Volta. Os bravos do pelotão

Kali Ma Mais 10/03/2020
Tovar FC

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Volta. Os bravos do pelotão

É preciso inventar uma palavra para descrever a Volta. Além de saudade, claro. Porque isto de dar bidons, fazer ráli de carro no meio da serra e andar de moto na Falperra tem muito que se lhe diga. Da indigestão à bronca com a GNR. Memórias da Volta com o meu pai.

Às voltas. Ando aqui às voltas com as memórias do meu pai sobre a Volta a Portugal em bicicleta. Como se fosse um tic tac permanente na cabeça. As histórias caricatas atropelam-se umas a seguir às outras. Há aquela em que o programa da RTP vai para o ar com aquela música característica do tã tã tããã tã tã tã tã tã tã tã tãããããã e o pivot não é ele.

E agora? Estamos em 1988, ainda longe dos telemóveis, e nenhum de nós (a minha mãe e eu) sabe do meu pai. Lá nos informam de uma paragem de digestão como factor de desestabilização. Em Manteigas, nunca mais me esqueço. O hotel da RTP recebera um casamento à hora de almoço e, nessa noite, serve algumas das sobremesas sobreviventes. Uma delas, baaaaaang, toma lá, vai buscar: daddy cool fora dos convocados. No dia seguinte, é um ver se te avias de médicos de quase todas as equipas a visitar o quarto do meu pai com uma mão cheia de teorias para a recuperação e outra de comprimidos xpto.

Uns anos mais tarde, acho, há um contrarrelógio na Lourinhã. É a terra do meu pai e ele troca-me as voltas: em vez de ir à praia da Areia Branca, faço de cronometrista na linha da meta. Tenho de anotar os tempos todos e enviá-los por um estafeta para um sítio qualquer, onde o meu pai está a ajudar a emissão da RTP. Como a fotografia da credencial (do meu pai) não bate de todo com a cara (a minha), um polícia astuto apanha-me em flagrante. E nem vai de modas: agarra-me num braço e sacode-me ligeiramente. Digo-lhe de quem sou filho e qual o meu papel naquela etapa. Ele, impávido e sereno, abana-me outra vez com um ‘conheço bem o seu pai e ele não tem filhos’. Eerrrrrrr. No quadradinho seguinte, é ver o polícia a levar-me ao tal ponto de emissão da RTP para confirmar os factos junto do dito cujo. Claro, dá bronca. Pai – 1; GNR – 0. E as classificações dos ciclistas? Ah pois é: Pai – 2; GNR – 0.

Quando ligo pela primeira vez ao Joaquim Gomes, director da Volta a Portugal desde 2009, e lhe falo sobre o interesse em acompanhar a Volta a Portugal para sentir de perto o espírito camarada e companheiro de todos os seus intervenientes, a resposta à história desse contrarrelógio na Lourinhã é imediata: “Ah, isso foi em 1991, ganhou o Orlando Rodrigues, do Ruquita. O contrarrelógio, digo. A Volta ganhou o Jorge Silva, da Sicasal. Essa Volta foi tramada, sofri uma queda na Serra, a caminho de Manteigas”. Manteigas? As voltas que o mundo dá. E conto-lhe a outra história do meu pai. É só rir.

A galhofa continua em Setúbal, onde está previsto o arranque da 80.ª edição da Volta. O meu conhecimento é cerca de zero e vou apanhar bonés durante uns tempos. Sorte a minha, cruzo-me com Nuno Ortega, jornalista da Lusa. Em três tempos, já tenho umas luzes sobre os candidatos mais versáteis, as equipas mais fortes, os directores técnicos mais faladores, os percursos mais acidentados e por aí fora. Mais confiante, lá avanço para a linha de partida. É dia de prológo, coisa leve de 1,9 km. Os ciclistas sobem ao palanque um a um, depois de pesarem e medirem as suas bicicletas junto dos comissários, e arrancam decididos a fazer o melhor tempo. Durante uns bons 30 metros, ainda os vejo a progredir. Depois, perco-os de vista com uma curva para a direita. De repente, aparece o Marinho. Sorte a minha, parte 2. Marinho faz parte da organização da Volta desde o início do século XXI e vai ser o meu anjo da guarda daqui em diante. A sua primeira acção é fazer-me entrar num carro conduzido por ele a acompanhar os ciclistas. Uauuuu. E um dos contemplados é Rui Vinhas, o único português a ganhar a Volta nos últimos sete anos. O dia está ganho.

Álcacer do Sal-Albufeira

A primeira etapa começa com um calor inexplicável à beira do Sado. Invadida por visigodos, árabes e mouros, Álcacer do Sal só não permite a vitória dos vikings, os terríveis guerreiros escandinavos. E imagino o porquê: com este calor, pobres dinamarqueses, tsss tsss. É que o sol bate de chapa, mesmo, e derrete a sombra de qualquer um. Incrível e verídico. Vou mas é criar raízes ali junto da arca frigorífica cheia de garrafas de água. O plano cai por água abaixo num estalar de dedos. A culpa é deles, dos ciclistas.

