Neno. “O Carlos Manuel começava a peidar-se e eu ria-me, ria-me, ria-me. Como tinha um riso fácil, tramava-me com o Mortimore”
Peter Sellers n’A Pantera Cor-de-Rosa, John Cleese no Fawlty Towers e Ricky Gervais no The Office. É o meu top 3 cómico de eleição. E agora? E agora o quê? E agora, onde incluo Neno? Ne-no. Sim, N-e-n-o. O homem é o maior. Em tudo. Sem nunca nos ter visto, recebe-nos com um abraço xxl dentro de um gabinete com vista para o relvado do D. Afonso Henriques e fala despreocupadamente de qualquer assunto, com histórias dentro de histórias e mais histórias. Às vezes, levanta-se da cadeira e ensaia a cena. Com graça. Quando o assunto é merecedor de um rabisco, Neno saca do papel e da caneta. Honra lhe seja feita, Neno é Sellers, Cleese e Gervais num só. Que figura ímpar. E ele quem começa a entrevista. Sempre a abrir.
Nasci na primeira cidade colonizada pelos portugueses, Cidade Velha. Lá é que era feita a venda dos escravos da Guiné. A Cidade Velha é conhecida por um forte lá em cima, que agora está a ser remodelado pelo Siza Vieira.
Ficaste lá até que idade?
Aos quatro/cinco anos, ainda era muito criança, fui para a Praia que era o centro de tudo. O meu pai era uma pessoa muito profissional e muito trabalhadora, conhecida na Cidade Velha, enquanto a família da minha mãe, a Leitão da Graça Barros, era mais conhecida na Praia. O curioso é que só vim a conhecer a Cidade Velha há pouquíssimo tempo e aquilo fez-me confusão porque achei tudo aquilo pequenino, muito pequenino: o pelourinho, a igreja, o cemitério. Mais curioso ainda, dentro dessa igreja, está enterrado um padre e o meu avô paterno, duas figuras beneméritas da cidade.
Longa, a estadia na Praia?
Fiquei até aos 12 anos, sempre na escola.
Com futebol à mistura?
Não, futebol não. Quer dizer, oficialmente não [Neno ri-se até mais não].
Como assim?
Jogava escondido do meu pai. Como tinha 9 anos e era convidado pelas pessoas de 19, 20 para ir à baliza dos jogos deles, tinha de fintar o meu pai. Ele não podia saber nunca destas minhas iniciativas. Aí entra a minha maior aliada.
Quem?
A minha mãe, que me protegia sempre as costas.
Eheheheheh, maravilha.
Havia uma regra lá em casa: eu e todos os meus irmãos tínhamos de estar todos sentadinhos à mesa à hora do almoço. O meu pai chegava, sentava-se e comíamos. No final da refeição, só nos levantávamos depois de ele se levantar.
O que fazia o teu pai?
Era professor. E dos bons. Repara, foi professor do presidente de Cabo Verde. E ele, quando veio a Guimarães, disse-me que viu o meu pai dar-me um cascudo lá em casa. E o Primeiro-Ministro de Cabo Verde foi meu colega de turma e também foi aluno do meu pai. Portanto, toda essa geração de governantes, foi educada pelo meu pai. No tempo em que jogava no Benfica e fazíamos estágio no Tivoli Sintra, uns seguranças foram chamar-me ao quarto porque havia uma pessoa lá fora à minha espera. Saí do quarto e encontrei um senhor ex-Primeiro-Ministro de Cabo Verde e aluno do meu pai. Lembrava-se bem da palmatória com que o meu pai lhe batia. Quando vi o meu pai, contei-lhe o episódio: ‘ó pai, estive com uma pessoa que lhe deve o cargo de Primeiro-Ministro. Diz ele que o pai bateu-lhe tanto que ele começou a frequentar as aulas, com medo de lhe bater mais. Se não fosse você, ele hoje era um bandido ou um assassino. Por causa disso, ele concentrou-se na escola e formou-se ao ponto de ter sido Primeiro-Ministro de Cabo Verde’.
Ufffff.
Há histórias assim, muitas, do desconhecimento público. Como era criança na altura, não tinha noção de quase nada. Com o passar dos anos é que as pessoas vinham ter comigo e contavam-me episódios destes que servem para perpetuar a memória do meu pai.
Que se chama?
Augusto Barbosa Barros. Toda a geração que manda hoje em Cabo Verde conhece-o bem. Engraçado, sabes? No ano passado, fui padrinho de um torneio nos Açores e encontrei uma senhora que me convidou a visitar a sua casa. Eu disse-lhe que estava ocupado, com a agenda apertada por causa do torneio, e ela insistiu bastante, disse que eram só uns 15 minutos para conhecer o pai dela. Muito bem, combinei com a organização e acertei passar pela casa da senhora os tais 15 minutos. Qual não é o meu espanto quando o pai da senhora mostra-me um diploma da passagem da 3.ª para a 4.ª classe assinado pelo meu pai. O que é que aconteceu? Além das aulas na escola, o meu pai dava aulas privadas lá em casa. Que, já agora, era grande, muito grande. Por isso mesmo, havia dois quartos utilizados pelo meu pai para dar aulas a quem mais necessitasse, àqueles que não tinham dinheiro para pagar os estudos. Fazia esse trabalho por caridade e esse senhor, pai da senhora dos Açores, foi um dos felizes contemplados.
E o Neno só era realmente um feliz contemplado quando jogava à bola.
Repara bem, o meu pai até fez um quintal em casa para convidarmos quem quiséssemos, entre primos e amigos. Era a ideia dele para evitar que saíssemos de casa, eheheheh.
E o Neno, saía?
Tinha de esperar que o meu pai saísse de casa para ir jogar. Aí, a minha mãe protegia-me. As pessoas iam lá a casa e perguntavam por mim: ‘Ó Dona Lá’, a minha mãe era conhecida como a Dona Lá, ‘Ó Dona Lá, deixe o Neno ir jogar connosco, só conseguimos ganhar com ele.’ Faziam aquela conversa e tal e a minha mãe só deixava se lhe prometessem que eu estivesse de volta às sete, porque o meu pai regressaria a casa às 7.30.
E o Neno?
Tinha de correr contra o tempo. Literalmente. Esfolava-me todo para estar em casa às 7 em ponto. O meu pai não me permitia jogar futebol. Nem mesmo cá em Portugal. Ele queria que eu estudasse.
Mas deve ter havido um momento qualquer em que alguém lhe falou do Neno à baliza.
Houve, claro que sim. Quando lhe disseram que eu nasci para jogar futebol, ele foi muito direto para essa pessoa: ‘Muito bem, ele pode jogar; ao primeiro chumbo, acaba-se o futebol porque ele veio para estudar’. Temos de ver isto no contexto de há 40 anos, em que o futebol era uma profissão mal-vista, mal-amada por todos. Pelos próprios pais dos jogadores como pelo pais das meninas. Era uma profissão sem futuro, de curta duração.
Está visto que nunca chumbaste.
Eheheheh, nunca. Se chumbasse, adeus futebol. O meu pai era estilo Salazar: era aquilo e acabou. Não há volta-atrás. Como sabia a maneira de funcionar do meu pai, dei sempre o máximo para passar de ano. Era o meu passaporte para jogar futebol.
E eras bom aluno?
