Nuno Martins. ‘O massagista da Académica era o Mão de Pilinhas, porque o do Benfica era o Mão de Pilão’
Calma, respirar fundo e cá vai disto. O contacto é-nos facultado por Tomé, um histórico do Sporting com vida estabelecida em Setúbal. Quando chega ao Bonfim para entrevistar Félix Mourinho há uns anos, o bom do Tomé fala-me de um senhor carismático, a viver em Setúbal e cem por cento da Académica. Segreda-me só isto: “vai ser a sua melhor entrevista de vida.” É o suficiente. Quer dizer, a dica e, já agora, o número de telefone.
O contacto é imediato, a amizade também. Nuno Martins é um perfeito desconhecido para qualquer dono da bola e isso é um facto inaceitável. Porque é treinado por Cândido de Oliveira na Académica. Porque joga com Mário Wilson na Académica. Porque joga com Eusébio no Sporting Lourenço Marques. Porque treina Eusébio no Sporting Lourenço Marques. Porque aconselha Eusébio ao Sporting Clube de Portugal. Porque treina Mourinho no Comércio e Indústria. Porque vê cabritos do Ronaldo ao Vitória. Por tudo isso, e muito mais, Nuno Martins tem de fazer parte do futebol nacional. Sem demoras, aqui vamos.
Que comecem os jogos. Nome e idade, se faz favor?
Nuno Martins, 82 anos de idade.
Oitenta e dois?? Tem mais que eu. Mais que o dobro, quero dizer.
Eheheheh, é assim. Nasci a 8 junho 1934, em Coina.
Espectáculo. E jogou futebol onde?
Na Académica, ó meu amigo. Entre 1953 e 1957, sempre na 1.ª divisão.
Uyyyy, a Académica. Isso é uma boa escola.
Nem imagina, ó amigo Rui. Aquilo só visto. Era uma descontração, uma tranquilidade. Jogávamos, estudávamos e frequentávamos aquela bela cidade.
Estudavam?
Sim senhor, todos os jogadores estudavam. Quer dizer, quase todos. A esmagadora maioria.
O Nuno estudava o quê?
Geologia, na faculdade de ciências.
E acabou o curso?
Fiquei vacinado com a Académica e tão encantado com a vida em Coimbra que nem acabei o curso.
Isso acontece aos melhores, sabe?
Eheheheheh, comigo foi mesmo assim. Aquelas quatro épocas em Coimbra foram tão maravilhosas que nem acabei o curso. A vida que transpirava naquela cidade, ai ai. Nunca conheci um ambiente assim. Só em cafés, havia uma coleção deles belíssimos, onde dava gozo entrar e estar com qualquer um.
Cafés?
Sim, o café da montanha, o do largo da igreja ou o arcádia, mais conhecido como o café dos teóricos. E, claro, havia ainda as tascas na Baixa. Era uma delícia, a vida.
E o futebol?
Também, meu amigo. Grandes épocas, com o Cândido de Oliveira a treinador. Que homem, que senhor, que estratega. Ele era tudo e mais alguma coisa.
Xiiiiiii, Cândido de Oliveira é grande. Génio e figura. É mesmo assim como o pintam?
E mais ainda. Só lhe dou dois exemplos. Uma vez, o Jorge Humberto, lembra-se dele?
O tal que jogou no Inter do Herrera, ao lado do Luis Suárez?
Esse mesmo. Era veloz. Um belo dia, ele cai a meio de um jogo e não se levanta tanta era a dor. O primeiro a chegar é o massagista, o Guilherme. Chamávamos-lhe o Mão de Pilinhas, veja bem.
Então isso faz-se?
É para ver a balbúrdia daquele tempo, eheheheh. Não consigo parar de rir. Era o Mão de Pilinhas, porque o massagista do Benfica era o Mão de Pilão. Vai daí, toma lá esta alcunha. Pronto, vou parar de rir. O Mão de Pilinhas entra e vê que aquilo do Jorge Humberto é assim para o grave. O segundo a chegar é o Cândido de Oliveira. Com muita calma, sem alaridos nem nada, tira um lenço do bolso, mete na boca do Jorge Humberto e pede-lhe para aguentar. A lesão era ali na perna, quase quase junto ao joelho. O Cândido prepara-o para a dor e, de repente, dá uma guinada e puxa a perna para dentro. O lenço deve ter ficado rasgado, tal era o esgar de dor do Jorge Humberto. Só então é que o meteram na ambulância e levaram-no para o hospital. Quando chegou lá, o médico de serviço viu aquilo e perguntou ‘quem é que fez isto à perna do Jorge Humberto?. Foi o Cândido. ‘Não teria feito melhor.’ Era assim o Cândido.
