#7 Milan 1993-94
As invenções de Berlusconi resultam sempre – as invenções futebolísticas, diga-se em abono da verdade, para evitar mal-entendidos. Silvio compra o Milan em 1986 e injecta dinheiro, tanto em jogadores como treinadores.
O primeiro é Arrigo Sacchi, um jovem de 41 anos, com carreira nos juniores de Bellaria, Cesena, Rimini e Fiorentina mais os seniores do Parma. É aqui que elimina o Milan na Taça de Itália e atrai as atenções de Berlusconi. Com os reforços holandeses Rijkaard, Gullit e Van Basten mais os italianos Baresi e Donadoni, o bom do Sacchi ganha de 1987 a 1991 qualquer coisa como oito títulos, dos quais seis internacionais. A táctica é simples: pressão alta.
O goleador Van Basten é o primeiro defesa, o capitão Baresi é o polícia sinaleiro. Quando ele levanta o braço, o árbitro assinala fora-de-jogo automaticamente. A maior parte das vezes, com razão. O Milan é o rei de Itália (um scudetto), da Europa (duas Taças dos Campeões, uma delas ao Benfica, e duas Supertaças europeias) e do Mundo (duas Taças Intercontinentais). Na época 1990-91, Sacchi e o plantel já estão cansados de ganhar, se é que se pode falar/escrever assim. A equipa não funciona, o fora-de-jogo idem idem, os problemas aspas aspas. Sacchi torna-se persona non grata para alguns jogadores, como Van Basten.
Ao mesmo tempo que o Milan perde o campeonato para a Sampdoria, a Taça de Itália para a Juventus e é desqualificado da Taça dos Campeões por se recusar a jogar os últimos sete minutos em Marselha, depois de um black-out no Velódrome, a selecção italiana falha o apuramento para o Euro-92. Nessa altura a federação contacta Sacchi e oferece-lhe o cargo de seleccionador.
Em Maio 1991, Sacchi abandona o Milan e Berlusconi procura um sucessor. Em vez de o procurar em Itália ou no estrangeiro, Silvio encontra-o em casa – Milanello, centro de estágio do Milan. Chama-se Fabio Capello, o homem. Treinador das reservas, depois nos seniores, durante cinco jogos em 1986-87, na transição Liedholm-Sacchi, é então um discreto dirigente da secção de hóquei. Incrível, e verídico. Berlusconi contrata-o para treinador principal e Capello impõe o seu estilo. Na primeira conferência de imprensa, a 2 Agosto 1991, Fabio fala bem. “Olá, muito boa tarde. Quero só dizer que é impossível imitar Sacchi mas o meu Milan não vai jogar em linha, não vai jogar a pensar no fora-de-jogo. Quero um futebol de ataque, fluido e ganhador. Quero um futebol de golos e espectáculo.” Uiii, em Itália?
Sim, em Itália. Na época de estreia (1991-92), o Milan volta aos títulos de campeão italiano, e invicto. Isso mesmo, sem derrotas. Em 34 jornadas, 22 vitórias e 12 empates com 74 golos marcados e 21 sofridos. Na última ronda, em Foggia, o recorde da invencibilidade está em risco. Ao intervalo, vantagem do Foggia por 2:1. Baaaaaaah, o Milan dá a volta. E dá a volta com estrondo, 7:0 na segunda parte. Acaba 8:2. Com bis de Van Basten, o melhor marcador da Serie A, com 25 golos.
O estatuto de invencível só acaba em Março 1993, com um golo de Asprilla em pleno Giuseppe Meazza. O Parma ganha 1:0, o Milan estaciona nos 58 jogos sem perder. Como qualquer equipa, há que levantar e dar a cara por outro recorde. Capello é adepto desse sistema. Sempre sem pressão alta nem fora-de-jogo, só estilo, muito estilo. O que dizer então do título de campeão italiano em 1993-94, com 36 golos em 34 jogos? Das 18 equipas, só sete marcam menos.