Bah, não era um estudioso nem aquele tipo de aluno que pegasse em livros constantemente. Não, isso não. Prestava era muita atenção na aula e interiorizava tudo o que os professores diziam. Aprendia na hora, não era de estudar muito. Além disso, tinha um professor em casa. Ou seja, o meu pai ajudava-me bastante e dava-me conselhos. Como este que nunca esqueci: ‘Nunca saias da aula com dúvida ou sem perceber a matéria; mesmo que os teus colegas te achem um burro do caraças, pergunta ao professor para repetir a ideia até a entenderes.’ Outra do meu pai era quando lhe perguntava sobre uma palavra difícil dita na aula. O meu pai foi a pessoa mais inteligente que conheci em toda a vida. Ele olhava para mim, ouvia a palavra e dizia logo que queria dizer isto, era um adjetivo isto e aquilo. Ainda estava a agradecer a ajuda e ele alertava-me para o contexto da frase para saber se a palavra encaixava na perfeição. E eu ‘sim, sim, é isso, bate certo’. E ele ‘espera, vai lá buscar o dicionário’. Eu ia à procura da palavra e lá estava ela com tudo aquilo que o meu pai tinha dito. Dentro da minha ingenuidade, julgava que a professora tinha falado com ele sobre aquela palavra. Dentro da minha ingenuidade, vê bem. Só que não, ele sabia tudo de trás para a frente e da frente para trás. Tanto assim é que muitas pessoas cultivavam o gesto de visitar o meu pai em casa.
Só em casa?
A partir do 25 Abril, o meu pai não quis mais sair à rua, aquilo acabou para ele. Eram os alunos quem iam lá a casa. Eram os empresários, eram os professores, era toda a gente. Mesmo aqui, em Portugal, ele recusava-se a sair à rua.
O 25 Abril fez mossa?
Vamos ver: depois do 25 Abril, houve vários problemas com as propriedades deste e daquele senhor. Tanto em Cabo Verde como em Portugal. Ora bem, o Governo quis tomar as propriedades do meu pai.
Quis, só?
Dá-se um caso engraçado, ò Rui. O meu pai, que costumava circular perto da Praia, como Tarrafal e São Vicente, como se fossem as Taipas aqui perto de Guimarães, encontrou um miúdo inteligente. No meio do nada. Foi falar com os pais dele e disse-lhes: ‘vou levá-lo para casa, vai estudar com os meus filhos e, quando for alguém, ele volta para aqui, não se preocupem.’ Assim foi, esse rapaz foi lá para casa e cresceu connosco, lá em Cabo Verde e cá em Portugal. Sabes onde se formou?
No idea.
Coimbra, formou-se em Coimbra. Dá-se o 25 Abril e ele volta para Cabo Verde. Entra no Governo e é ele quem impede que as propriedades do meu pai sejam tomadas. Defendeu-as intransigentemente. Se não fosse ele, o meu pai perderia as terras. Esse rapaz, agora senhor, claro, ainda está vivo e pertenceu a mais Governos depois desse. É o senhor Veiga, meu meio-irmão.
Falaste em Portugal. Quando é que chegaste cá pela primeira vez?
Vim cá para estudar. Era para vivermos em Santarém, só que o meu pai encontrou em Lisboa um amigo que morava no Barreiro e lá fomos nós para o Barreiro.
Em que ano?
1973.
E porquê esse ano, porquê Portugal?
Em 1971, o meu pai veio a Portugal para dar uma formação a todos os professores da Universidade de Coimbra. Quando chegou a Cabo Verde, disse à minha mãe que queria que os filhos fossem todos educados em Portugal.
Quantos filhos?
Eu e mais seis, éramos nove ao todo.
Beeeem, isso é muita malta.
Nem imaginas. Lembro-me de uma história engraçada: nós viemos em definitivo com o 25 Abril. Cada retornado podia trazer 16 contos. Se fizermos a conta vezes nove, chegámos cá com algum dinheirito e instalámo-nos no Barreiro.
Foi um choque, o Barreiro?
Não, que é isso? Sou um aventureiro, sou um homem do mundo. Cabo Verde estava rodeado por mar e era pequeno, Portugal era grande, enorme. Só para veres: já tinha viajado de avião entre ilhas em Cabo Verde e, de repente, vejo a linha de comboio na viagem para Portugal. Comboio, hã? Ainda hoje não há comboios em Cabo Verde. É todo um mundo novo, foi o despertar de uma curiosidade só vivida até então no papel. Sim, porque tínhamos de saber todos os rios de Portugal e das colónias, todos os caminhos-de-ferro e por aí fora. De repente, vejo aquilo que estudei durante anos e anos.
E o futebol, quando entra na história?
Vi jogos em Cabo Verde, na companhia de um tio. Ia eu e os meus dois irmãos mais velhos. A senhora que tomava conta de nós vestia-nos de igual. Se o mais velho fosse de branco, os outros iam de branco. Só havia a diferença nos sapatos: os meus eram brancos. Depois, envio-lhe uma foto.
A senhora que tomava conta de vocês era a vossa mãe?
Não, era mesmo uma senhora. Raramente via a minha mãe. Quando a via, enrolava-me nas saias dela, ahahahahah. Estás a ver esta marca aqui? [Neno aponta-nos para a cara] Uma vez, vi a minha mãe e corri até ela. Claro que não vi o desnível da calçada e fui de cabeça ao chão. Fiquei com esta marca para sempre. A marca da minha mãe.
E o Barreiro, simpático?
Um frio noooosa senhora. O primeiro ano foi complicado e só queria voltar para Cabo Verde. Eu tremia de manhã, a caminho da escola, a escrever na escola, eu tremia sempre. Que frio, que diferença abismal. Outra casualidade: havia a CUF no Barreiros e os gajos lançavam uns gases que a gente não podia sair à rua. Eles aproveitavam o nevoeiro para lançar os gases e a gente nem conseguia respirar cá fora. Foi uma aprendizagem terrível.
E iam a Lisboa?
Ahahahahahah, a Lisboa, ahahahahahah. Isso era uma aventura. Íamos uma vez por ano, de barco. Um cacilheiro e aquilo, para nós, era uma novidade do caraças. Cada viagem era uma aventura, sobretudo com amigos. Nós tínhamos a magia da vida, do conhecimento. Que hoje já não existe. Ou melhor, existe de forma diferente. Nós contentávamo-nos com tão pouco, ficávamos felizes com andar de barco. Hoje, por exemplo, todos andam de avião, já é corriqueiro. Hoje a novidade seria ir a Marte ou isso. Ahahahah, que tempos.
E o futebol no Barreiro?
Uyyyyyy, nem queiras saber. Encontrámos um terreno baldio e, como ainda não havia muitos carros, metemos pedras para impedir a sua passagem. No Verão, fizemos o campo e organizávamos torneios diários, de manhã à noite. Nem íamos a casa para almoçar, aquilo era sempre, sempre, sempre a jogar. Aquilo eram torneios com dez equipas, havia muito miúdo ali. Como o terreno baldio era ao pé do rio, aproveitava para mergulhar quando a bola saía do campo. Ahahahahah. O problema era a maré vazia. Ficava só um riacho, cheio de lodo, e ninguém queria ir buscar a bola.
O Neno sabia alguma coisa do futebol português?
