#8 Arsenal 1988-89

Mais Spider Pig 12/26/2020
Tovar FC

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#8 Arsenal 1988-89

Na vida real, o caso assume contornos dramáticos. O Arsenal precisa de ganhar ao Liverpool por 2:0 ou por três ou mais golos de diferença para se sagrar campeão inglês, algo que não acontece há 18 anos. E isso é um pau de dois bicos. Ou mesmo três. Pronto, vá, quatro. É um pau da treta ou um tetra-pau, como queira: porque o Liverpool joga em casa, ganhara a Taça de Inglaterra na semana anterior, num épico 3:2 sobre o rival Everton, recuperara 15 pontos de atraso na segunda volta e é a melhor equipa da ilha desde o início dessa década, com Grobbelaar, Nicol, Whelan, Hansen, Aldridge, Rush, Barnes e McMahon.

Na vida ficcional, o caso é mais grave ainda. Na opinião de Paul Ashworth (Colin Firth), um adepto fanático do Arsenal, encontrar o amor é menos importante do que a sua equipa ganhar o campeonato ao fim de 18 anos. De repente, Paul encontra Sarah Hughes (Ruth Gemmell) e tudo parece possível. Pelo menos até ao momento em que o Arsenal começa a perder pontos. Aí Sarah percebe que está sozinha a competir com a equipa inteira do Arsenal. Quem vai ganhar? Aqui sim, é um pau de dois bicos.

Ela ou o Arsenal?, pergunta-se Paul, visivelmente mais interessado no campeonato que na relação. Eu ou o Arsenal?, questiona-se Sarah, surpreendida por se ver no meio desta encruzilhada. Ora surpreendida por ver Paul usar boxers do Arsenal (“estás a pensar mostrar isso a outro ser humano?”), ora surpreendida pela filosofia do adepto quando diz que “o futebol é só um jogo” (DON’T SAY THAT! Se faz favor! É a coisa pior, a mais estúpida que qualquer pessoa pode dizer! Porque claramente o futebol não ‘é só um jogo’. Quer dizer, se assim fosse, eu importar-me-ia assim tanto? Hã? 18 anos! De-zoi-to anos! Sabes o que querias há 18 anos? Ou dez? Ou cinco? Querias ser professor na nossa escola? Duvido muito. Eu duvido que queiras uma coisa assim há tanto tempo. E mesmo que quisesses e passasses três meses a pensar que finalmente, FINALMENTE, ias ter o que querias e fosses privada dessa coisa… quero dizer, nem quero saber o que é, um carro, um trabalho, um Óscar, um bebé… aí entenderias como me sinto esta noite. Mas tu não sabes, por isso…).

Tudo depende do tal Liverpool-Arsenal. Ao intervalo, 0:0. “Eu sabia”, lamenta Paul, ancorado no seu pessimismo, de pé sem tirar os olhos do monitor. “Sabias o quê? Está 0-0 ao intervalo. Ainda há hipótese de ganhar 2-0”, argumenta Steve, o seu inseparável buddie do Arsenal, sentado no sofá, à frente da televisão. “Hey, acorda para o mundo real. Está 0-0”, contra-ataca Paul, às voltas na sala, e na cabeça. “No mundo real, Paul, está 0-0. É melhor assim do que estar a perder.” Aos 52 minutos, 0:1 por Alan Smith, o marcador por excelência do Arsenal, com 23 golos no campeonato, dos quais 11 nas primeiras oito jornadas.

Paul continua de pé, nada convencido. “É mesmo típico do Arsenal: marcar o primeiro golo para dar esperança e depois não chega lá, ao objectivo.” Steve responde sem se chatear por aí além: “O quê? Queres que o Arsenal marque o segundo antes do primeiro?” Minuto 90. É preciso mais um para o Arsenal, só que o Liverpool troca a bola na sua defesa e os atrasos para o guarda-redes ainda valem. Sarah está numa festa de despedida das suas alunas (ah pois, é verdade, ela é professora, daquelas metódicas e rigorosas, resumindo: a pain in the ass) e recebe um presente entregue pela chefe de turma, que a compara com George Graham, treinador do Arsenal, metódico e rigoroso.