Todos eles têm de passar pela linha de partida para assinar o ponto e é aí que assisto a uma parte da tal camaradagem entre eles. Alejandro Marque, vencedor da Volta em 2013 e agora no Sporting-Tavira, choca de propósito a sua bicicleta na de Gustavo Veloso, vencedor em 2014 e 2015, agora no W52-FC Porto. Falam demoradamente, riem-se, abraçam-se e até tiram fotos com caçadoras de selfies (a cena do autógrafo já é démodé). A animação dura, dura e dura. Como a própria etapa, num ritmo mais lento que o habitual para evitar desgaste no primeiro dia. A vitória decide-se ao sprint, em Albufeira, na primeira chegada ao Algarve em dez anos. Ganha o italiano Riccardo Stacchiotti, da MsTina-Focus. O último classificado é o de sempre, o carro vassoura guiado por António Rodrigues, madeirense de gema, amante do ciclismo desde sempre por ser “o desporto individual com mais sentido de equipa”.

Beja-Portalegre

Alerta, o calor continua impróprio para consumo. A linha de partida em Beja tem mais árvores, mais sombras e então? Inútil, o sol impõe-se como gente grande. Se assim é, será melhor continuar amarrado às águas frescas? Ya, só que descubro a barraca do presunto cortado às fatias pelo senhor Domingos e está o caldo entornado. Aquela sombra debaixo daquele chapéu específico é uma maravilha, até porque estamos localizados ao lado da barraca do café, onde todos os ciclistas se concentram. Quer dizer, tooooodos é exagero. Os do Sporting e os do Porto só assinam o ponto perto do início da corrida ficticía, os outros é que andam ali a pedir bicas a torto e a direito. Quem quiser dois dedos de conversa com eles, com qualquer um, é só dizer.

É uma das partes fascinantes do ciclismo, o à vontade com a comunicação social e até com a população, agarrada aos painéis de publicidade a pedir meças aos heróis. Que voltam a correr devagar, devagarinho até Portalegre. Se o calor em Beja até estala, em Portalegre é pior ainda. Outra chegada ao sprint, ganha Vicente de Mateos, da Louletano-Aviludo. O que se segue é um regabofe do mais fascinante que há: nenhum ciclista nega uma entrevista ao fim de um esforço de cinco horas-e-muito debaixo de um sol a bater os 40-e-tal graus. Todos falam, uns ofegantes, outros com a cara completamente branca do esforço e ainda aqueles a passar a língua pelos lábios para fazer circular a saliva.

Sertã-Oliveira do Hospital

Qual é a cena de um pai dar o seu nome ao filho? Tssss tssss, há coisas do arco da velha. Pois bem, Venceslau Fernandes, da Liberty Seguros-Carglass, é filho de Venceslau Fernandes, o vencedor mais veterano da Volta, em 1984, com 39 anos de idade. Falo deles porque a família está toda em peso para apoiar o miúdo. A família toda é pai, mãe e as duas irmãs, com Vanessa [a triatleta, medalha de prata em Pequim] embrulhada numa bandeira da Liberty. Ora bem, detalhe picante: tenho uma camisola amarela do Venceslau, entregue pelo próprio ao meu pai há anos e anos. Vejo-o ao longe, faço um sprint com uma fatia de presunto na mão esquerda e apresento-me. Venceslau olha bem para mim e, de seguida, pede um abraço: “Daqueles que eu dava ao seu pai”. Amigos para sempre. Quando lhe falo daquela camisola amarela, patrocinada pel’O Jogo a letras garrafais vermelhas, Venceslau olha-me nos olhos e diz-me: “Não venda isso, fique sempre com ela”. Ora essa, claro que sim.

Faltam dois minutos para o início da partida e calha Raúl Alarcón, o vencedor da última Volta, estacionar a bicicleta ao lado do nosso carro. Oportunidade para falar com ele. A dois minutos da partida, repito. “De onde és?” Valencia. “Gostas de futebol?” Claro. “És de quem?” Real Madrid. E Casillas, ele faz milagres na baliza, é craque, craque, craque. “Boa, boa, tens razão. E conheces o Casillas?” Cruzei-me uma vez com ele na gala do Dragão.

Agora sim, arranca a terceira etapa, a da solidariedade por passar pela zona dos fogos de há um ano. Desta vez, acompanho o pelotão de perto, dentro do carro do comissário três. Guiado por quem? Ora essa, que pergunta: Marinho, lógico. Ao meu lado, o comissário Humberto Fernandes, o mais jovem da Volta. Durante 177 km, apercebo-me de duas corridas: a dos ciclistas e a dos carros. A dos ciclistas já toda a gente a sabe de ginjeira. A dos carros é uma descoberta formidável. Porque é preciso ser-se um ás ao volante para fintar aquela malta toda, sobretudo em subidas, como a do Lagos da Beira. Eu explico: só há espaço para dois carros e e e e e. Pois bem, está o carro de uma equipa mais o nosso. Fixe. E ainda uma moto da RTP mais um ciclista. Ou dois. Brin-ca-dei-ra.