Quando estava em Cabo Verde, nunca sequer sonhei que a televisão fosse fazer parte da minha vida. Agarrava-me aos relatos de rádio e, sorte a minha, vim a conhecer a maior parte dos jornalistas portugueses. Havia um que era o Nuno Braz, da Emissora Nacional. Mítico, relatava os jogos com uma emotividade tal que parecia que também estávamos lá dentro do estádio, com ele. Depois havia o cinema, davam curtos resumos antes dos filmes. Aquilo era magia, ò Rui. O pessoal calava-se todo, não se ouvia nada. Estava tudo preso à tela. Se fosse um Benfica-Sporting então. E vinha-me à memória o relato desse jogo da rádio. Mal via a jogada do golo no cinema, fazia a transição, sabes? Que magia, que magia. Tão bonito. Em parte, devo a essa geração de jornalistas mágicos e encantadores, que entravam em minha casa sem autorização, o facto de ser futebolista. E tive a sorte de lhes dizer isso. Vê bem: os jornais chegavam lá a Cabo Verde quatro ou cinco dias depois e os próprios relatos saíam daqui do Continente e só chegavam a qualquer país africano com atraso. Era tudo tão diferente, uma coisa do outro mundo.
Já aí tinhas referências de guarda-redes?
Só tinha olhos e ouvidos para os guarda-redes, ahahahah. Havia uns dois ou três em Cabo Verde que seguia com mais atenção. Um deles era tropa, estava radicado e era ótimo. Jogava no Boavista da Praia, só não me lembro do nome.
E porquê à baliza desde pequenino?
Fácil. Tudo começa na escola. Como era raquítico, pequenino, era a escolha óbvia para a baliza. Nem havia hipótese de conversa. E a verdade é que ia para lá e defendia tudo. Tanto que me chamavam elástico.
Nada de luvas ainda?
Ahahahahah, não, nada de luvas. E gostava. Por isso é que era federado e continuava a jogar sem luvas.
Já no Barreirense?
Exatamente. Quem me fala em luvas pela primeira vez é o Bento.
Uauuu.
No Barreirense.
É o teu primeiro clube?
O primeiro é o Santoantoniense, em São António, uma vila perto do Barreiro.
Como é que foi lá parar?
Um senhor viu-me a jogar na rua e levou-me a treinar.
Com que idade?
Treze. Esse senhor até me levou primeiro ao Barreirense. Chegámos lá e, enquanto ele foi falar com um dirigente, comecei a ver um monte de malta da minha idade, todos mais altos e mais desinibidos. Na altura, eu era introvertido. Quando o senhor voltou onde me tinha deixado, já tinha saído do estádio. O que é que ele fez? Foi ter comigo a casa. Era o senhor Mariano. ‘Então, Neno, não queres ir para lá?’ E eu ‘não, não, eles são muita grandes’. E também porque a palavra federado intimidava-me. O senhor Mariano fez então um acordo comigo e levou-me ao Santoantoniense, onde ia levar o filho para jogar.
E o teu pai?
Consentiu, com a ressalva de não chumbar senão…
E que tal a primeira época?
Nem joguei muito, sabes? Estava lá um guarda-redes mais alto e ele jogou a maior parte das vezes. Só que tive uma oportunidade no final da época e aproveitei-a. Nesse curto período, o Barreirense interessou-se por mim. Acontece que o senhor Mariano fez bloqueio, porque sabia do meu medo e também porque o titular da baliza ia subir de escalão, o que permitiria a minha ascensão a titular absoluto. Ò Rui, nem imaginas: a segunda época correu-me tão bem, tão bem, tão bem que até fui chamado para a seleção regional de Setúbal sub-15. E foi a primeira vez que dormi fora de casa.
Onde?
Em Tróia. Quem me levou foi o meu pai. Como ele não entendia nada de futebol, estava preocupado com tudo aquilo e quis ver com os próprios olhos onde é que o filho ia dormir. Lá fomos, uma viagem imperdível. Ele entregou-me e fiquei duas semanas em Tróia. Ouve bem a história: apanho o senhor Oceano. E o senhor Manuel Correia, que jogou muitos anos em Chaves. Já aí o mandão daquilo era o Oceano, de quem fiquei amigo na hora. O Oceano era um gajo muito vivo, o gajo das piadas. Acho que ele jogava no Odivelas. E eu, claro, era o mais pequenino de todos. Só para veres, o outro guarda-redes era o dobro de mim, porra. Ainda o Oceano: chamou-me Macoio e disse-me para estar atento aos dirigentes enquanto eles jogassem às cartas. Ai é, então resolvi brincar e disse-lhes que o selecionador estava perto. Eles saíram de cena num abrir e fechar de olhos e eu estava no gozo, ahahahahah.
E essa seleção?
Ficámos em segundo lugar, perdemos a final não-sei-com-quem. Quando subo a juvenil, já estou à frente daquele que era titular no primeiro ano. E o Santoantoniense foi campeão regional, comigo à baliza, e jogámos o campeonato nacional. Fomos jogar à Luz. Problema: nunca tínhamos jogado na relva. Tinha 15 anos e o jogo era mesmo na Luz. Perdemos 2-1 ou 3-1, já não me lembro.
Nada mau, para quem nunca jogou no relvado.
Sim, sim. No ano seguinte, o Barreirense vai buscar-me. Eles pagaram e deram alguns jogadores ao Santoantoniense. Quando chego ao Barreirense, fui titular. Aliás, estive sete anos no Barreirense e nunca fui suplente. Sempre titular em todos os jogos, nunca falhei: juvenis, júnior e sénior. Mesmo na sempre complicada passagem de júnior para sénior, tive a sorte de ver os dois guarda-redes seniores de saída. O Barreirense desceu esse ano à 3.ª divisão e o treinador levou os dois guarda-redes.
Ficaste com o caminho livre?
Nãããããõ, o treinador metia o outro. Falo de jogos de pré-época. A equipa toda a dizer-lhe para apostar no puto dos juniores e ele não me levava. Só me convoca no penúltimo jogo, em casa, e faz-me entrar perto do fim, quando já estamos a perder cinco ou seis-a-zero naquele método de enterrar-me um bocadinho mais. Só que não sofri golo. No jogo seguinte, estamos a perder quatro ou cinco-a-um no campo da Quimigal, um velho rival do Barreirense, e o treinador aposta no segundo guarda-redes sénior.
Então e o primeiro?
Já se tinha queimado no jogo anterior.
Certo.
Mete o segundo e também se queima. A meio do jogo, entro e o jogo corre-me maravilhosamente bem. Na semana seguinte, começa o campeonato e o treinador com um dilema na baliza. E eu, sem experiência de sénior, à espera da minha vez.
Nervoso? Ansioso?
Nada, nada disso. A mim, o futebol encanta-me. Só estar no banco já me dá uma alegria imensa. Havia um selecionador português, o Oliveira, que dizia à malta ‘o Neno, no banco, tem mais vontade de ganhar do que os gajos dentro de campo’.
Então?
Fazia tudo no banco: corria atrás do árbitro, falava com os companheiros, metia-me com os adversários. Queria tirar todo o partido de estar ali.
Começa a época no Barreirense e o Neno?
Sou titular e faço os jogos todos, na subida à 2.ª divisão.
Imagino os clubes interessados em ti.
