Vasco Faísca. ‘Quando o Prince tocou em Alvalade, foi jogar basquetebol à nave e o Nuno Santos apanhou-o’
A propósito do Itália-Portugal no dia 17, entrevistámos o português com mais anos de Itália. Ao todo, 13 épocas e meia distribuídas por seis clubes
Prepare-se para a monotonia: derrota, derrota, derrota, derrota, empate, derrota, derrota, derrota, derrota, derrota, derrota, derrota. Hum? É o currículo dos jogos de Portugal em Itália: um empate, sete derrotas e 6-32 em golos. Ouchhhh, até dói.
Prepare-se para a monotonia: Itália, Itália, Itália, Itália, Itália, Itália, Itália, Itália, Itália, Itália, Itália, Itália, Itália e Itália. Hum? É o currículo de Vasco Faísca, o português mais italiano de sempre, com 13 épocas e meia divididas por seis clubes (Vicenza, Pádua, Ascoli, Matera, Maceratese e Virtus Francavilla). Nascido em Faro a 27 Agosto 1980, faz-se ao piso como jogador do Farense. Segue-se o Sporting, no segundo ano de juvenil, em 1996. É campeão europeu sub-18 em 1999, na Suécia. A conquista vale-lhe a promoção à equipa principal do Sporting na pré-época 1999-2000. Divide a época entre Alvalade e Lourinhã antes de se transferir para o Inter Milão, juntamente com Caneira e Paulo Costa.
Prepare-se para o regabofe. “Se é para falar de Itália, tem de ser num italiano para sentir o factor casa.” Seja feita a sua vontade. No Forno d’oro, onde a “vera pizza napoletana” dá cartas. Sentado ao fundo da sala, Vasco Faísca, adjunto de Vasco Matos no Vilafraquense (série C do CNS), saúda-nos e dá o pontapé de saída.
Queres pizza? Se sim, prova a diavola.
Siga a marinha.
Vim cá só uma vez e percebi logo que as pizzas são iguais às de Itália. É mesmo a vera pizza napoletana, a massa ligeiramente alta e tal. É do melhor. E basta olhar para o restaurante para se perceber isso.
Então?
Só se ouve italiano. La lengua del amore. Diz António Damásio, o neurocientista. De acordo, é mágico
Ahahah. Percebes de que zona são as pessoas aqui ao lado?
[um dois três segundos] Uyyyy, claramente do Sul. Ela agora falou de uma maneira bem sulista.
Alguma vez jogaste no Sul?
Joguei mesmo no tacão da bota. Foi o meu último clube, o Virtus Francavilla.
E antes?
Maceratese. Fizemos 3.º lugar e fomos ao play-off. Perdemos 3-1 com o Pisa, treinado pelo Gattuso. Eles acabaram por subir à 2ª.
Vou repetir-me, e antes?
Matera, perto do tacão da bota. É uma cidade bem bonita. E original. Daí o título de património da UNESCO.
Porquê?
Chamam-lhe Cittá dei Sassi. Sasso é pedra e o centro de Matera foi escavado na pedra. Vale a pena ir lá.
O que fizeram nessa época?
Fizemos 3.º lugar e fomos ao play-off.
E que tal?
Passámos o Pavia e fomos eliminados na meia-final pelo Como, nos penáltis: 1-1 lá, 1-1 cá. Marcámos sempre primeiro. Foi aí que apanhei um treinador formidável chamado Gaetano Auteri, dos seus 50-e-tal anos. Ele tem uma ideia de jogo bem definida, o 3-4-3 com pressão alta e nós jogávamos pim pam pum [Vasco lança as mãos para a esquerda e para a direita]. É conhecido como Special One da Floridia, de onde ele é.
É o melhor que apanhaste em Itália?
Sim, adorei jogar com ele.
E o melhor da carreira?
Carlos Pereira. Como treinador, pessoa e condutor de homens. Disse-lhe isso mesmo ao telefone, há umas semanas. O Carlos é excepcional: exigente, ponderado e divertido na hora agá. Sempre.
Apanhaste-o onde?
Sporting. Foi o meu primeiro treinador, em 1996-97. Qualificámo-nos para a fase final do campeonato nacional de juvenis, só que houve ali um erro administrativo que nos afastou. O Sporting assinou contrato com um miúdo de 15 anos e a lei diz que só pode ser a partir dos 16. Fomos eliminados na secretaria e jogámos dois torneios, um em França, outro em Espanha. Ganhámos os dois. O de Espanha tinha Atlético Madrid e Celta Vigo, duas equipas com história na formação. Nós estávamos todos de corpo e alma com o Carlos, ele era especial. Depois, apanhei-o como adjunto do Rui Palhares nos juniores. Respect.
Subiste aos seniores do Sporting?
Foi o ano do Materazzi. Ele falava e o Venâncio [adjunto] traduzia para quase toda a gente.
Quase?
O Ayew, que falava sei lá quantas línguas, traduzia para o Schmeichel.
Eischhhh, o Schmeichel.
Ah pois, sentava-me ao lado do Peter. Eu, Schmeichel e Nuno Santos.