Ali dá-se o primeiro clique. Sarah abandona a festa e vai de táxi para casa de Paul. Toca à porta de casa dele. Minuto 90, insistimos. Toca outra vez à porta. Minuto 90 e tal. Toca novamente à porta. Paul perde a compostura, abre a janela e grita sem ver quem está lá em baixo. “Will you please, please, please, please, please, please just fucking FUCK OFF? Chegaste nos 60 segundos mais importantes da minha vida e não te quero ver.” A janela fecha-se, a câmara mostra a desanimada Sarah à porta e Paul vira-se para Steve: “Que diabo de atrasado mental faria isto? Só se fosse um alien do plantel Tharg, mas mesmo assim tinha de ser muito atrasado.” Apercebe-se de alguma coisa e sai porta fora.

É o segundo clique, enquanto Steve lhe diz em voz alta: “Onde vais? Podes perder alguma coisa importante.” Quando chega à porta, já não está lá ninguém. Paul volta a subir as escadas, atabalhoadamente. É quando Barnes perde a bola num drible curto, demasiado curto. Richardson corta e atrasa para o guarda-redes John Lukic. Daí para o lateral Lee Dixon. O público assobia, nervoso. O lateral mete a bola no meio-campo contrário. Alan Smith domina bem e desmarca melhor. Michael Thomas recebe. Solto no meio, o número 4 ganha o ressalto a Nicol e isola-se, Steve chama desesperadamente Paul, sem desviar os olhos da televisão. Michael Thomas entra na área do Liverpool, Paul entra em casa, Thomas dá um toque na bola, Paul atira-se para o sofá, Thomas passa a bola subtilmente por cima de Grobbelaar, Paul e Steve caem no chão, em delírio. É goooooooooooooal! O mundo cai. O real (jogadores do Arsenal a festejar no chão) e o ficcional. Quem não vibrar, rir, vibrar novamente e dobrar o riso, esqueça. Não gosta de futebol nem é um ser humano.

(A negrito, os jogos fora)

  • Wimbledon             5:1           Smith-3 Merson Marwood
  • Aston Villa                2:3           Smith Marwood
  • Tottenham              3:2           Smith Marwood Winterburn
  • Southampton           2:2           Smith Marwood (p)
  • Sh Wednesday       1:2           Smith
  • West Ham               4:1           Smith-2 Thomas Rocastle
  • QPR                        2:1           Smith Adams
  • Luton Town             1:1           Smith
  • Coventry                  2:0           Thomas Adams
  • Nott Forest              4:1           Smith Bould Adams Marwood
  • Newcastle              1:0           Bould
  • Middlesbrough         3:0           Merson-2 Rocastle
  • Derby County          1:2           Thomas
  • Liverpool                 1:1           Smith
  • Norwich                  0:0
  • Man United              2:1           Thomas Merson
  • Charlton                  3:2           Marwood-2 Merson
  • Aston Villa              3:0           Smith Rocastle Groves
  • Tottenham                2:0           Merson Thomas
  • Everton                   3:1           Smith Merson Richardson
  • Sh Wednesday        1:1           Merson
  • West Ham                2:1           Smith Groves
  • Millwall                   2:1           Smith Marwood
  • QPR                        0:0
  • Coventry                 0:1
  • Luton Town             2:0           Smith Groves
  • Millwall                     0:0
  • Nott Forest               1:3           Smith
  • Charlton                  2:2           Rocastle Davis
  • Southampton          3:1           Groves Rocastle Merson
  • Man United              1:1           Adams
  • Everton                   2:0           Dixon Quinn
  • Newcastle                1:0           Marwood
  • Norwich                   5:0           Smith-2 Winterburn Thomas Rocastle
  • Middlesbrough       1:0           Hayes
  • Derby County           1:2           Smith
  • Wimbledon              2:2           Winterburn Merson
  • Liverpool                2:0           Smith Thomas
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