Great Scott #192: Quem é o melhor marcador de sempre da Libertadores?
Spencer
Albert Pedro Spencer Herrera. Vá, Albert Spencer. Ou, então, só Spencer. Não, ainda não sabe quem é? É uma pena, mas, calma, não se sinta frustrado nem incomodado com a falta de conhecimento. É perfeitamente normal isso acontecer. Afinal, Spencer não joga nenhum Mundial. O que também é perfeitamente normal. Afinal, o Equador só se estreia em fases finais depois da mudança do século, na Coreia do Sul e no Japão em 2002.
Acresce-se a isso o facto de Spencer nunca ter saído da América do Sul. Quer dizer, isso até nem é bem verdade. Spencer joga na Europa. Pelo Peñarol. Nas duas visitas ao Santiago Bernabéu, em finais de Taça Intercontinental (1960 e 1966), o bom do Spencer marca uma e duas vezes. Na primeira, perde 5-1. Na segunda, ganha 2-0 e levanta o caneco em Madrid. Numa outra ocasião, Spencer actua a convite da selecção uruguaia em Wembley, vs. Inglaterra, e bate Gordon Banks. É o primeiro golo do Uruguai em Inglaterra – o segundo só sairia em 1990. Mas quem é esse tal Spencer? Filho de um jamaicano de origem britânica e de uma equatoriana, Spencer é o melhor marcador de sempre da história da Taça Libertadores.
Spencer, repetimo-nos, é o melhor marcador da Libertadores. E de longe. Os seus 54 golos (48 pelo Peñarol e seis pelo Barcelona do Equador) superam os 37 do segundo classificado, um tal de Fernando Morena, uruguaio e também do Peñarol, nos anos 70 e 80. Spencer é mais dos 60s.
Aos 22 anos, é emprestado pelo Barcelona de Guayaquil ao Peñarol para um particular. Spencer parte a loiça e nem chega a voltar ao Equador, por indicação do treinador Hugo Bagnulo. No Uruguai, é rei e senhor. Na estreia, com os argentinos do Atlanta, assina um hat-trick. No segundo jogo, um bis ao Tigre, também da Argentina. O miúdo está lançado. E de que maneira. Seja com os pés (é ambidestro) ou com a cabeça (é, aliás, conhecido como Cabeça Mágica), Spencer é um avançado fabuloso, daqueles capazes de levar a equipa às costas durante anos e anos.
Quando a CONMEBOL decide organizar a Libertadores, em Março 1959, o sorteio dita Peñarol-Jorge Wilstermann como primeiro jogo. Os bolivianos, pobres coitados, apanham 7-1. Quem é a figura? Spencer, está bom de ver. Quatro golos. Começa aqui a sua epopeia internacional. Na ½ final dessa prova, o Peñarol elimina o San Lorenzo no terceiro jogo, com dois golos de Spencer (2-1). Na final, decide o jogo com os paraguaios do Olimpia em Montevideo e alça o troféu em Assunção (1-1). É o (primeiro) melhor marcador da prova, com sete golos. Só lhe falta a consagração mundial – aí, o Real Madrid é muito mais forte.
No ano seguinte, em 1961, o Peñarol é campeão nacional e repete o título sulamericano. Com a ajuda de Spencer, autor de 18 golos no campeonato (melhor marcador pela primeira vez das quatro) e de mais três na Libertadores, um deles na 1.ª mão da final com o Palmeiras (1-0). Isso vale-lhe uma viagem a Lisboa, até ao Estádio da Luz. O Benfica, campeão europeu, recebe-o e os centrais Saraiva mais Mário João anulam-no por completo. Passa despercebido em Lisboa (1:0, Coluna) e ganha asas em Montevideo, com dois golos a Costa Pereira (5:0). No terceiro jogo, em Montevideo, o Peñarol vence 2:1 e conquista finalmente o mundo. Repetiria o feito em 1966, com duplo 2:0 sobre o Real Madrid (três golos de Spencer).
Para chegar a essa decisão, o Peñarol afasta o River Plate numa final a três mãos. Na decisão, em Santiago do Chile, terra da mulher de Spencer, acontece o impensável. A perder 2-0 ao intervalo, o Peñarol dá a volta. Tudo começa com uma brincadeira do guarda-redes argentino Carrizzo, que defende com o peito (e algum desdém à mistura) um remate de Spencer. Os uruguaios enchem-se de brio e tomem lá 4:2, com bis de você-sabe-muito-bem-quem.
Pelo meio, Spencer viveria uma noite inesquecível em 1963, com cinco golos nos 9:1 ao Everest. Em 1970, Spencer regressa a casa e é campeão equatoriano pelo Barcelona de Guayaquil em 1971. Penduradas as chuteiras no ano seguinte, com um total de 528 golos, Spencer torna-se embaixador do Equador no Uruguai. Quando morre, vítima de um problema cardíaco em 2006, aos 68 anos de idade, o Uruguai pára. E o Equador também.
Como homenagem, a federação equatoriana renomeia o Estádio Modelo em Guayaquil como Estádio Modelo Alberto Spencer Herrera. Agora sim, já não há desculpas para não saber quem é Spencer. O mais notável dos jogadores equatorianos de sempre. E o goleador por excelência da Libertadores.