O primeiro de todos foi o Boavista do major Valentim Loureiro. E o meu pai disse não. Ele está aqui no Barreiro é para estudar, não é para jogar à bola. Pronto, fiquei no Barreirense. É então que avisam o Bento, ex-Barreirense, das minhas exibições. Tipo ‘vai lá ver o miúdo e tal’. Na altura, o Barreirense era o viveiro do Benfica: Bento, Carlos Manuel, Jorge, Frederico e mais. O Bento começa a ir os meus jogos e pergunta-me porque é que não defendo com luvas. Digo-lhe que está tudo bem e ele aconselha-me a usar luvas. ‘Está descansado, vou arranjar-te umas.’ E dá-me umas deles.
Uauuuu.
Luvas ensinadas, ahahahahahah. Começo a jogar com elas e vejo realmente que é bem melhor, sobretudo nos lances rasteiros. Sem luvas, raspava os dedos no chão. Com luvas, é outra coisa. O Bento dá-me um par de luvas. E outro. E mais um. Depois, obriguei, por assim dizer, o Barreirense a comprar-me mais luvas ainda. Faço mais duas épocas a sénior e é quando o Benfica se mostra interessado. Só que os sócios do Barreirense impedem o negócio e o tal senhor Mariano veio ter comigo a perguntar-me quanto é que ganhava.
Quanto era?
Doze contos. A proposta do Barreirense era aumentar-me para 17 contos se assinasse por mais dois anos. Opa, claro que sim, onde é que assino? Quando acaba a época, o presidente do Barreirense sai e entra um outro, construtor, mais virado para os negócios. É quando conheço o Fernando Martins, no Hotel Altis, e acerto verbalmente a transferência. O Benfica dava jogadores em troca. Bom, tudo bem, volto para o Barreiro a altas horas da noite.
De barco?
De carro. Conduzido pelo senhor Mariano, porque ainda não tinha carta, quanto mais carro.
E depois?
Dá-se um volte-face inesperado. No final de um jogo do Barreirense, os sócios rasgam os cartões e voltam a impedir-me de sair para o Benfica. O senhor Mariano quer serenar os ânimos e marca-me uma reunião com o Barreirense, em que me perguntam qual é o meu carro preferido.
E qual era?
Um Golf.
E eles?
Muito bem, subimos-te de 17 para 25 contos e damos-te um Golf.
E tu, feliz da vida?
Epá, avisem mas é o homem, o Fernando Martins, porque tinha tudo acertado com ele. Atenção, eu ainda era um miúdo e eles tranquilizaram-me a dizer que falavam com o Benfica. No dia seguinte, porque isto era mesmo assim, eles faziam tudo à pressa, na tentativa de me pressionar a assinar logo, o Bento aparece-me em casa a dizer-me que temos de ir falar com o homem ao Altis.
Uiiiii.
O Fernando Martins chamou-me tudo. ‘És um burro, não devias ter feito nada, que não sei quê, não sei que mais. Estava tudo acertado e agora vamos ter de dar dinheiro a esses gajos, além dos jogadores prometidos, porra pá.’ Bem, senti-me enganado. O que fiz?
Até tenho medo.
Treinava-me normalmente no Barreirense e, às escondidas, ia a Lisboa.
Então?
Treinava na Luz para ver se o Eriksson dava o sim à minha transferência.
A sério? E como era às escondidas?
Era no campo número um da Luz, com os portões fechados. Convivi ali com os ídolos da altura: Humberto Coelho, Chalana, Shééééééu, grande Shéu. Até que assinei pelo Benfica e passei de 25 para 120 contos.
Bolas.
O Fernando Martins falou comigo e disse-me que havia dois outros guarda-redes mais experientes que eu, além do Bento, claro.
Quem eram?
Delgado e Silvino, com jogos na 1.ª divisão e tudo. Eu, zero. Vinha da 2.ª divisão. Só que o Fernando Martins queria que eu jogasse. Aparece então o Vitória de Guimarães.
Boa.
Caaaalma, antes há mais uma história. Aparece o Ivic no Benfica. Antigamente, tínhamos medo do treinador. À excepção do capitão. Dirigi-me ao Ivic a dizer-lhe que já estava tudo acertado com o Vitória e ele responde-me, através de um tradutor, ‘quem manda aqui sou eu, não é o presidente, e tu vais ficar cá’.
E então?
Como o Ivic gosta de mim, não me deixa vir para Guimarães. Começo a época no Benfica. Só que há o problema com o senhor Ivic: ele quer receber o salário em dólares e o Benfica pagou-lhe em escudos. É a primeira rescisão de um treinador do Benfica. Quem é que chega? Csernai. Ahahahahahahahah. Lembras-te dele?
Ainda não é da minha geração.
Ó pá, um ditador. Na altura, o treinador dos guarda-redes do Benfica é o Eusébio e havia quatro opções para a baliza: Bento, Silvino, Delgado e eu. Quando o Csernai chega, peço outra vez ajuda ao tradutor e falo-lhe da saída para o Vitória.
E o Csernai?
Ele não falava, limitava-se a olhar.
E?
Não me disse nada, nem sequer ao tradutor. Lembro-me de um jogo em Bragança em que fomos de avioneta. O Delgado jogou a primeira parte e eu a segunda. Como o campo era mauzinho, ele viu o jogo todo assim [Neno levanta-se e vira costas para nós]. Todos os 90 minutos. O homem passou o jogo todo assim [Neno ainda de costas], não viu nada. E ele gozava muito com o Eusébio. Muito mesmo.
Como?
A meio dos treinos, chamava-o ao longe de Jozef. E o Eusébio resmungava na nossa direção ‘este gajo não sabe o meu nome?’.
O que queria o Csernai?
Dizia ‘Jozef, the ball’. A pedir que o Eusébio metesse a bola onde ele apontava.
E o Eusébio?
Media o campo, dava um pontapé, virava costas como quem diz assunto resolvido e a bola caía exatamente onde o Csernai pedia. Tudo isto para dizer que só cheguei ao Vitória à 7.ª jornada ou perto disso.
Que tal?
Suplente do Jesus, do grande António Jesus, por dois jogos. O treinador era um belga chamado Raymond Goethals e o adjunto era o Manuel Machado. Mais o Djunga, que já morreu.
Como era o Goethals?
Vivia o futebol todo o dia, só falava disso, só, só, só. Ele vinha de grandes clubes e aterrou aqui de pára-quedas. O Goethals era homem para um Benfica ou um Sporting. Chega aqui e apanha uma série de putos.
Um deles és tu.
Certo, é ele quem me lança na 1.ª divisão.
Como eram as palestras dele?
Sempre em francês, traduzidas pelo Manuel Machado. É preciso ver que já havia zairenses trazidos pelo Valter Ferreira para o Vitória.
N’Dinga?
Ninguém lhe tirava a bola, era um fenómeno. O N’Dinga, numa fase muito inicial, o Valter dizia-nos que ele tinha fugido do Zaire em cima de um crocodilo, ahahahahahahah. O N’Dinga, noooosa senhora, porra, era um fenómeno. Só que chegou aqui e ressentiu-se claramente, com frio e chuva. Parecia eu no Barreiro. O relvado aqui [e aponta para trás, onde está o estádio] estava encharcado, a transbordar de águas. Sabes quem era o melhor na aquaplanagem? Um gajo chamado Isima. Esse era o maior. Ele corria mais que todos nós juntos. Sabes o que ele fazia à noite, tipo 5 da manhã? Andava a correr pela cidade. Que craque, Isima. Se um dia falares com o Laureta, pergunta-lhe pelo Isima. O Laureta era o mais vivo de todos nós, vai contar-te histórias e mais histórias.