Refastelado no banco de trás, à esquerda, vejo uma ravina interminável pela janela do meu lado. Scary movie. O carro do comissário três anda no meio do pelotão. Às vezes, vai lá à frente. Outras, anda cá atrás num ziguezague estonteante. Se o pelotão estiver compacto, é uma diversão constante. É o caso. Vê-se o Porto a dominar quase sempre, ouvem-se as conversas de balneário (digamos assim), umas a brincar, outras mais a sério sobre planeamento táctico. É imperdível o momento em que o carro do W52-FC Porto passa ao nosso lado, o director técnico Nuno Ribeiro (vencedor da Volta em 2003) abre o vidro e arma-se em capitão Haddock com uma série de $#&/*!>”£§] a respeito de uma indicação mal dada sobre o tempo de vantagem do fugitivo em relação ao pelotão: em vez de minuto e meio, é só meio minuto. A correcção até é dada pela rádio Volta antes do desabafo, só que Nuno Ribeiro não perdoa o equívoco momentâneo. Feito o protesto de dentes cerrados, manda um piropo a Marinho com a maior desfaçatez. Isto é divertido, daqui nunca mais saio, daqui nunca mais me tiram.

A amarela é de Iker Alarcón, o maior da aldeia. Acaba o reinado de Rafael Reis. E como? Da maneira mais poética possível, a cortar a meta ao lado de Rui Vinhas, que lhe estende o braço como se fosse um pugilista (o mesmo gesto de Joaquim Gomes para com Cayn Theaskton, vencedor da Volta 1988, pela Louletano-Vale do Lobo). O ciclismo, aí está ele no seu esplendor: cumplicidade, companheirismo, camaradagem. Os três cês da vida airada, que categoria.

Guarda-Covilhã

A partir de ontem, já não quero só participar no acto de partidas e chegadas. O objectivo é ir sempre no meio deles, respirar a Volta como deve ser. A aventura de hoje é no carro neutro 2. Hein? Sempre que há um fugitivo com mais de minuto e meio de avanço sobre o pelotão, avança o carro neutro para prestar auxílio na entrega de águas e barras, sem esquecer a mudança de rodas. Claro, um dos dois carros da equipa do fugitivo pode (e deve) entrar na fuga para fazer esse papel, só que, às vezes, o pelotão está tão embrulhado com as suas tácticas que o melhor é deixar tudo ao cuidado da dupla de um neutro. Neste caso, José Rosa ao volante, Carlos Caetano cá atrás.

Ponto prévio: José Rosa faz parte de uma famosa equipa da Sicasal com Joaquim Gomes, Orlando Rodrigues e Jorge Silva. No seu currículo, uma vitória na Volta a Portugal na etapa Abrantes-Sintra em 1996. Quando me cruzo com Joaquim Gomes ao pequeno-almoço, lá vem história. E das boas, como sempre. “Uma vez, numa corrida em Espanha, apanhámo-nos numa fuga, eu e o Zé. Aquilo durou muitos quilómetros e já não tinha água. Olhei para baixo e via o nosso carro da Sicasal muito ao longe. Então pedi ao Zé para ir buscar água, senão nunca iríamos acabar aquilo, estava a ser muito duro.”

E? “Ele lá foi. Aliás, nisso o Zé era imbatível. Ficava colado a mim em todas as etapas, mesmo que já não interessasse nada. Bem, ele lá foi e nunca mais voltou. Entretanto, acabei eu a corrida, fiz massagem, tomei banho e deitei-me um pouco para descansar. Por sorte, o nosso hotel era perto da meta. Às tantas, lá ouço os tacos dos sapatos de um ciclista. Abre-se a porta e era o Zé, ainda vestido à Sicasal. Olha para mim, mete a mão atrás das costas e saca-me do bidon de água: ‘Toma lá’. Nunca mais me esqueci.” Nem José Rosa.

Quando entro no carro, falo-lhe da conversa matinal com Joaquim Gomes. Ainda não lhe disse nada, nem sequer soletrei a palavra Espanha, e ele atira sem pestanejar: “Falou-lhe do bidon, foi?” Abano a cabeça de cima para baixo e José Rosa lança uma gargalhada das dele (é a mais divertida da Volta, garanto-vos) antes de meter uma abaixo. A corrida começa cedo e há uma fuga massiva de sete ciclistas. Um deles é o número 111 do Amore&Vita, o mais empertigado de todos. Saca sei lá quantas águas à nossa arca e, depois, ainda fura a roda de trás. José Rosa encosta à direita, Carlos Caetano sai já todo artilhado e muda-me aquilo em 16 segundos.

É uma proeza inacreditável porque a roda de trás é mais difícil que a da frente pelo canhão e porque só o carro do Amore&Vita tem uma roda de trás perfeita para o azarado – as rodas nos carros neutros são, passe o pleonasmo, neutras. Ou seja, têm de servir para qualquer bicicleta. Depende da mestria do mecânico em ajustar tudo o mais rápido possível. Que momento.

