Dito, grande abraço apertado
O dia (23 Fevereiro 1983) amanhece cheio de polémicas. Alberto João Jardim diz de sua justiça, a propósito de uma eventual candidatura à presidência do PSD: “Eu não tenho hipótese, sou odiado no continente. Mas sei que o PSD precisa de recuperar o discurso do dr. Sá Carneiro. Se ele fosse vivo, dava dois coices nesta gentinha.” Mais à frente, o brasileiro Otto Glória pede a dispensa do cargo de seleccionador português por culpa da falta de respeito dos clubes. Ou melhor, dos três grandes.
Convocados por Otto para jogar com a RFA, quatro benfiquistas (Pietra, Carlos Manuel, Humberto e Chalana), dois sportinguistas (Oliveira e Virgílio) e um portista (Frasco) pedem a dispensa, todos por lesão. A reacção de Otto é definitiva. “Neste momento, não sou nada. Coloquei o lugar à disposição da direcção e não sou responsável por mais nenhuma convocatória.” Os jornalistas amontoam-se à porta da sede da federação, na Praça da Alegria, e fazem-lhe mil perguntas. A todas elas, Otto é monocórdico. “Não vale nem a pena, não sou o seleccionador neste momento.”
Derrotada na semana anterior pela França, em Guimarães (3:0), a selecção apresenta um défice de bons resultados no passado recente, a avaliar pelos 4:0 do Brasil e os famosos 5:0 em Moscovo. Na corda bamba, Otto. O seu próximo (e último) jogo é com a RFA, no Restelo. Sim senhor, o Belenenses recebe o campeão europeu e vice mundial. Os alemães aterram em Portugal com toda a artilharia, capitaneada por Rummenigge. Já Portugal apresenta-se sem os melhores. O Benfica, por exemplo, só tem Bento. Até o Braga tem mais, graças a Cardoso e Dito. Já o Porto é a espinha dorsal, com mais de metade do onze, à conta de João Pinto, Lima Pereira, Eurico, Jaime Pacheco, Costa e Gomes. Faltam dois elementos, ambos sportinguistas (Festas e Manuel Fernandes). Seja como for, Portugal supera-se e ganha 1-0 com o magro apoio de 15 mil espectadores (mais de 20 mil bilhetes não vendidos). O golo de Dito, usado como trinco, é um primoroso cabeceamento na marca de penálti após cruzamento da direita de Costa. É o primeiro golo do Braga na selecção — o segundo seria de Éder.
Dito. Dito assim é o suficiente. Nome completo, Eduardo José Gomes Cameselle Mendez. Nascido e criado em Barcelos, faz-se à vida no Braga, onde se estreia na 1.ª divisão aos 18 anos e dois dias de idade, nas Antas, lançado pelo magriço Hilário. Nas camadas jovens da selecção, o seu percurso é meritório e chega até a capitão, tanto dos sub18 como dos sub23. Ao todo, seis golos, metade deles no Algarve (dois em Portimão vs Dinamarca, um em Faro vs Polónia). Os outros no estrangeiro, um dos quais no Torneio Toulon 1981, vs URSS.
Em Abril 1984, é pioneiro na história do futebol português na tentativa de imitar o penálti a dois toques. É no dia 21, um sábado, véspera do domingo de Páscoa. O clássico minhoto é no 1.º Maio, para a 1.ª divisão. O Braga, então quinto classificado, atrás dos do costume mais do Vitória FC, ganha claramente por 3:0 e há um penálti. Na baliza do Vitória, um senhor chamado Silvino. A 11 metros, Dito. Que combina com Cardoso a jogada celebrizada por Cruijff no Ajax em 1982. Previamente autorizados pelo treinador Quinito, os dois preparam o lance com destreza infinita. Um toque para o lado, a devolução e golo. José Guedes, o árbitro, invalida por invasão da área antes da marcação dos penálti. Baaaaaaaaah. Seja, Dito está na história. Uma vez mais.
Caaaaalma, há mais. O seu percurso muda significativamente de rumo em 1986, quando assina pelo Benfica. É campeão nacional no ano dos 7:1 em Alvalade e marca um dos penáltis a Van Breukelen no desempate vs PSV na final da Taça dos Campeões 1988. Do Benfica salta para o Porto, juntamente com Rui Águas, na transferência mais sensacional dos últimos tempos a obrigar até um corte de relações entre os dois clubes. Uma época nas Antas e já está. Seguem-se aventuras por cinco clubes (Vitória FC, Espinho, Gil Vicente, Torreense e Ovarense) até ao final da carreira, em 1996.
Passam-se uns anos, vira-se o século. Encontro-o este ano em Braga, por ocasião do Braga-Sporting ou do Vitória SC-Porto, já não me lembro bem. Cumprimentamo-nos. Como não, um homem que marca a Schumacher no Restelo merece todo meu o respeito. E trocamos números de telefone para um get together mais tranquilo, longe da movida do futebol. No dia 9 Julho, envio-lhe o raio-x feito ao jornal desportivo Off-Side. Só me responde (e bem) no dia seguinte, o de São Éder. ‘Olá Rui, as coisas que tu descobres !!! Abraço.’ Grande abraço, Dito.