Também era zairense?
Não, nigeriano, se não me engano. Isima, que figura. Um dia, só jogava na Madeira se o clube pagasse a viagem à mulher.
Grande moral.
Ele era assim. Foi cá uma confusão. Acho que ele acabou por ir, sem a mulher.
E tu, qual a primeira impressão de Guimarães?
Adorei a primeira impressão. E a segunda, a terceira, a milésima e ainda hoje estou encantado com Guimarães. Para já, havia aquele fascínio desde criança com a própria história de Portugal e Guimarães é daquelas cidades sempre faladas. Depois, havia o castelo. A seguir, o primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques. Já havia uma certa familiaridade, digamos assim. No plano do futebol, havia o público, a paixão das pessoas pelo clube.
Já assim?
Ah pois. As pessoas eram genuínas, generosas. Se avariasse um carro no meio da rua, tinhas logo 15 pessoas à tua volta. Um gajo saía à rua e ia almoçar. Quando acabasse de almoçar, alguém já tinha pagado a conta sem dar a cara. Na altura do Natal, se não fossemos visitar as fábricas, as pessoas deixavam de nos apoiar. Nós tínhamos de ir lá, acompanhados pelos donos das fábricas, para trocar abraços e dois dedos de conversa. Mais uma vez, fale com o Laureta. Era ele quem organizava a malta para irmos em quatro ou cinco carros, com prendas. Levávamos lençóis, edredões e tudo isso. Fiquei encantado com a magia dessa gente. Se eu saísse de casa, as pessoas vinham à porta ver-me. Não havia nada disso no Benfica. Opá, só histórias numa base diária. Ah, faço vinte-e-tal-jogos no Vitória e o Pimenta quer a minha continuidade por mais um ano. Ligo ao Fernando Martins à frente do Pimenta. ‘Estou, senhor presidente? É o Neno, é para saber se fico ficar aqui mais um ano.’ No outro lado, ‘isso não é comigo, é com o treinador.’ E o Pimenta para mim ‘diz-lhe que vais casar cá em Guimarães.’ Ahahah, esse homem também era danado para a brincadeira. E tive de ir lá para baixo.
E depois?
Eles obrigam-me a voltar e fico dois anos no Benfica, mas quem jogava era o Bento. Eu jogava muito de vez em quando. E mesmo quando o Bento vem lesionado do México-86, é o Silvino quem assume a baliza. Nesse período, o Pimenta quer ficar comigo e telefono outra vez para o Benfica.
Essa do telefonar é engraçado.
Ahahahah, outros tempos. Dessa vez, atende-me o Eriksson, que falava assim com um sotaque italiano. ‘Neno, como estais?’, ahahahah. ‘Senhor Eriksson, tenho de ir aí abaixo porque acabou a época mas se é para não jogar então prefiro continua aqui.’ E ele, muito direto. ‘Neno, neste momento és o melhor guarda-redes português e, a seguir, é o Silvino. Mas o Silvino é que está a jogar. Não te vou dizer que chegas aqui e és titular. É o Silvino que está a jogar. Vens para aqui e logo se vê. À primeira oportunidade, entras.’
E o que aconteceu?
No primeiro ano, o Silvino era o titular do campeonato e eu o da Taça. No ano seguinte, eu jogava para o campeonato e o Silvino para a Taça.
Uma dupla de sucesso.
Já o era há alguns anos. Lembro-me de uma altura em que o treinador era o Mortimore. Beeeeem, o que o homem sofreu connosco [Neno levanta-se outra vez e começa a gesticular com vontade]. Enquanto o Mortimore metia os cones para os exercícios num lado do campo, os jogadores aqueciam no outro e era ouvir o Carlos Manuel a dizer alto e bom ‘Ó João’, porque o Mortimore era John = João, ‘Ó John, epá o que é que esta merda?’ ou então ‘Ó João, vai para a puta que te pariu’. Quando ele dizia isto, eu partia-me a rir e fazia um espalhafato enorme, parecia uma galinha [Neno imita mesmo uma galinha, cacaracacá]. O Mortimore atravessava o campo e vinha dar-me na cabeça em vez de o fazer com quem realmente tinha a culpa. Outro exemplo do mesmo tipo: nas corridas à volta do campo, o Carlos Manuel tomava a dianteira e, de repente, recuava para ficar ao meu lado.
E então?
Começava a peidar-se e eu ria-me, ria-me, ria-me. Como tinha um riso fácil, tramava-me. Ahahahahahah. E o homem [Mortimore] estava sempre de olho em mim. Nas viagens de comboio para o Norte, os gajos queriam sempre estar comigo.
Quais gajos?
Carlos Manuel, Diamantino e José Luís.
E queriam estar contigo porquê?
Porque eu não bebia vinho e isso significava um copo vazio, útil para quem quisesse beber. Uma vez, o José Luís mete-se naquele cubículo onde se guardam as malas, sabes? Lá em cima, dentro dos compartimentos. O José Luís mete-se lá em cima e o Diamantino começa a dar-lhe com os sacos. Pá, pá, pá, pá. Eu, sentado, a rir-me sem parar. Claro, este chinfrim ouvia-se a quilómetros de distância e o homem foi ter à nossa cabina. Ouvia-se o abrir de portas dos compartimentos e sentia-se o homem a aproximar. Bem, quando o Mortimore abre a porta, o sacana atira-se a mim. Só durante a semana é que se atirou ao José Luís e ao Diamantino.
Que coboiada.
Acabou a época e vou falar com o presidente. ‘Ó presidente, o Mortimore fica? Fica, não fica? Então quero sair. Isto é assim, assado e tal.’ E o presidente ‘ò Neno, calma, calma.’ E eu ‘ò presidente, a vida é para gozar, desfrutar, rir. Se eu fico sem rir, não vale a pena.’
E agora?
Comecei a pensar em clubes. O Vitória SC era o mais indicado, pela experiência positiva. Só que era amigo de um rapaz chamado Paulo Oliveira e ele é filho do presidente do Vitória FC, o Fernando Oliveira. Aliás, conheço o Paulo desde os tempos do Barreiro. Era um miúdo muito acanhado, tão acanhado que nem se dava com as miúdas. Um dia, disse-me que gostava de uma miúda, a Babá, Bárbara, e eu, cupido-mor, apresentei-os. Olha, até hoje. Casaram-se e tal, três filhos e tal. O Paulo era o avançado das minhas equipas na escola e marcava uns golos. A partir daí, companheiros para sempre. Nessa fase, fui jantar a casa de família do Paulo. Uma casa do caraças, pá. Tinha pista de kart e court de ténis. A propósito, comecei a jogar ténis com ele. Só que o Paulo ganhava sempre e desisti, ahahahahah. Nos karts, já era diferente. Bom, estávamos a jantar e o pai diz-me ‘sabes do que gostava mesmo? Que fosse meu guarda-redes.’ Olha, fui para lá.
Setúbal, muito bem.
Tive azar.
Como assim?