Eischhhh, o Nuno Santos.
Um personagem. Jogou basquetebol com o Prince.
Hein?
Quando o Prince foi tocar a Alvalade, ele quis jogar basquetebol na nave para descontrair. O Nuno Santos apareceu e o resto é história.
E tu, basquetebol com alguém famoso?
Nada. O único que apanhei foi o Bono. Quando os U2 passaram por nós na nave, chamámos pelo Bono e estendeu-nos o polegar. À boss.
E mais histórias do Sporting?
Uma vez, o Leonel Pontes ia a sair e apanhei-o sem querer. O Leonel é impecável, gente mesmo boa. Perguntou-me se queria acompanhá-lo.
E tu?
Claro que sim. Fomos ao aeroporto. Sabes apanhar quem?
Nem ideia.
Cristiano Ronaldo.
Sério?
Verdade. Já era considerado um puto maravilha. E o Leonel era madeirense como o Ronaldo.
Jogaste na equipa A do Sporting?
Fui uma vez ao banco, com o Viking, para a Taça UEFA. É a estreia do Inácio.
E depois?
Lourinhanense, a minha segunda época.
Com quem?
Começou Ivkovic, depois Fernando Mendes, finalmente Damas.
E a primeira época?
Jean Paul. Lembro-me que marquei um golo em Peniche, com o pé direito. Tauuu [e bate a palma da mão com a outra mão a rir-se que nem um perdido]
E a transferência para o Inter?
Em 2000, depois da conquista do Euro sub-18 no ano anterior.
Jogaste lá alguma vez?
Nunca. Ainda me ligaram duas vezes a avisar que podia fazer a pré-época com a equipa principal, só que nada.
O que fazias então?
Fui emprestado ao Vicenza, então na Série A. Eu e o Kallon, um avançado esguio. Ele jogou, eu nem por isso.
Nunca?
Só uma vez, com o Milan. Estávamos a ganhar 2-0 e entrei aos 80 minutos, pouco depois do Bierhoff. No primeiro lance, elevo-me e antecipo-me ao Bierhoff. Está bom [Vasco junta as mãos como quem diz problema resolvido].
Espectáculo.
No final do jogo, levei a camisola do Maldini.
Deves ter imensas.
Assim de craques à séria, essa do Maldini, uma do Batistuta da Roma e outra do Baggio do Brescia. Autografada e tudo. Pedi ao Eddy Baggio, irmão dele que jogou comigo no Vicenza.
E mais do Vicenza?
O primeiro ano foi penoso, triste. Tinha 19 anos e estava sozinho. A única alegria, além dos 10 minutos em campo com o Milan, foi neve. Sou do Algarve, a neve é-me inconcebível. De repente, neve. Que alegria, até liguei aos meus pais.
E a tua segunda época?
O Vicenza desceu para a 2.ª e joguei a primeira volta. Saiu o treinador que apostava nos mais novos e fui. Só me estabelecei a titular em 2002-03. Aí até o Scolari veio ver-me.
Hein?
Ya, o Scolari tinha assumido a selecção e ia estrear-se com a Itália, em Génova. Recebi a visita dele e fui pré-convocado. No dia da convocatória, um canal de televisão, acho que foi a SIC, ligou-me a dizer que sabia da minha convocatória por antecipação, para estar pronto e tal porque iam ligar-me no instante seguinte ao fim da conferência de imprensa do Scolari. Pus-me todo bonito, meti-me à frente da televisão, com o telefone ao lado, e nada. Ahahahah. Não fui convocado.
Ouchhhh.
Siga. A vida continua.
Sempre Vicenza?
Ao fim do quarto ano, em 2004, voltei a Portugal. Primeiro Académica com Nelo Vingada, depois Belenenses: Carvalhal em 2005-06, Jesus 2006-07.
E?
Entre não jogar na 1.ª divisão portuguesa e jogar na 3.ª italiana, preferi ir para o Pádua.
Xiiiii, a equipa do Del Piero.
E também do Alexi Lalas. Os dois têm lá posteres gigantes.
Pádua, fixe?
Subimos à 2.ª divisão, via play-off.
Jogaste?
Era o capitão.
Grande nível.
Até fui capitão um jogo no Platanias [1.ª divisão grega 2013-14]. Ao meu lado, Vasco Fernandes. A dupla de centrais era algarvia, ahahahah. Eu de Faro, ele de Olhão.
E depois?
Saí para o Ascoli, onde apanhei o Zaza.
O italiano do penálti para a fila Z no Euro-2016?
Esse mesmo. Estava sempre a dizer-lhe que ele era melhor que o Balotelli e ele ria-se timidamente. Era introvertido mas já se sabia que ia dar que falar. E foi para a Juventus.
E jogou com Portugal, na Luz, há um mês. O que dizer deste Itália-Portugal?
A Itália está como nunca se viu. Acredito na sua recuperação, porque é mesmo um país do futebol, só que está a passar um momento mau. Portugal está forte e todos jogam bem, os titulares, os suplentes e os suplentes dos suplentes.
in Sábado, Nov 2018