Jamais visto, nunca mais repetido. Óbvio. O Milan Capello 3.0 é uma caricatura do original, só que ganha ganha ganha e ganha – além do campeonato, a Supertaça italiana (1:0 vs Torino, em Washington) e a Taça dos Campeões (4:0 vs Barcelona, em Atenas). Também perde, atenção. Falamos da Taça Intercontinental para o São Paulo e a Supertaça europeia para o Parma.
Concentremo-nos então no campeonato. A escassez de golos é acompanhada pelo número absurdo de 12 empates, com oito 0:0 (há ali uma sequência de três seguidos em Janeiro, madre mía). No mês seguinte, em Fevereiro, o guarda-redes Sebastiano Rossi crava um recorde nacional de imbatibilidade em 929 minutos, à frente dos 903’ de Zoff (Juventus) estabelecido em 1973. A epopeia do campeão mais burocrático da história reúne outro elemento contranatura, o das zero vitórias nas últimas seis jornadas. Zero. Nem um para amostra. Repetimo-nos, não? É melhor, é: jamais visto, nunca mais repetido.
A festa do scudetto, essa, faz-se na antepenúltima ronda, com 2:2 vs Udinese em Milão, golos de Boban e Simone. Na última jornada, dia 1 Maio 1994, tristemente célebre pela morte de Ayrton Senna no GP Ímola, a aflita Reggiana ganha com um golo de Esposito no Giuseppe Meazza e salva-se in extremis da despromoção. O campeão apresenta-se com alguns suplentes, como Papin (amazing) mais Laudrup (super amazing), e paga a factura de um embaraço pouco comum.
A fragilidade exibicional dá que falar um pouco por toda a Europa. Ao ponto de Cruijff se achar favorito na final europeia em Atenas. Pois bem, o Milan aplica um correctivo inimaginável de 4:0 ao tetracampeão espanhol. Ao intervalo, o 2:0 já diz quase tudo. Bis de Massaro, o já famoso abre-latas do Milan no campeonato, com oito golos em forma de 1:0. Na final da Liga dos Campeões, é um mero pró-forma. Massaro ainda faz o 2:0 ao pobre Barça. Cabe a Savicevic (zero golos no campeonato) e Desailly (um) o prolongar da festa milanista. E milanesa – o Inter, que até escapara à 2.ª divisão por um só ponto, já se proclamara vencedor da Taça UEFA dessa época, vs Casino Salsburgo.
Eis Milão, uma cidade com queda para o pragmatismo exagerado.
(a negrito, os jogos fora)
1 Lecce 1:0 Boban
2 Genoa 1:0 Massaro
3 Piacenza 0:0
4 Atalanta 2:0 Papin Raducioiu
5 Roma 2:0 Papin Nava
6 Cremonese 2:0 Papin Simone
7 Lazio 0:0
8 Foggia 1:1 Boban
9 Juventus 1:1 Albertini
10 Sampdoria 2:3 Albertini BLaudrup
11 Inter 2:1 Panucci Papin
12 Nápoles 2:1 Panucci Albertini
13 Parma 0:0
14 Torino 1:0 Raducioiu
15 Udinese 0:0
16 Cagliari 2:1 Massaro (2)
17 Reggiana 1:0 Desailly
18 Lecce 0:0
19 Genoa 0:0
20 Piacenza 2:0 Massaro Papin
21 Atalanta 1:0 Massaro
22 Roma 2:0 Massaro Maldini
23 Cremonese 1:0 Simone
24 Lazio 1:0 Massaro
25 Foggia 2:1 Boban Massaro
26 Juventus 1:0 Eranio
27 Sampdoria 1:0 Massaro
28 Inter 2:1 Bergomi (pb) Massaro
29 Nápoles 0:1
30 Parma 1:1 Massaro
31 Torino 0:0
32 Udinese 2:2 Boban Simone
33 Cagliari 0:0
34 Reggiana 0:1