O Cândido deixou marca. Quem ocupou o seu lugar, se é que me entende?
Ele mesmo disse, em voz alta: ‘o meu discípulo é o Fernando Vaz’. Uma vez, vim de Moçambique e aterrei aqui. O Fernando Vaz, então a treinar o Vitória, alegra-se por me ver e começa a contar as novidades. Às tantas, diz-me ‘tens de vir ao treino, tenho ali um jogador para te mostrar. Ele tem uma corrida, uns reflexos e um toque de bola. Vais ver, vais ver. Contratámo-lo ao Palmelense.’ Fui lá e vi-o. Sabe quem era?
Errrrrr.
Octávio Machado.
Disse duas histórias do Cândido, ainda falta uma.
Bem sei, bem sei, aqui vai ela. Esta é mais desportiva. É na época do Benfica do Otto Glória, que chegou, profissionalizou o clube e ainda o meteu a jogar no 4-2-4, a tática que então se usava no Brasil. Ora bem, o Cândido viu jogar o Benfica em Évora e pensou ‘também consigo jogar assim’. Na jornada seguinte, era o Académica-Benfica e o Cândido preparou-nos para o jogo com base no 4-2-4.
Quem jogava nessa altura?
Na baliza, Orlando Carvalho Ramin. Na defesa, eu à direita, Melo à esquerda, Corina e Carola no meio.
Corina e Carola, isso são desenhos animados?
Eheheheheh. O Corina é o Mário Wilson, o Carola é o Mário Torres.
Mário Wilson. O Nuno jogou com o Mário Wilson?
Ai sim, sim. Muito. E bem.
Como era ele?
Metia a bola onde queria desde a defesa. E metia-a de uma maneira muito própria. Repare: toda a gente sabe que se nos inclinarmos muito para trás, a bola sai pelo ar, totalmente desgovernada. O Mário Wilson, não. Jogava quase sempre inclinado e as bolas saíam-lhe rasas, perfeitas para os extremos.
E como pessoa?
Era um companheirão. Discutia problemas que não lembram ao diabo, sempre bem-disposto, muito educado, vivo, cheio de humor. Os irmãos também estavam em Coimbra: o Guilherme Oliveira jogava nas reservas da Académica e o Henrique era basquetebolista, também da Académica.
Voltemos ao 4-2-4 do Cândido de Oliveira. Ia passar para os dois do meio-campo.
Pois sim, era o Chico Abreu e o Gil. De vez em quando, o Malícia.
Na frente…
Duarte à direita, Bentes à esquerda, Chico André no meio, com o Pérides.
Conheço alguns nomes, poucos. Como era o Nuno?
Certinho, eheheheheh. Raramente me aventurava, só quando estávamos a perder e ia lá para a frente nos últimos minutos em lances de bola parada. Regra geral, sobretudo quando jogava à esquerda, fazia jogadas com o Bentes.
Como?
Cortava-lhe a bola e aquilo saía bem, ela a ganhar velocidade até à linha final. Aí, aparecia as fintas do Bentes. Era uma equipa bem boa, sabe. Jogávamos bem, para a frente, sem medos. Há três regras para jogar futebol bem: receção, controlo e passe. Nós encurtávamos a teoria, era só receção e passe. Fazia de nós uma equipa temida em qualquer campo.
Só para acabar este tema, qual é o resultado desse Académica-Benfica, em que as duas equipas jogaram em 4-2-4?
Ao intervalo, 0-0. Na segunda parte, marcámos pelo Duarte, 1-0.
É a sua melhor recordação?
Essa é um jogo inesquecível em Braga, na época 1955-56. A Académica arriscava a descida de divisão e o Braga apresentava uma equipa melhor que a nossa mas o trajeto de autocarro para o estádio foi decisivo. O treinador Cândido disse-nos que era o tudo ou nada e disse-nos para jogarmos homem a homem. Eu, como lateral-direito, apanhei com um argentino Garófalo pela frente. Um extremo fortíssimo no um para um, com atributos técnicos acima da média. Só não o acompanhei ao balneário, de resto.