Encontrei lá o Meszaros, na altura o sexto melhor guarda-redes do mundo. Atenção, Meszaros: campeão no Sporting com o Allison. Quando o Allison sai do Sporting, vai para Setúbal e leva o preparador físico Roger Spry e o Meszaros.
E mais uns, não? Manuel Fernandes, Eurico…
O Manuel Fernandes aparece mais tarde que eu, tal como o Jordão.
Então e o Benfica aceitou a transferência?
Veja bem como eram as coisas nesse tempo: o Benfica apresentava-se dia 10 e o Vitória dia 6. Apresentei-me em Setúbal, fiz os exames médicos e só depois é que falei com o Fernando Martins.
E jogaste?
Só na parte final da época, uns seis jogos. O Meszaros foi sempre o titular.
Boa gente, o Meszaros?
Uyyyyy, impecável. Adorava-me e estava sempre a dizer ao Conhé, que era o nosso treinador de posição, que eu tinha de estar num clube para jogar. Há um dia, em que o Meszaros vai à seleção da Hungria e a RTP aparece no treino. Era raro, mas acontecia. Nesse dia, o Titó, terceiro guarda-redes, estava lesionado e o Allison pediu ao Conhé para ir a uma das balizas. Primeiro remate, golo. E eu só me ria do outro lado. Quando remataram à minha baliza, faço uma defesa e digo ‘ò Conhé, vê-me isto’. Ahahahah, foi só rir e tudo filmado pela RTP. Conte ao Conhé, ele vai lembrar-se disso de certeza. Acaba a época em Setúbal e o Pimenta Machado liga-me a dizer que o Jesus vai sair. Quer isso dizer que tenho a passadeira vermelha estendida em Guimarães. Falo logo com o presidente e o acordo faz-se na boa, porque o Benfica estava interessado num avançado do Vitória chamado Ademir, se não me engano. Fiquei dois anos seguidos em Guimarães.
Sempre a jogar?
Sempre.
Feliz, então?
Sempre fui feliz por onde passei. Sabes porquê? Eu era um palhaço dentro do balneário, todo o mundo vivia em função do Neno. Mesmo na seleção. Quando cheguei lá, apanhei os Humbertos Coelhos, os Jaimes Pachecos, os Jaimes Magalhães, os Bastos Lopes e era muito calado no início. Depois, arrebitei e fiquei a ser uma referência. Quando as pessoas me viam, faziam cá uma festa e isso é um sinal, um bom sinal. Ouça, ò Rui, vou contar-lhe duas histórias.
Arranque.
Faço as tais duas épocas no Vitórias, 1988-89 mais 1989-90, e volto ao Benfica. Na primeira jornada, há um Vitória-Benfica em Braga, no 1.º Maio, e eu sou suplente do Silvino. Mal entro em campo, há uma salva de palmas para mim. O Eriksson até atrasou o passo e disse-me ‘Neno, nunca tinha visto isto. O que é que fizeste a esta gente?’
Outra história.
Esta foi-me contada há pouco tempo por um dirigente chamado Pedro Xavier e eu até gravei porque foi um momento tão giro. Jogavam Benfica e Vitória na Luz. Epá, o Vitória deu um festival à gente e o Benfica é que ganha. No fim do jogo, entro no balneário do Vitória. Bato à porta e quem abre é o Pedro Xavier, que não me conhecia bem. Entro no balneário e falo com cada um dos jogadores, a dizer-lhes que a derrota era injusta, que o árbitro não tinha estado bem com eles, levantei a cabeça, não pensem mais nesta derrota. E o Pedro Xavier a dizer-me que nunca tinha visto um jogador do adversário para levantar a moral dos nossos. Tenho outra.
Onde?
No Benfica. Contrata-se o Valdo e o Vitória vai à Luz sacar um 0-0. Quem me conta a história é o Valdo. Ele é apresentado no estádio, vai ao relvado e depois regressa ao balneário para conhecer os novos companheiros antes do jogo. Antes sequer de se aproximar da porta, ouve uma algazarra de todo o tamanho e vê-me a fazer aquelas palhaçadas todas. Ele para um colega ‘quem é esse cara aí?’.
E a resposta?
É o Neno, goleiro da equipa adversária. Ahahahahah. Aquilo fez-lhe uma confusão danada, porque o Valdo entendia que eu devia estar no balneário do Vitória a concentrar-me para o jogo. Epá, nunca fui assim. Antes do jogo, imediatamente antes, os gajos são meus amigos e quero falar com eles e brincar e tal.
E nunca tiveste problemas?
Pois, às vezes, tinha.
Pois.
Quando cheguei ao Benfica, fui treinado pelo Eusébio na equipa B, que, na altura, era as reservas. E começámos mal, ahahahah. Atenção, agora sou um dos melhores amigos do Eusébio e a família dele ligou-me para transportá-lo no cortejo para o Panteão. Isso para mim é um orgulho, até porque o Eusébio conheceu-me já depois de acabar a carreira de futebolista. Ou seja, fez muitos amigos antes e eu apareço muito depois. Queria contar o quê?
O Eusébio na equipa B
Ah, é verdade. Obrigado. Durante os jogos, havia situações que me davam vontade de rir e o Eusébio ‘epá, Neno, isto não é para rir’. Só que isso era impossível, eu ria-me quando me dava vontade. Houve uma outra vez, já com o Toni e já mais a sério, com a equipa principal.
Chuta.
É um jogo com o Boavista, onde jogava o Sánchez. Ora bem, o Sánchez chega a Portugal e começa a treinar connosco no Benfica. Só depois é que vai para o Boavista. E o Sánchez era daqueles que gostava de treinar remates à baliza depois do treino, como o Isaías. Portanto, eu chegava a casa muito tarde por causa do Sánchez, ahahahah. Bom, Benfica-Boavista para o campeonato e há um livre para o Sánchez. Ele atira e eu defendo. Com a bola na mão, partia-me a rir e dizia-lhe ‘epá, tu aqui, nem penses.’ Aconteceu uma vez. Duas e eu ‘aqui, impossível’. Ouve, ao intervalo, o Toni dá-me uma bronca no balneário: ‘o que é esta merda? Isto não é uma brincadeira pá, ele ainda te marca um golo e aí quero ver como é.’
E tu?
Fiquei meio chateado com o Toni. Isso passou com o tempo, claro. Nessa noite, em casa, pensei no que ele disse e, claro, o Toni tinha razão. Se o Sánchez marcasse, seria o cabo dos trabalhos. Ahahahah.
O Neno é um caso raro na seleção porque é internacional pelo Vitória.
Grande vitória da minha parte. E digo-te uma coisa, até foi tarde.
Então?
Havia o estigma de dar a titularidade a alguém de Benfica, Sporting ou Porto. Fosse à baliza ou mais à frente. Lembro-me de uma vez ter sido convocado e, logo a seguir, dispensado.
Quando?
Ainda nas camadas jovens. Como era do Barreirense, estava atrás dos outros de Benfica, Sporting e Porto. Por exemplo, a minha é com o Brasil.
Certo.
Mas é preciso ver o contexto. O titular da seleção era o Silvino, do Benfica, e eu estava em muito melhor forma que ele. Só que o Benfica foi fazer uma excursão para a China e, claro, a seleção foi outra. Tanto assim é que foram buscar jogadores ao Belenenses, como Juanico, ao Chaves e ao Boavista. Acho até que o meu suplente era o Alfredo.