Como se isso ainda fosse pouco, e já capturados os fugitivos madrugadores, acompanhamos os últimos quilómetros dos favoritos à amarela. Primeiro com a fuga de Joni Brandão, depois com o contra-ataque demolidor de Raúl Alarcón. Repito-me: que momento, viver tudo aquilo à distância de um palmo é uma delícia.

Sabugal-Viseu

O mestre está lesionado. Carlos Caetano, o da mudança da roda em 16 segundos, tem de fazer análises em Lisboa. Deixa a Volta por um dia. Lá se vai o sotaque do Oeste. (E que sotaque, chi-ça. Quando fala pela primeira vez, faz-me transportar para a Lourinhã). Cruzo-me com José Rosa na linha de partida e pergunto-lhe quem é o seu ajudante. Estou à espera de todas as respostas, menos esta: “Ninguém, tenho de fazer tudo sozinho”. Brilham, os meus olhos brilham. E se?

E se eu fosse consigo? José Rosa arregala os olhos e ainda pergunta: “Mas quer vir?” Essa é boa. Se quero? Pois claro. Antes da partida, Joaquim Gomes apanha-nos antes do km 0, baixa o vidro e solta: “Arranjaste aí um compincha, ó Zé”. Começa a etapa, o carro neutro dois avança como se fosse um extremo e acontece Taça. Isto é, há dois fugitivos, ambos capicua (66 e 111). Um da Caja Rural, outro do Amore&Vita. O primeiro está salvaguardado pelo seu carro de apoio, o outro, para variar, não. O calor é imenso. Ainda e sempre. O que faz o 111? Pede água. O sinal é universal, basta um braço no ar com o bidon e lá vamos nós. Como a curva é para a direita, sou eu quem recebo o bidon. Estico o braço direito com a palma da mão virada ao contrário e contacto. Meto o bidon entre as pernas, desatarracho a parte de cima e despejo uma garrafa e meia de água de 33 cl. Fecho o bidon, bem fechado, e o José Rosa apita em sinal de ‘a refeição está na mesa’. Se a curva for para a esquerda, o José Rosa entrega-lhe o material. Se for para a direita, sou eu o sortudo. E não é que isso acontece uma, duas, três vezes? Hat-trick. À terceira, a moto da RTP até filma e tudo. Quando a minha mãe me envia um frame, o meu desabafo instantâneo é: “Apareci na tv”. Lindo.

Nesse pára-arranca de encher o bidon do insaciável 111, que é um Pierpaolo qualquer coisa tortellini spaghetti rosso, o José Rosa brinda-nos com uma memória se faz favor. Ele antecipa todas as curvas, lombas, subidas e descidas do percurso. E inclui histórias. “Olha, aqui nesta curva, um carro apanhou-me quase a jeito”. Então? “Eu fiz isto, ele fez aquilo, acabei sentado no chão”. E ri-se com graça. Sempre. E se contabilizássemos os ruidosos ‘ò Zé’ da assistência? Uyyyyy, isso dá pano para mangas. José Rosa vive em Viseu, então é um fartote de conhecidos a acenarem-lhe.

Dia de descanso

Viseu, dia de folga. Folga? Nem pensar, há um repasto de leitão para desbastar, no Solar do Vinho do Dão. Antes, o momento solene do dia, com a apresentação do livro “O sonho é o princípio da conquista”, de Paulo Rocha e Fernando Lebre, sobre a vida de Rui Sousa, ciclista retirado em 2017.

E o que há a dizer sobre Rui Sousa? Uyyyyyyy, tanta coisa. Nem cabe na internet, estamos a falar de um personagem único. Ainda nem o vi uma única vez e já senti a sua aura. O seu nome é falado em todos os cantos da Volta. É ele um dos convidados da organização, encarregue de levar os convidados dos patrocinadores da Volta do ponto da partida até à chegada no meio do pelotão. Inesquecível, imagino. Com o Rui Sousa ao volante a contar histórias naquele sotaque carregado de Barroselas é uma experiência do além. Todos os convidados se rendem à evidência, e até há quem o convide para prolongar o dia com um jantar pela noite dentro. Génio e figura, Rui Sousa. No lançamento do livro, as lágrimas escapam-se-lhe. Naturalmente. O elogio de Joaquim Gomes é XXL, a respeito de uma épica vitória de Rui Sousa na Torre em 2014, então com 38 anos de idade. “Foi a única vez que cruzei a meta com a cabeça à mostra no tejadilho do carro, porque eu sentia-me o Rui Sousa naquela hora.”

Sernancelhe-Boticas

Leitão fixe, Rui Sousa porreiro. Chega de folgas, zimbora para a estrada. Marinho organiza a excursão, juntamente com José Soares. Quem? A voz da Rádio Volta. Juntos, combinam a minha etapa dentro do carro do presidente dos comissários, conduzido pelo Major. Que salgalhada. Mesmo. O presidente dos comissários chama-se Martin Bruin, é um indivíduo designado pela UCI (União Ciclista Internacional), holandês de 68 anos de idade (a reforma é aos 70), alto, cabelos brancos, infinitamente bem disposto. Mal entra no carro e o relembram da minha presença, pede-me 100 euros.