E ganharam?
Sim senhor, 3-1. E sabe o que aconteceu depois?
Nem consigo imaginar.
O Cândido de Oliveira disse-nos que o prémio de jogo era umas camisolas de jogo com gola redonda, sabe? Naquela altura, era um luxo. Não se viam por aí. Eram todas em forma de v, sabe?
E isso foi o prémio de jogo?
Sim senhor. Eram outros tempos, está a ver?
Está bom de ver que sim. E mais recordações?
Uma vez, ganhámos 2-1 ao Benfica, no Campo Grande, com um golo do André a dois minutos do fim. Ainda hoje, guardo uma fotografia no final desse jogo com o Duarte, ainda equipados. Grande jogo, esse. Grande ambiente no estádio. E grande ambiente, o nosso, de camaradagem. Era fácil bater o pé aos mais fortes, quase natural. Naqueles anos todos em Coimbra, só não consegui ganhar nunca a uma equipa.
Qual?
FC Porto.
Então?
Não se explica, é assim e pronto. Talvez por isso, lembro-me do seu onze: Pinho, Virgilio, Arcanjo e Carvalho; Pedroto e Monteiro da Costa; Carlos Duarte, Hernâni, Jaburu, Perdigão e Teixeira.
Uau, isso é memória RAM. Então, e depois da Académica?
Fui jogar para Moçambique. Fiquei encantado com aquela terra e quis ficar. De 1958 a 1964, fui jogador, capitão e treinador do Sporting de Lourenço Marques.
Ah, então foi assim que se cruzou com Eusébio?
Sim, vamos lá começar a conversa a sério [risos]. Num determinado dia, ou melhor noite. Naquela altura, os treinos eram das 19 horas até às 22, 22 e tal. Estava eu a trabalhar com os três guarda-redes com bolas medicinais quando me aparece um seccionista do Sporting, de seu nome Vigorosa, a dizer “Estão ali cinco rapazes que querem treinar e vir à experiência. Um deles, já o vi jogar e é muito bom, um miúdo com uma habilidade nata, um fora de série”. Àquela hora, não dava muito jeito mas eram miúdos e devemos sempre dar-lhes uma oportunidade. Ok, disse eu, que calcem umas sapatilhas e vamos observá-los. Aparece então um miúdo magrinho, de 16 anos, e espantou-me a sua voz de líder. Perguntei-lhe o porquê ter aparecido só àquela hora e ele responde-me: “Bem, fomos ali ao campo do Desportivo [conotado com o Benfica de Lisboa, devidamente simbolizado com a águia] e não nos deixaram entrar.”
Porquê?
O treinador de juniores do Desportivo era um senhor chamado Mário Romeu, funcionário da embaixada italiana em Lourenço Marques, e certamente já tinha acabado o treino. Ter-lhes-á dito “não, hoje já não há mais nada para ninguém.” E o Eusébio, juntamente com os seus quatro amigos, saiu do Desportivo e entrou pelo portão do Sporting, onde estava eu a treinar os guarda-redes.
E depois?
Eles, os cinco, treinaram comigo e com os três guarda-redes. Fizemos um campo improvisado e jogámos uma peladinha, onde percebi que o Eusébio tinha uma habilidade acima da média. Disse-lhe logo ‘tu ficas no Sporting, podes ser inscrito’ ao que ele respondeu imediatamente ‘inscrevo-me eu não, ou nos inscrevemos todos ou não se inscreve ninguém’. A tal firmeza na voz aos 16 anos. Isto é muito importante. Não é para todos. Eu então disse ao Vigorosa para os inscrever a todos.
Desculpa lá mas vou repetir-me: e depois?
Aos 17 anos, o Eusébio já era um jogador feito. Chamei-o ao meu gabinete e perguntei-lhe se queria mais uma época nos juniores ou se queria saltar já para as honras, que era como se chamavam os seniores. Ele respondeu-me na hora: ‘Quero ir para as Honras.’ Pronto, o resto é história.
Não, não. Conte lá algumas histórias do Eusébio.
Os primeiros jogos foram verdadeiramente empolgantes. Ele tocava na bola e levava tudo à frente. Era um fenómeno. Marcava golos, assistia os companheiros, fazia todo o tipo de diagonais.
Jogava a que posição?
