#3 Milan 1987-88
Helicópteros a rasgar o céu azul e o inconfundível barulho das hélices ao som da obra-prima “The Ride of the Valkyries” de Richard Wagner. É o Apocalypse Now? Melhor, é Silvio Berlusconi a apresentar-se oficialmente aos adeptos do Milan como novo presidente do clube.
Filho de um bancário e de uma secretária, criado numa Itália em reconstrução, após a espalhafatosa derrota na Guerra, o pequeno Silvio sonha com riqueza e poder. Domingo sim, domingo não, o pai leva-o pela mão a ver o Milan do trio de suecos Gre-No-Li (Gren, Nordahl e Liedholm).
Aos 18 anos, Berlusconi já é corrector de imóveis, profissão que divide com a de cantor (pimba, imaginamos nós) em cruzeiros pelo Mediterrâneo. Na Universidade de Milão, estuda Direito (por linhas tortas) e entra no negócio das empresas de construção. Funda a Cantieri Riuniti Milanese, em 1961, e a Edilnord di Silvio Berlusconi & Co., em 1963.
Aos 23 anos e à frente de uma equipa de jovens arquitectos, edifica dois grandes conjuntos residenciais nos arredores de Milão. Ainda hoje é acusado de charlatão pelas figuras mais influentes da sociedade italiana, como o realizador Nanni Moretti.
Silvio, esse, segue imperturbável. Ganha (má) fama e (bom) dinheiro. Nos anos 70, larga a construção e dedica-se à comunicação. Compra um canal de televisão de 1974 e expande o negócio no sector, com múltilplas emissoras através de uma rede de televisões locais, reunidas na empresa Mediaset. A programação é chapa cinco: concursos à Luís Pereira de Sousa e programas de entretenimento à Júlio Isidro. Em 1985, o governo francês concede-lhe a primeira rede privada daquele país, La Cinq.
Uns meses depois, Berlusconi adquire acções da Chain e Cinema 5. Em seguida, compra os Estúdios Roma. O céu é o limite. E lá voltamos nós aos helicópteros. No dia 20 Fevereiro 1986, faz uma oferta de compra ao Milan, o moribundo Milan, que passara duas épocas na 2.ª divisão e acumula dívidas infinitas, via má gestão do presidente “Giussy” Farina.
À porta do centro de estádio Milanello, há mais credores que jornalistas. A 23 Março 1986, confirma-se a compra do Milan por parte de Berlusconi. O treinador é o sueco Nils Liedholm, um dos integrantes do GreNoLi. A equipa já é capitaneada por Franco Baresi, que recorda as primeiras palavras do novo presidente: vamos ser os melhores do mundo. ‘Aquilo fez-me confusão. Aliás, fez-me rir. Tão só porque nem sequer éramos os melhores de Milão, quanto mais de Itália, Europa, mundo. Mas depois’
É isso. Depois, o Milan cresce. Berlusconi descobre Arrigo Sacchi. Costuma associar-se o ano 1986 àquele golo de Maradona à Inglaterra no Mundial do México. Para os milanistas (do Milan), que não todos os milaneses (de Milão), esse ano é memorável pelo slalom de um senhor chamado Silvio Berlusconi. Um ano depois, em 1987, o Milan perde duas vezes com o Parma na Taça de Itália. E ambas em casa, no Giuseppe Meazza. Na primeira, ainda para a fase de grupos, cortesia Fontolan (0:1). Na segunda, já nos oitavos-de-final, cortesia Bortolazzi (outro 0:1).
Nas bancadas, Berlusconi pergunta às pessoas que o rodeiam: “Como se chama?”, numa alusão ao treinador do Parma. “Arrigo Sacchi”, dizem-lhe. E contrata-o. Começa ali a lenda do Milan, quiçá a melhor equipa de sempre, ou então a equipa mais competitiva dos tempos modernos. De 1988 a 1990, os milanistas levantaram todos os seis troféus internacionais disputados: duas Taças dos Campeões, duas Supertaças Europeias e duas Taças Intercontinentais. Nunca um clube domina de forma tão avassaladora e perfeita durante dois anos.
O Milan de Sacchi é uma máquina condenada a vencer. Tanto pelo talento natural como pelo entrosamento desses mesmos talentos, ao serviço de uma missão superior: possesso di palla (posse de bola). Este Milan nunca joga contra ninguém, e si contra os seus próprios limites. O líbero Baresi, que mais parece um polícia sinaleiro de tanto levantar o braço para assinalar os foras-de-jogo dos adversários ou corrigir as posições da sua linha, mete os seus companheiros em sentido com um simples olhar, o lateral Maldini é a inveja de todos, o médio Rijkaard está sempre no sítio certo, o criativo Gullit é mais possante que qualquer outro e Van Basten finaliza sempre bem e cheio de estilo.
