco chega à final.

Exacto.

Com ajuda do Weah e do Rui Barros.

É verdade, o Rui. Ele dava cabo do juízo a qualquer defesa com aquelas correrias repentinas. Nos treinos, ninguém o apanhava. Nos jogos, também não. É um dos grandes. Era o nosso número 10, não sei se sabes? Eu jogava com o 9, ele com o 10. Partilhámos duas épocas intensas. E ele foi importantíssimo nessa campanha da Taça das Taças. Se não me engano, é um golo dele que nos qualifica para as meias-finais [1-0 à Roma]. Nas meias, eliminámos o Feyenoord em Roterdão. Eu marquei o primeiro, o Rui o segundo [2- 2]. Só na final é que…

Não funcionou.

É assim, o futebol. Embora nós tivéssemos uma equipa talentosa com Ettoti na baliza, Petit no meio-campo, Djorkaeff a aparecer, também o Werder Bremen era fantástico, com os experientes Allofs, Bratseth, Votava, Rufer.

Segue-se o Paris SG.

C’est vrai [sorri].

Com Le Roi.

Artur Jorge. Que equipa aquela. De sonho. Nunca aquela capital foi tão feliz. O Parc enchia para nos ver jogar. Eu, Valdo, Ricardo Gomes e o Ginola, que era um fenómeno. Marcava mais golos que eu, vê lá tu. Ganhámos a Taça de França em 1993 e o campeonato francês em 1994. Nessas duas épocas memoráveis, chegámos às meias-finais da Taça UEFA em 1993 e às meias da Taça das Taças em 1994. Na primeira, fomos eliminados pela Juventus, depois de afastarmos o Real Madrid de forma épica. Repara bem, perdemos 3-1 em Madrid e fomos ganhar 4-1 na segunda mão. Eu marquei o primeiro golo. Depois, acho que foi Ginola, Valdo e Kombouaré no último segundo [confere, sim senhor].

E sem o Le Roi Artur Jorge?

Em 1994, ele foi para o Benfica, não foi?

Ya.

Pois, bem me parecia. Eu continuei no Paris SG, às ordens do Luis Fernández. Ganhámos a Taça de França e chegámos às meias-finais da Liga dos Campeões, eliminados pelo Milan.

Curiosamente o seu próximo clube?

É vero [mais risos, isto é contagiante]. Que cidade, que magia aquela equipa. O Roberto Baggio jogava lá. Que Deus. Mamma mia. Demorei seis minutos a marcar, em Perugia, penso eu. Ganhámos 2-1 e eu fiz uma assistência de golo sabes para quem?

Roberto Baggio?

Noooo, Baresi.

Uh la la.

Ahahahahahah.

É no Milan que marca aquele golo de baliza a baliza?

Toda a gente fala-me nesse golo ao Verona. É incrível como já se passaram 15 anos e ninguém se esquece. A beleza do golo não está naquela corrida nem na finta, está na finalização. Para mim, claro.

E é também no Milan que há aquela pisadela na mão do Jorge Costa.

É passado. Infelizmente, fez parte do jogo.

Do Milan para o Chelsea. Você nunca pára?

O Milan tinha Shevchenko e Bierhoff e eu saí por empréstimo para o Chelsea. Outro clube enorme, diferente do Milan claro, mas enorme em adeptos e dimensão. Até porque está em Londres, uma cidade cheia de luz, cor e vibrante. Sabes como foi a minha estreia?

Nem ideia.

Cheguei a Londres na manhã do jogo com o Tottenham. Apanhei o treino do Chelsea no fim e ainda fui inscrito a tempo de ser convocado pelo Vialli. Como suplente, e só porque o Zola estava lesionado. Na segunda parte, com 0-0, entrei em campo a substituir o Tore Andre-Flo e marquei de cabeça o 1-0, a cruzamento do Wise. Foi uma emoção ilimitada.

Chegar, ver e vencer, literalmente.

Só mesmo em Inglaterra em que o futebol é jogado em vez de pensado. Mas o momento mais emblemático é a conquista da Taça de Inglaterra 1999-2000. Na última vez que a final se realizava em Wembley antes de ser demolida.

O Weah jogou?

Eu e mais dez [gargalhadas contidas]. Só havia um inglês no nosso onze, o capitão Wise. E no banco estava um tal John Terry, conheces? Ganhámos 1-0 ao Aston Villa, golo do Di Matteo. A festa que eu fiz no relvado. Roubei a taça ao Wise, dei a volta ao campo com ela, atirei-a ao ar, meti a tampa na cabeça, festejei até dizer chega. Estava mesmo feliz porque a final da Taça de Inglaterra é daqueles acontecimentos memoráveis que acompanhamos desde jovens, pela televisão. É memorável. Aquela volta ao campo com os adeptos, os nossos e os do Aston Villa, foi inesquecível.

in jornal i, 29 Out 2011

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