E esse jogo no Brasil?
Empatámos 2-2.
Nããããão.
Pois não, ahahahahahah. Acabou 4-0, com autogolos de Sobrinho e Veloso. Ahahahah. Ahahahahah [sim, Neno ri-se a dobrar]. Um jogo excecional, no Maracanã. Foi a única vez que lá estive. Meto-me muito com os jogadores brasileiros e pergunto-lhes se jogaram no Maracanã. Se eles disserem não, ‘então não podes falar comigo’. Ahahahahah.
Mas fizeste mais jogos pela seleção pelo Vitória?
Sim, mais. Depois, regresso ao Benfica e fixo-me mais um pouco. Só aí dá-se o aparecimento do Vítor Baía, o jogador que o Porto quer impor. Para vender e não sei o que mais. Atenção, não estou a pôr em causa o valor do Vítor. Que é um guarda-redes belíssimo. Sai então o Silvino e passo a ser eu o suplente do Vítor.
Vais ao Euro-96?
Não, não fui e o Oliveira pede-me desculpas posteriormente. Ò Rui, vou explicar-te: fizemos nove jogos, o Vítor jogou oito e eu um. Como suplente, fiz oito e o Alfredo um. Quem é que o Oliveira leva para Inglaterra? O Vítor e o Alfredo. Até me lembro de um programa na SIC em que fizeram um inquérito de rua e 100 por cento das pessoas apostavam em mim como suplente do Vítor. Mais tarde, durante uma festa com antigos jogadores, o Oliveira veio ter comigo e pediu-me desculpa por esse lapso. ‘Olha, há uma coisa que tenho de admitir: quem merecia ir ao Euro-96, eras tu. Eras a alma da seleção e não fui correto contigo.’
Como te sentias?
Injustiçado. Porque Portugal não ia a lado nenhum desde o México-86 e aqueles eram tempos diferentes. Não era mais uma competição, era a competição.
E ultrapassaste na boa?
Ahahahah, ò Rui, sou um homem de combate, de batalhas. É a tal questão do sorriso.
Porquê?
Havia jogadores que amuavam mal soubessem que não jogavam e estragavam o ambiente do grupo. Eu, era o contrário: não jogava e continuava a sorrir. Como disse o selecionador António Oliveira. Há uma história com o Mortimore.
Mais uma, vamos a isso.
Eu jogava para o campeonato e o Silvino para a Taça. Fomos jogar a Supertaça, a duas mãos. Jogámos nas Antas, 1-1 e fui o melhor em campo. Na Luz, 4-2 para o Porto naquele show do Futre. Nessa noite, as coisas correram-me mal. No dia seguinte, o Mortimore chamou-me a mim e ao Silvino e indicou que o Silvino ia passar a ser o titular do campeonato porque eu tinha estado mal. ‘Ò mister, eu não estive mal, tive culpa no golo do Futre. Nessa altura, já estávamos a perder por 2-1. Era o tudo ou nada e sofremos o 3-1. Mesmo que fizéssemos o 2-2, quem ganhava a Supertaça era o Porto. Mas, pronto, assumo a culpa no 3-1 do Futre.’ O Mortimore ouviu e reforçou que o Silvino ia ser o titular do campeonato. Virei-me para ele e ‘ò Silvino, nós somos muita burros; eles aqui nunca nos deram tranquilidade; se tu jogas mal, sais; que raio de confiança é essa?’ O Mortimore acrescenta que eu passo a jogar para a Taça. ‘Muito bem, mister, mas vou até à final. Não me vai tirar o lugar na final, é até ao fim.’
E que tal?
Foi o ano da dobradinha, 86-87: Silvino no campeonato, eu na Taça.
É o ano dos 7-1 em Alvalade.
Sim senhor, 7-1 [Neno bate com a mão na mesa]. Na terça-feira seguinte, primeiro treino da semana e nós os dois, eu e o Silvino, à espera da conversa com o Mortimore. Dos 4-2 do Porto na Luz para os 7-1 em Alvalade, nem um mês de diferença, hein?! E o John, grande John, diz para o Silvino ‘o jogo não te correu bem, quem vai jogar a partir de agora é o Neno.’ E eu ‘não, não, não mister, não, não, não: você já me matou e agora não vai matar o Silvino; o Silvino é do campeonato e eu da Taça.’
E o Mortimore?
Perguntou-me ‘é isso o que tu queres?’
É sim senhor.
‘Muito bem’, disse ele.
Lembras-te de alguma exibição mítica?
Bessa, Antas. Nunca perdi nas Antas. Ou melhor, só uma vez. Ouve lá esta história. Ao serviço de Benfica e Vitória, tinha zero derrotas nas Antas. Um dia, sexta-feira à noite, antevéspera de Porto-Vitória, liga-me um jornalista para casa. Ainda não havia diretores de comunicação nem nada disso. ‘Ò Neno, pá, tu nunca perdeste nas Antas.’ Eu sabia, só que guardava esse tipo de informação para mim.
Assim de mansinho, é?
Ahahahah, claro. E eu a tentar driblar o jornalista. ‘Não, pá, assim de repente, lembro-me de perder 2-0 no tal ano.’ E ele, logo: ‘Não, não, aí não jogaste; estou a falar contigo em campo.’ E eu a sentir-me cada vez mais apertado. Pronto, descobriu-me a careca. Calma, há mais.
Ah bom.
No dia do jogo, sai uma entrevista do Alexandre, um central brasileiro do Vitória. O título era ‘Jardel, estou esperando por você no ar.’ Perdemos 3-0 e o Jardel faz dois golos com o pé. Noooosa Senhora, o Alexandre foi gozadíssimo nesse dia e no treino seguinte. Dizíamos-lhe ‘ééé, fica aí no ar à espera do Jardel’. Eis a história da minha única derrota nas Antas. O Pinto da Costa dizia-me que a melhor defesa que tinha visto nas Antas foi uma minha.
E lembras-te?
Sinceramente, digo-te uma coisa: os jogadores acumulam mais memórias más do que boas. Fiz defesas boas, imagino que sim, só que me lembro mais dos momentos difíceis. Desse momento em particular, tenho memória por um pormenor: mal faço a defesa, caio dentro da baliza e fico engalfinhado na rede.
A remate de quem?
Geraldão. A bola fez assim [Neno faz curvas com a mão direita]. Nesse tempo, era o Geraldão e o Branco. Os gajos eram tramados, pá.
E o N’Kama?
Nã, o N’Kama é diferente. A bola dele saía em frente e bastava estar lá. Com os remates de Geraldão e Branco, a bola ia assim e, de repente, mudava de direção. Aquilo que o Ronaldo faz, com a bola a cair no último instante, só havia um cá em Portugal assim: o Heitor, do Nacional. Depois, Marítimo. E ainda batia cantos diretos. Porra, esse Heitor era um perigo. Cada canto era meio golo. Tínhamos de estar concentradíssimos. E, às vezes, nem assim. Sofro um golo dele na Madeira. Ganhámos 2-1 pelo Vitória e o golo deles é do Heitor, num livre à entrada da área. A bola sobe, eu atiro-me, ò Rui, atirava-me sempre, e a bola desce. C’um caraças, golo. Agora, Geraldão e Branco, nem um golo ao Neno. Lembro-me é de um jogo nas Antas, com o Paulo Autuori a treinar o Vitória. O árbitro é Francisco Silva.