Todos abrem a boca de espanto com o futebol do Milan, porque Sacchi simplesmente abdica do catenaccio, estilo identificativo de Itália e elevado ao extremo por Trapattoni na Juventus. O 4-4-2 de Sacchi é infalível, com linhas compactas, defesa à zona, médios atletas e um avançado capaz das proezas mais indescritíveis. E é precisamente Van Basten quem mais desatina com estas tácticas. À primeira derrota da era Sacchi, o holandês critica publicamente o treinador. No jogo seguinte, Sacchi senta-o no banco: “Agora que estás aqui, diz-me o que está mal.” Ou como aquela vez em que Sacchi o corrige durante o treino e, já à hora de almoço, Van Basten o destrata com voz de bad ass: ‘Não me fale enquanto como’.
No xadrez de Sacchi, uma peça fora do lugar desajusta toda a táctica. Mas como Van Basten é o mais genial deles todos, o seu mau feitio só é tolerável e descontado com golos (56) e assistências (21). Curiosamente, a época em questão é aquela em que Van Basten menos intervém. Culpa de uma lesão teimosa. Salta então o nome de Pier Paolo Virdis (31 anos), um pré-Ravanelli na brancura dos seus cabelos. É ele o melhor marcador da equipa, com 11 golos na Serie A e 15 no total (Gullit é o segundo, com 9 e 13).
O campeonato é espectacular. Como sempre. O Nápoles, inédito campeão em título, sonha com o bi. E cruza a meta em primeiro lugar, com três pontos de avanço sobre o Milan, no final da primeira volta. A vantagem sobe para cinco, na 19.ª jornada. Nas cinco rondas seguintes, o Nápoles perde quatro pontos, o Milan três. Aparece então Maradona para resolver o clássico vs Inter (1:0). À mesma hora, Van Basten regressa à competição seis meses depois e assina o solitário 1:0 vs Empoli. Uma semana depois, a Juventus dá 3:1 ao Nápoles enquanto o Milan ganha 2:0 à Roma no Olímpico – na primeira volta, o Milan ganhara 1:0 (Virdis, claro), só que a federação atribui vitória à Roma porque um petardo cai na área da Roma durante a segunda parte.
No dia 24 Abril, o Nápoles encosta em Verona (1:1) e o Milan vence o dérbi (2:0). Separados por um ponto, o clássico do título está marcado para 1 Maio, no San Paolo. Marca Virdis, empata Maradona. Vamos para intervalo. Entra Van Basten. Marca Virdis, 1:2. Marca Van Basten, 1:3. Reduz Careca, acaba 2:3. À falta de duas jornadas, o Milan tem dois pontos de avanço.
O próximo jogo é vs Juventus. Acaba sem golos. E o Nápoles? Perde em Florença, com bis de Díaz, o companheiro de Maradona na aventura do Mundial sub20 em 1979. Faltam 90 minutos. O Nápoles tem de ganhar em casa vs Sampdoria e esperar por uma derrota do Milan em Como. Nem uma coisa nem outra. O Milan empata 1:1, o Nápoles perde 2:1 de virada (Vialli é quem dá o golpe da misericórdia). O Milan é campeão italiano da 1.ª divisão ao fim de nove anos e inicia a mais louca viagem internacional de todos os tempos.
Milan 1987-88 (a negro, os jogos fora)
1. Pisa | 3:1 | Donadoni Gullit VBasten (p) |
2. Fiorentina | 0:2 | |
3. Cesena | 0:0 | |
4. Ascoli | 2:0 | Virdis Evani |
5. Sampdoria | 1:1 | Gullit |
6. Verona | 1:0 | Virdis |
7. Torino | 0:0 | |
8. Pescara | 2:0 | Virdis Bortolazzi |
9. Avellino | 3:0 | Colombo Donadoni Maldini |
10. Empoli | 0:0 | |
11. Roma | 0:2 | (a) |
12. Inter | 0:1 | Ferri (pb) |
13. Nápoles | 4:1 | Colombo Virdis Gullit Donadoni |
14. Juventus | 1:0 | Gullit |
15. Como | 5:0 | Gullit (2) Donadoni Virdis Ancelotti |
16. Pisa | 1:0 | Colombo |
17. Fiorentina | 1:1 | Baresi (p) |
18. Cesena | 3:0 | Gullit Evani Massaro |
19. Ascoli | 1:1 | Massaro |
20. Sampdoria | 2:1 | Virdis Maldini |
21. Verona | 0:0 | |
22. Torino | 1:1 | Ancelotti |
23. Pescara | 2:0 | Massaro Gullit |
24. Avellino | 0:0 | |
25. Empoli | 1:0 | VBasten |
26. Roma | 2:0 | Virdis Massaro |
27. Inter | 2:0 | Gullit Virdis |
28. Nápoles | 3:2 | Virdis (2) VBasten |
29. Juventus | 0:0 | |
30. Como | 1:1 | Virdis |
Top 3 de jogos
30 G Galli 30 F Galli 29 Gullit
Top 3 de golos
11 Virdis 9 Gullit 4 Donadoni