O início soft permite piadas sem parar, o carro é uma galhofa que só visto. Martin é altamente descontraído, abre a janela para tentar dar high fives aos populares e soltar bom dia a toda a gente. À falta de pessoas, naquelas paisagens mais da natureza, Martin saca das inseparáveis batatas fritas e coca-cola. De vez em quando, lembra-se de mim e pergunta ao Major: “O el convidado ainda está aqui?”. Presente. Ainda mais no momento em que há uma queda, é o 164. O nosso carro trava ligeiramente, o de trás já não vai de modas e baaaaaaam. A nossa traseira está desfeita e vamos o resto da etapa a ouvir uma música diferente, menos quando viramos à direita, onde o som matreiro desaparece. De uma assentada, duas situações impensáveis: o da queda de um ciclista à minha frente e o do choque entre carros. Eu bem disse há uns páragrafos, isto é corrida de bicicletas e também de carros. Fan-tás-ti-co. Para mim, claro. Para o carro nem tanto.

Quando a etapa acelera, José Soares dá corda aos sapatos. Que é como quem diz, actualiza toda e qualquer informação via Rádio Volta, audível para todos os carros e motos da corrida, através de indicações dos motoqueiros na frente da corrida. É um trabalho colossal e é feito com a maior das calmas, sem atropelos nem equívocos linguísticos. Tudo dito em português, francês e inglês. Por esta ordem. O 88 é quatre-vingt-huit, eighty-eight, o pelotão é peloton, bench e por aí fora. Nos últimos dez quilómetros, José Soares não se cala um minuto. Mesmo, é um debitar de informação sem parar. O ciclista com uma roda furada, o fugitivo assim, o fugitivo assado, o pelotão cozido, é só coisas a acontecer e José Soares mantém a voz mais plácida da história. O el convidado está espantado com toda a magia. E de barriga cheia com a oferta das batatas fritas de Martin.

Montalegre-Viana do Castelo

Acácio da Silva é um ícone do ciclismo português. Antes, muito antes de correr a única Volta a Portugal da sua carreira já é um nome incontornável do nosso contentamento por ter vestido a camisola amarela do Tour e a rosa do Giro. Craque. Natural de Montalegre, lança o seu livro à partida para a sétima etapa. Quando apareço para assinar metaforicamente o livro de ponto com uma t-shirt, Joaquim Gomes atira-me: “Nunca vieste a Montalegre, pois não? Está visto que não conheces o Verão de Montalegre”. Certo, certíssimo. A paisagem é belíssima, a fronteira com Espanha e uma das entradas para o Gerês ali à mão de semear. O problema é o frio. Pela primeira vez na Volta, faz frio. E eu de t-shirt. Joaquim Gomes desbobina mais uma história. “Houve aqui uma chegada da Volta em que estava tanto frio, tanto frio, tanto frio e chovia tanto tanto tanto que alguns seguranças entraram em hipotermia e não foi possível realizar a cena do pódio”. O presidente da câmara faz que sim com a cabeça e até vai mais longe. Mesmo. “Tive de entregar os prémios no dia seguinte, em Boticas”.

Marinho. Já não falávamos dele há uns 3000 caracteres. Pois bem, ele planeia-me uma etapa dentro do carro de uma equipa. Como o do FC Porto está sempre cheio (Quintanilha é sempre o acompanhante de Nuno Ribeiro), embarcamos no da Efapel. O mestre de cerimónias é o director técnico Américo.

Olho para ele e pergunto: Américo Silva, o da Artiach? Pronto, está o circo montado. Américo Silva é um dos históricos dos anos 90. Um ano há em que só há dois portugueses lá fora: Américo e Acácio. No carro amarelo da Efapel, a companhia de Américo é fantástica pelo desbobinar de histórias do pelotão em Espanha, sobretudo aquelas relacionadas com Miguel Indurain. “O homem era um fenómeno, muito à frente. Às vezes, calhava a Artiach dormir no mesmo hotel da equipa dele e aquilo era só adeptos dele. Mas adeptos, adeptos. Não era um, três ou cinco, aquilo era às dezenas. E todos cantavam Mi-gu-el sem parar.”

Américo pára de falar e dá instruções à equipa via-rádio. Nem sempre se percebe muito bem, porque os ciclistas andam a alta velocidade e falam sem proteger o microfone. O que até é normal se os acompanharmos bem de perto numa descida, onde o ponteiro do carro chega aos 80 km/h – numa subida complicada, o mesmo ponteiro esmifra-se todo para chegar aos 15. Aqui se nota o esforço inacreditável dos bravos do pelotão. Dada a táctica, Américo Silva volta a falar dos bons velhos tempos em Espanha e até antes. “Fiz parte da última equipa do Sporting no século XX, em 1987. Primeiro era Sporting, depois juntou-se a Vitalis. O presidente era o Amado de Freitas e a nossa equipa tinha Marco Chagas, Manuel Zeferino e Adelino Teixeira. Estes dois últimos vieram do Lousã-Trinaranjus, como eu.”

