Great Scott #199: Como acaba a guerra fria entre Rijkaard e Völler?
Anúncio de manteiga
Que coboiada pegada. O Mundial-90, queremos dizer. No grupo F, seis jogos e só uma vitória, a da Inglaterra vs Egipto. De resto, cinco empates. Holanda e Irlanda acabam empatados em tudo, é necessário um inédito sorteio para definir o segundo e terceiro classificados. Pouco depois das 11 da noite, em Roma, o secretário-geral Sepp Blatter faz o sorteio. Calha em sorte a bola 2 para Irlanda e a 3 para a Holanda. Quer isso dizer, Irlanda encontra a Roménia em Génova enquanto a Holanda esbarra na Alemanha em Milão. Até ferve.
E porquê? Holanda dos três milanistas Rijkaard, Van Basten e Gullit vs Alemanha dos três interistas Brehme, Matthäus e Klinsmann. Juntos, ao vivo e a cores, no seu estádio, o do Giuseppe Meazza. Esse mesmo, o do bairro San Siro. Está montado o Carnaval, ainda por cima no mesmo dia do superclássico sul-americano entre Brasil e Argentina, em Turim.
Junho, 24. Às quatro, o Brasil de Lazaroni dá um chocolate e cria duas mãos cheias de oportunidades de golos (Dunga, Careca e Alemão acertam na trave), a Argentina só se defende. Às tantas, aos 79 minutos, Diego apanha uma bola solta no meio-campo e controla-a. Alemão encosta, Diego desvia-se. Dunga faz o carrinho, Diego desvia-se e encara os três centrais mais Branco. Com a naturalidade dos grandes, avança e, na hora agá, liberta Caniggia com o pé direito. Solto na esquerda, o avançado dança na cara de Taffarel e atira para a baliza deserta. Adeus Brasil, olá Argentina.
No fim, Diego troca de camisola com Müller e atravessa mais de meio-campo para dar dois dedos de conversa com Careca. O brasileiro nunca mais esquece o gesto. Ao ponto de o considerar melhor que um compatriota seu. ‘Pelé era mais completo. Jogava com os dois pés, era fortíssimo de cabeça. E sempre que foi à baliza, nunca sofreu golos. O Maradona? Digamos que se ele só sabia jogar com o pé esquerdo e só treinava duas vezes por semana e estava ao nível do Pelé, o que pensar e dizer se ele tivesse um pé direito como o esquerdo e treinasse diariamente? Além disso, Diego proporcionou aos adeptos mais emoções e alegria. Se o futebol é divertimento, espectáculo, alegria, direi que Maradona é melhor que Pelé.’
Quando aparece na zona mista, Diego traz um sorriso indisfarçável. E uma dose de humildade faz favor. ‘O mérito é de Caniggia. O meu passe é fácil, a conclusão é que é difícil’ (…) ‘O Brasil merecia ter ganho, o futebol é assim mesmo’.
Junho, 24. Às oito, a Alemanha de Beckenbauer vinga-se do Euro-88 e elimina a Holanda sem apelo nem agravo. Golos só na segunda parte, por Klinsmann, Brehme e Koeman (penálti). Antes, muito antes, ainda o resultado está em branco, uma confusão do arco da velha entre Rijkaard e Völler. É só faltas. De consideração. O árbitro Loustau expulsa os dois, aos 22 minutos. A caminho do balneário, Rijkaard passa em corrida por Völler e cospe-lhe nos cabelos à Serafim Saudade.
É a terceira cuspidela do holandês no alemão em menos de dois minutos. Völler está piurso. “Rijkaard cuspiu-me três vezes, é um porco que gosta de confusão.” Só seis anos depois, em Maio 1996, quando Völler e Rijkaard já haviam saído de Itália, é que os dois se voltam a falar. Por culpa de uma campanha publicitária da empresa holandesa de manteiga Echte.
‘O slogan’, conta Völler, ‘era tudo em manteiga outra vez, um provérbio alemão que significa que está tudo bem outra vez. A ideia do anúncio é juntar-me a mim e ao Rijkaard, sentados a tomar o pequeno-almoço. E resulta. Nesse ambiente bucólico, ele pediu-me desculpa e ficámos amigos de novo’, diz Völler, com uma boa dose de humor, barrada com alguma manteiga. Sem cuspo.