Interior-esquerdo. Sempre. E sempre com o número 10. Tinha cá um pé esquerdo. Mais habilidoso e potente que o direito. Com o passar do tempo, habituou-se a jogar mais com o direito do que com o esquerdo e isso permitia-lhe fazer todas as diagonais possíveis e imaginárias. Lembro-me de uma dele.
Onde?
Numa viagem às Maurícias, pela seleção. Em Lourenço Marques, só havia pelados. E nas Maurícias, o clima é marítimo, pelo que a relva era húmida. O Eusébio calçou umas chuteiras com pitons rasos e fez jogos extraordinários, sem cair uma única vez. Os locais estavam verdadeiramente espantados porque alguns deles ainda tropeçavam, escorregavam, caíam. O Eusébio não. Parecia um bailarino. E marcava golos. Na estreia pelo Sporting, ganhámos 4-1 e ele marcou logo um ou dois. A partir daí, começou a ser conhecido. E a lenda foi crescendo, crescendo, crescendo…
É aí que aparece o Sporting e o Benfica?
Não, não. Antes disso, há o Belenenses. Lembro-me perfeitamente que o Belenenses fez uma digressão por Moçambique e jogou com a seleção dos naturais. Quando chegou a Portugal, o mestre Otto Glória, treinador do Belenenses [e seleccionador de Portugal no Mundial-66], foi questionado pelos jornalistas portugueses sobre Eusébio, porque já se falava dele. Mas Otto Glória respondeu que “não, como Eusébio havia lá muitos.” Sinceramente, não percebi.
Terá Eusébio jogado mal nesse dia com o Belenenses?
Sim, não terá sido o Eusébio de sempre mas dizer que há muitos como ele… Essas reticências do Otto Glória fizeram com que o Sporting não apostasse logo no rapaz. Aliás, eu próprio, como treinador do Sporting de Lourenço Marques, recebi dois telefonemas do Sr. Fernando da Costa, chefe de departamento do Sporting Clube de Portugal, a perguntar-me se o Eusébio era, de facto, aquilo que se dizia na imprensa. Eu respondi sempre que sim, que o rapaz não enganava ninguém, mas do lado de lá disseram-me que ele não ia para o Sporting.
É aí que aparece o Benfica?
Antes de responder a isso, vou dizer-lhe uma coisa: um certo dia, estava eu a preparar-me para sair de casa em direção ao Campo João da Silva Pereira para mais um treino no Sporting, quando o Eusébio bate-me à porta. Foi lá despedir-se de mim, que já não iria treinar nessa quinta-feira. Até me lembro da frase dele: ‘Eu vou para o Puto’, como era conhecido Portugal. Eu questionei-o: ‘Mas então já assinaste, já falaste com a Direção” e ele respondeu-me ‘já, já’. E estava correto. A Direção estava ao corrente de tudo e o Eusébio desapareceu de cena. Antes disso, pedi-lhe uns minutos, fui a casa e ofereci-lhe um casaco-blazer que tinha comprado na África do Sul. Ele agradeceu e adeus.
E a teoria do rapto?
O que eu sei é que o Eusébio pernoitou na casa de um senhor chamado Vasco Machado, juntamente com o Major Rodrigues de Carvalho, que mais tarde acabou por ser Brigadeiro e Presidente da Assembleia Geral do Benfica. Ora o que se passou? Conta-se que esse Major foi à estação central dos Correios, Telégrafos e Telefones de Lourenço Marques, ao lado do Café Scala, na parte baixa da cidade, e emitiu dois telegramas. Um para o Sporting Clube de Portugal, a dizer “Eusébio segue navio motor, Príncipe Perfeito”. E outro para o Benfica. “Rute, segue avião hoje”. O que aconteceu? Enquanto o Sporting fez contas de cabeça sobre a viagem de barco, que atracava em Chelas, o Benfica foi buscar o Eusébio à Portela naquela noite de dezembro 1960. Nesse ano, fomos campeões.
Fomos, quem?
O Sporting de Lourenço Marques. Eu a capitão, o Eusébio a número 10.
Voltou a ver o Eusébio?