Novo pause na conversa, porque a fuga da Efapel é anulada pelo Porto. Está aberto o abastecimento e Américo Silva parece aquele homem a lançar dez bolas ao ar sem as deixar cair, tal a destreza em conduzir sem bater em ninguém, seja ciclista, outro carro ou moto, enquanto dá bidons com água e sais mais barras energéticas aos ciclistas. É um pára-arranca bizarro e Américo continua a falar como se nada fosse. Ah e tal o Indurain, ah e tal a Efapel, ah e tal a Vuelta, ah e tal o Armstrong, ah e tal o Pantani. Classe. A chegada a Viana é a mais entusiasmante de todas. O mar de gente à espera dos ciclistas é interminável, tanto cá em baixo como lá em cima, em Santa Luzia.

Barcelos-Braga

Nelinho. Ainda não falei deste senhor. Chama-se Manuel Guimarães e é de Fafe. Que incoerência, Guimarães e Fafe, tsss tsss. Seja, é a irredutibilidade do Minho. O senhor anda de moto e é ele quem vai à frente de todos para assinalar a marcha em rotundas, curvas acentuadas e afins. Com a bandeira amarela agitada para o lado apropriado, Nelinho dá cor à Volta. Quando Marinho inventa de me meter numa moto, Nelinho é o cara. Tudo bem conversado na linha de partida: vou com a dupla fantástica José Rosa-Carlos Caetano (bem-vindo de volta) até um certo ponto, depois meto um capacete e vaya con dios.

Meu dito, meu feito. A 40 quilómetros da meta, depois de uma meta volante em Ponte da Barca, o carro neutro dois encosta à direita e cá vou eu. O início é feio. Meto o pé esquerdo no apoio, demoro a passar o corpo para o lado de lá e é ouvir o Nelinho ‘não faça isso, nãããããããão’. Se não fosse trágico, seria cómico. Joaquim Gomes, sempre ele na hora agá, estaciona ao nosso lado. A moto é endireitada sem ajuda exterior e eu lá consigo sentar-me. Desculpo-me ao Nelinho com um “só tinha andado uma vez de moto”. E ele nem disfarça: “Uma? Pelo que vejo, nenhuma. Isso sim”. ‘Tá bonito ‘tá. Avançamos rumo à meta, Braga é o nosso destino com a subida ao Sameiro.

Pormenor: estou agarrado a não sei o quê. A mão direita está quente, perto de alguma turbina qualquer, e a esquerda agarrada à caixa de correio atrás de nós. Numa paragem técnica para falar sobre os cuidados a ter para o resto da etapa com gente séria, o Luís Carimbo (outro personagem) olha para mim e ensina-me a meter as mãos nos apoios metálicos por baixo de mim. Ah-ha gotcha, assim sim. Muito mais confortável, sem as costas aos esses. Joaquim Gomes, ao lado do Luís, quer falar comigo, só que não consegue. Simplesmente não dá, escangalha-se a rir sem parar só de olhar para mim. Imagino a minha figura, não o critico. Nelinho dá ao pedal, por assim dizer. E começa a fazer-me perguntas. “Então você é Tovar? Alguma coisa ao Rui Tovar? A sério, seu pai? Era um senhor de olho azul, não era? E o cabelo era mais curto que o seu? Ahhhhh, conheci-o bem, bem. Gente boa.” Cruzamo-nos umas 20 vezes durante a Volta, a maior parte delas no pequeno-almoço, e é agora, em cima da moto, que esgrimo argumentos da minha vida com Nelinho, em plena Falperra.

Adenda: há a corrida de ciclista, a dos carros e agora a das motos. São muitas no asfalto. A dos fotógrafos, a dos câmaras da RTP, a dos comissários e a dos fugitivos. Todas, sem excepção, levam duas pessoas. A última, relacionada com as fugas da etapa, tem Rita Teixeira na parte de trás a segurar uma ardósia mais o giz para assinalar o tempo de avanço sobre o pelotão. A menina da ardósia é da Lourinhã, só para que saibam. Adiante, o andar de moto à pendura não tem nada que saber, é só deixar-se ir para a direita e para a esquerda conforme o andamento. Nos primeiros quilómetros, muitos, diria eu, há alguma tensão. Depois, é ir e pronto. Nelinho dá o toque, “estás melhor agora, mais solto, vamos até ao fim”. E vamos. Deixamos o pelotão passar duas vezes por nós e ultrapassamo-lo a abrir, sem tempo para ver caras ou dorsais. É tudo muito rápido.

Como a história de Nelinho na Volta. “Estou aqui há 36 anos”. Faço contas à vida: tinha cinco anos. “Comprei uma Kawasaki e fui ao café de sempre nessa noite. Um amigo meu viu-me e perguntou-me se não queria participar no GP Minho, que era preciso uma pessoa com moto. Olhe, fui. E gostei. E continuo a gostar. Tanto que até o meu filho também anda aqui.” E, de facto, passamos por ele na última rotunda antes da recta da meta, também cheia de gente de todos os lados.

Felgueiras-Sra da Graça

A minha t-shirt é amarela, a assinalar a primeira vitória de sempre de Ayrton Senna na F1, curiosamente em Portugal (Estoril-1985). É um capricho. Meto a mala dentro da mochila e saco sempre a primeira coisa palpável. Hoje é Senna, amanhã ainda é uma incógnita. No pequeno-almoço, Joaquim Gomes cumprimenta-me e “olha, foi o ano da minha primeira Volta”. Na linha de partida, Vanessa Fernandes intromete-se na conversa entre mim e a mãe dela para atirar “olha, foi o ano em que nasci”. A t-shirt tem boas vibrações e vai subir connosco até à Senhora da Graça, no carro dos cronometristas. Também os há de moto, só que já chega desse tipo de emoção.

Encostado à esquerda, no banco de trás, tenho Augusto à minha frente e Pedro na minha diagonal. Um conduz, estilo Carlos Sainz, o outro cronometra e anota todos os detalhes entre fugas, abastecimentos, furos, etc e tal. A sua missão é chegar às metas (volantes mais montanha) à frente de toda a gente para se colocarem em cima da meta e filmar/anotar os primeiros três, cinco, oito, dez, conforme a situação. A tarefa é tramada em dias de sol e de espera. Como este. Lá em cima, está uma tosta. E há sete fugitivos. Num prémio de montanha da primeira categoria em que se contam os primeiros dez classificados, têm de esperar por mais três para arrepiar caminho antes do pelotão, senão é o cabo dos trabalhos para fintar a malta toda numa estrada aos esses e chegar à meta seguinte na frente.

Quando faço a pergunta básica do há quanto tempo fazem isto, a resposta do Augusto desarma-me: mil-nove-e-setenta-e-um. Faço contas à vida: tinha menos seis anos. Os meus pais ainda nem sequer se tinham conhecido. É que 1971 é uma barbaridade de tempo, estamos a falar do ano em que Joaquim Agostinho veste a amarela desde o primeiro dia e nunca mais a despe (imita Alves Barbosa 1951). Dois anos depois, conta Augusto com indisfarçável orgulho, “o Agostinho ganha uma etapa mítica entre Abrantes e Figueira da Foz, deu um avanço de nove minutos, acho, e nunca mais ninguém se aproximou dele para roubar a amarela”. Pudera. Outra, de volta a 1971: “Foi o último ano em que a organização não tinha hotel marcado nos fins das etapas; a gente chegava e tinha de procurar onde dormir. Houve uma etapa que acabou em Alcains e não havia alojamento de todo, então dormimos na rua. Protestámos e tudo melhorou no ano seguinte, tinha de melhorar para haver condições de continuar, senão…” Pois, imagino.

A etapa é um hino. Porque vejo mais camisolas do FCP do que no Dragão em dia de jogo. Sobretudo em Felgueiras e Lixa. Só azul em todo o lado, de vez em quando salpicado por uma da Juventus. Depois, a subida à Senhora da Graça é um mimo. Há pessoas a pernoitar há dois dias, tenda montada e tudo, para ver passar ciclistas durante 30 segundos ou menos. Há pessoas que desviam férias, há pessoas que marcam férias, há pessoas para tudo no sentido de marcar presença na etapa mais mítica da Volta. O ciclismo está-lhes na alma. E a cerveja, claro. Há montes de garrafas em fila indiana a marcar território e sede de vencer. Há mais garrafas que pessoas, atrevemo-nos a dizer. E os ciclistas? Só água. E muita, que isto de subir aquela inclinação é demais.

Fafe-Fafe

Último dia, último pequeno-almoço no hotel. Apanho Joaquim Gomes, finalmente. Despejo-lhe mil e uma perguntas. Pronto, está bem, só duas ou três. Uma delas tem a ver com Cayn Theaskton, o tal inglês vencedor da Volta 1986. “Era o ciclista mais descomplexado que vi, corria sem táctica.”

Então? “Andava muitas vezes na cauda do pelotão e nós é que o tínhamos de puxar para a frente. Quando vamos à cabeça do pelotão, o risco da queda é mínimo. No meio, é de 50%. Na cauda, é para cima de 75% e ele andava lá atrás, sem ligar à equipa. Que figura. Depois, estava sempre envolvido nas quedas mais estapafúrdias. Uma vez, num dia de muito calor, a malta estava a regar os ciclistas com água através daqueles garrafões de cinco litros. O Cayn estava a passar e pediu água, o homem pensou que ele estivesse a pedir o garrafão e atirou-lhe aquele peso todo para cima. Acertou-lhe em cheio no peito e caiu de imediato, como é óbvio. Outra dele, alguém do pelotão recebeu uma Coca-Cola do carro de apoio e, naquela altura, abríamos a lata com uma pancada seca na parte final do travão, junto ao guiador. Ora bem, o gajo falhou a pancada e a lata resvalou para o chão. Estávamos numa curva, a lata a descrever o seu trajecto e eu estava mesmo a ver que o Cayn ia mesmo bater de frente com a lata. Paaaaaam, a roda dianteira do Cayn corta mesmo a lata e ele foi por ali abaixo.” Eheheheh, é só histórias.