Sim, muitas vezes. Por exemplo, em 1963, quando o Sporting de Lourenço Marques ganhou o campeonato distrital, provincial e a eliminatória com o campeão de Angola, que lhe garantiu o direito de jogar a Taça de Portugal. E quem foi o nosso adversário? O Sporting Clube de Portugal. Viemos a Lisboa e fizemos os dois jogos. Perdemos o primeiro por 3-1, a ganhar 1-0 ao intervalo. Ficámos hospedados no Hotel Suíço Atlântico, junto ao Elevador de Santa Justa. E o Eusébio foi lá ter lá connosco, almoçar. Quem lá estava era o fotógrafo sr. António Capela, do “Record”. Por graça, vestimos o Eusébio com a camisola 10 do Sporting de Lourenço Marques e tirou-se uma fotografia. Eu aí disse-lhe ‘estás metido numa encrenca, se essa fotografia sai…’ e o Eusébio, já jogador feito e consagrado no Benfica, pediu então ao Capela para que a fotografia não fosse publicada. Dito e feito. Acordo de cavalheiros. Na segunda mão, outra vez em Alvalade, perdemos 4-2, mas esteve 2-1 e 3-2.
Vejo aqui pelo seu currículo que voltou a Portugal para treinar algumas equipas: Sintrense (1978-81), Comércio e Indústria (1982-85 e 1987-88) e Santiago do Cacém (1989)
Tudo aqui nas redondezas.
Alguma história desses tempos?
Interessa-lhe saber se treinei o Mourinho?
Hein, a sério?
Pois é, o Mourinho. Esse mesmo. Que jogava em pelados e fazia carrinhos a torto e a direito, como se aquela bola dividida fosse a última da sua carreira. Foi sempre um jogador apaixonante, vibrante. E um amigo. Sabe o que se passou no Comércio e Indústria?
Nem ideia.
Houve ali uns problemas com a Direção, nomeadamente com o presidente, que desautorizou-me. Ora, não admito isso e chegámos a acordo para eu sair. Estávamos a meio da época, atenção. Nessa noite de desalento, o Mourinho mais uns quantos jogadores, três ou quatro, mas o Mourinho como porta-voz, foi à porta de minha casa e pediu desculpa pela atitude do presidente. Pediu-me que eu não ficasse com a ideia errada de meter os jogadores e o presidente no mesmo caso, digamos assim. Claro que não. Claro que nunca pensei isso. Uma coisa é o presidente, outra são os jogadores. E estes portaram-se sempre bem comigo. Até na hora da despedida, como se vê. Bela atitude do Mourinho. Às vezes, cruzo-me com ele aqui e falamos bastante, trocamos ideias. Somos amigos e guardo essa despedida com muita satisfação.
Falava do pelado do Comércio e Indústria. Aquilo devia doer.
Nem imagina, meu amigo. Um carrinho ali é coisa para sair pele, sangue e sei lá mais o quê. Um dos momentos mais marcantes é a inauguração do relvado e da iluminação do estádio do Comércio e Indústria. Foi lá o Benfica, com Mortimore e Toni. Empatámos 2-2.
Dois-dois, grande resultado!
Sim, foi um feito bem bom. Estava 2-1 e eu na galhofa com o Toni, outro homem feito na Académica. De repente, a dois ou três minutos do fim, viro-me para o banco e faço entrar um moço chamado Paulo Pedro Vasconcelos. Disse-lhe ‘vais arranjar maneira de empatar o jogo’. E não é que ele faz mesmo o 2-2 em cima dos 90′? Que alegria imensa.
Bem, já só me falta dizer que também conhece o Figo.
O Figo não, conheci-o já numa fase adulta
E o Ronaldo?
Sim, esse sim. Lembro-me muito bem.
Nãããããããã.
Colaborava com o Setubalense, um jornal de Setúbal, e fui ver um jogo de juniores entre o Vitória e o Sporting ao Brechão, ali em Sarilhos Pequenos. Fui com o Juca [jogador e depois treinador do Sporting, ainda hoje o mais jovem a sagrar-se campeão nacional, em 1962, com 33 anos], e vi esse miúdo fabuloso. Nesse dia, ele jogou a extremo-direito e fez coisas com a bola como há muito já não via. Há muito mesmo. Aquela finta de ultrapassar a bola com os pés por cima e ir buscá-la lá abaixo. O famoso cabrito. Ou lambreta, como se diz no Brasil. O Ronaldo fazia cabrito sem parar. E com a maior naturalidade, sem acusar esforço nem sequer de forma desengonçada. Era o Ronaldo, o Cristiano Ronaldo. Espectacular.