Último dia, ainda por cima contrarrelógio. Isto é, sem pelotão nem fugitivos. Que seca. Talvez já seja a ressaca a bater antes de tempo. Talvez. Adeus aos ciclistas, adeus à malta toda, adeus ao Rui Vinhas. Contra toda a lógica, o número cinco-cinq-five acaba a Volta. À quinta etapa, ele bate na parte de trás de um carro da equipa israelita e só pára lá à frente. Por sorte, não é atropelado pelo mesmo carro. Desmaia, obviamente. Chega a equipa médica com uma maca. A desistência é certa, sem o seu conhecimento (a queda é valente, continua desmaiado). Está o homem na maca, pronto para o afivelarem, quando se lembra de acordar. Cheio de sangue, com a camisola quase toda rasgada na parte de trás, pede a bicicleta. Hein?!

Isso, pede a bicicleta. Estamos no km 66, ainda faltam uns 100. E ele quer chegar ao fim, com um traumatismo craniano. É de loucos. Quando chega ao pé do pelotão, Alarcón ampara-o, Marque também. O dia seguinte é o de folga, Rui Vinhas retempera as forças. Na sexta etapa, Rui Vinhas apresenta-se todo engessado, ao jeito ‘penso, logo existo’. O homem é de ferro. E distribui sorrisos à malta toda. Os ciclistas curvam-se perante ele, uns nesse dia, outros nos dias seguintes. Há quem o abrace e lhe peça desculpa por não ter dito nada nos dias anteriores. Quem anda ali no meio do pelotão, a menos de cinco minutos da partida ficticía, não tem olhos a medir. É uma terapia, ouvi-los a falar com Rui Vinhas. No último dia, a dinâmica mantém-se. Em menor escala, claro. Rui Vinhas acaba o contrarrelógio e vai logo ter com a família, na linha de partida. Apanhamo-lo junto da mulher e do filho em amena cavaqueira. No meio deste cenário familiar exemplar, uma voz feminina interrompe a beleza do momento e canta Riiiiiibeeeiro Cristóvããããoooo como o jingle da Rádio Renascença na minha direcção. Os amigos dela riem-se e dizem que não, que não sou o filho de Ribeiro Cristóvão. Há ali um momento engraçado de incerteza, à procura do nome do meu pai.

Arrepio caminho e entro no carro de José Santos, director técnico do Boavista, para o último acto da Volta, o contrarrelógio de João Benta. Durante 20 minutos, é vê-lo a pedalar para segurar um lugar no top 5 na geral e ouvir o treinador a dar a táctica por megafone entre uma série de vamos, ‘tás bem, levanta-te, senta um pouco, antecipa a curva, corta já e falta pouco. José Santos é uma figura, ligado à Volta há mais de 30 anos, tanto a correr como a escrever (jornalista do Comércio do Porto) e a dirigir. “Fiz duas voltas como ciclista nos anos 80 e, numa delas, dormíamos em beliches dentro de um camião.” Como? “É como lhe digo, em beliches dentro de um camião; houve uma noite, em que dormimos num hotel cinco estrelas, debaixo das bancadas do Estádio do Bonfim, em Setúbal.” É uma pena, o fim do contrarrelógio, 20 minutos é pouco para rir com José Santos. “Uma vez, estava tão desidratado que pedi um bidon emprestado e estava só com um dedo de líquido; era uísque e disseram-me que acabei a etapa aos esses.” É pena mesmo, fica para a próxima.

Bem, está na hora de arrumar a trouxa. Obrigado ao senhor Jorge, outro elemento crucial da organização, outro do Oeste. Se não fosse ele, a minha trouxa ainda hoje estaria em Setúbal no meio da Luísa Todi a comer sardinhas sem parar. Embarco para Lisboa na companhia de José Soares. Isso mesmo, levo comigo a voz da Rádio Volta. Passamos o tempo a ouvir o relato dos golos de Bas Dost no Moreirense-Sporting, o ouro de Nélson Évora em Berlim e a recordar os nomes das equipas de ciclismo na Volta de tempos idos, como Ruquita-Feirense, Fagor-Mercier, Bic, Macieira, Tavira-Sylber, Sporting-Raposeira, Ajacto-Morphy Richards, FC Porto-UBP, Salgueiros-Comax, Zahor, Seur, Artiach-Nabisco, Brescialat, LA Pecol, Maia-Cin, Benfica-Winterthur. Uauuuuu.

Nuno Almeida, o condutor, é o autor desta última. “Fazia parte da equipa, já não como corredor.” Ah sim, e o Vale e Azevedo? “Ele ia aos treinos uma vez ou outra. Ganhámos a Volta em 1999 e, depois, não houve investimento no ano seguinte.” E trinco uma mão cheia de batatas fritas. Ya, sinto-me profundamente enraizado na tradição da Volta.

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