Está a juntar-se aí uma malta engraçada.
[Neno saca de uma folha mais uma caneta e começa a desenhar uma grande área] Ele marcou umas 20 faltas à entrada da área. A sério, umas 20. O Autuori estava fulo e sai disparado do banco na direção do árbitro, mal soa o apito para o final do jogo. Quando o jornalista lhe pergunta o que acha do jogo, o Autuori diz ‘pô, como é que vou gostar do jogo com um árbitro destes? Porque é que viemos para cá jogar? Nem vale a pena a viagem, pô’.
E o Figo em cima de ti?
Falha minha, mas a grande verdade é que ninguém pode tocar no guarda-redes dentro da pequena área. E a outra grande verdade, 2-1 na Luz e 6-3 em Alvalade. E, no jogo da Luz, o melhor em campo fui eu. Nos últimos minutos, o Cadete vira-se à meia volta e já está a gritar golo quando eu saco a bola para canto. Em Alvalade, epá, ok, Sporting marcou, sim senhor, culpa minha.
Um golo parecido com a da primeira volta.
Sabes ò Rui, naquela altura, os jogadores não davam voltas à cabeça com análises como agora. O futebol era mais descontraído, tanto que nem me lembrava desse pormenor até tu me teres dito. Agora, a culpa é minha.
Esse título de campeão em 1994 foi arrancado a ferros.
Estávamos com tanta confiança que íamos ganhar em Alvalade.
Mas como, se o Benfica empata em casa com o Estrela, na jornada anterior?
Um-um, golo de Mário Jorge, e o pessoal também diz que a culpa é minha. Mas tudo bem, fiquei na minha. Mas tudo bem, ninguém viu que a bola ainda toca no Mozer e trai-me. Ouça, nós fizemos estágio no forte de Cascais e dávamos voltas mais voltas até à hora do jogo. O meu grupo inclui William mais Isaías e a confiança era tremenda. Se eles marcarem, a gente vai lá e marca também. A confiança era elevada. E, depois, justiça seja feita, estava lá o João Pinto.
Como é assistir da baliza a uma exibição daquelas?
É daqueles momentos que não te conseguia traduzir por palavras. Hoje, sou capaz de dizer uma série de adjetivos. Estava tão concentrado no jogo que, sabes, nem sequer saboreei devidamente o hat-trick do João na primeira parte.
E a segunda parte?
Mais golos nossos, 4-2, 5-2 e 6-2. Eles fazem o 6-3 de penálti.
Por Balakov.
Que craque. E quase defendo, sabes? Porque adivinho o lado da bola. Só que escorrego no momento em que me atiro. Ao deslizar-me, desequilibro-me e a bola entra.
Já agora, havia ciência nos penáltis naquela altura?
Nada pá. Muito pouco. Era mais intuição que outra coisa.
Futebol de rua?
Exatamente, futebol de rua. Malandrice pura. A ciência, como hoje é aplicada nesse lances, até chega a atrapalhar.
Já agora, a intuição era o quê?
Observar a cara do jogador, o movimento do corpo, o olhar fixo na bola, essas coisas. Quando íamos para a baliza nos penáltis, era ficar quieto até à hora do remate. Não dar sequer um cheirinho. Imagina dar um cheirinho ao Balakov.
Um cheirinho?
Ameaçar que ia atirar-me para a direita. Ou para a esquerda. O Balakov, que era um sacana dos bons a marcar livres, porra, topava-me na hora e enganava-me sem dificuldade. Não, a minha ideia era ficar quieto em cima da linha. Obviamente, já tinha um lado predestinado, dependente do tal jogo corporal do jogador.
E havia jogadores sem jogo corporal?
É aí que queria chegar. O Balakov, por exemplo, não tinha. Ele era demasiado craque para ser malandro. Ou seja, na hora do penalti, ele metia a bola na marca, recuava e avançava para bater sem desvendar nada. [Neno levanta-se da cadeira e simula o ato puro de malandrice] Há malandros que, enquanto metem a bola na marca, olham para um lado e, depois, atiram para o outro. E há os espertos que olham para um lado e atiram para esse mesmo lado. Há de tudo e temos de estar preparados. O Balakov, não. Ele já sabia para onde ia rematar e não desvendava nada ao guarda-redes.
Deves ter mil e histórias de penáltis.
Tenho uma bem engraçada. Fomos jogar a Alvalade.
Fomos?
Nós, do Vitória. Penálti in-ven-ta-do. A sério, o Vitória está a fazer um jogo sensacional em Alvalade e o árbitro marca um penálti a favor do Sporting. Avança o Oceano. Beeeem, saí da baliza, como é logico. Ahahahahahah. ‘Ò preto, põe-te quieto pá. Deixa lá outro marcar, senão vou caçar-te o penálti e sair daqui mal-visto.’ Eu a tentar demovê-lo e o sacana, tranquilo. Eu a falar, sempre. ‘Vou caçar-te essa porcaria, ainda por cima não foi penálti’. Ele, impávido e sereno. Olhou só uma vez para mim, na boa. Entretanto, o árbitro empurrou-me para a baliza.
Estou curioso.
Epá, eu sabia como ele marcava os penáltis pela experiência nos treinos da seleção. A minha dúvida era será que ele vai manter ou vai mudar de lado? Não, o Oceano não muda. Porque o bom marcador de penálti não muda de lado. Quem me ensinou isso foi o Nélson Moutinho, pai do João, ainda no tempo do Barreirense. Não, vou atirar-me para o lado de sempre. Este jogo mental e tal até ao apito do árbitro. O Oceano avança e mete o pé.
Eeeeeeee?
Atiro-me para o lado de sempre do Oceano e ele engana-me. Não me disse nada. Nada. Acaba o jogo e o Paulinho vai ao balneário do Vitória à minha procura.
Para quê?
Entrega-me um embrulho e diz que é da parte do Oceano.
O que era?
A camisola do jogo. O filho da puta, que não tem outro nome, desenhou a baliza, desenhou-me a mim num lado e a bola no outro. Ahahahahahahah. Foooogo. Ainda hoje tenho essa camisola guardada lá em casa.
E tens mais?
Poucas, porque costumava dar a quem me pedia.
Tens de quem?
Zé Beto, Preud’homme, Vítor Baía, Figo num Vitória-Barcelona, João Moutinho, Rui Costa, João Pinto, Zenga.
Eisch, Zenga? Jogaste contra ele?
Foi um jogo particular da seleção nos EUA, em 1992. Gostava muito do Zenga e pedi-lhe para trocar. E também tenho do Seaman.
O inglês?
Sim senhor. Apanhei-o naquele Arsenal 1 Benfica 3. E depois apanho-o num Inglaterra 1 Portugal 1 em Wembley. O engraçado é que jogámos com o Portsmouth para a Taça UEFA há uns anos e o guarda-redes deles era o David James. Quando me viu, o James chamou-me e diz-me que era o suplente do Seaman nesse 1-1. Bem, poucos minutos depois, chego ao balneário do Vitória e digo à malta ‘sabem quem está lá fora? O David James, suplente do Seaman num jogo em que eu joguei em Wembley.’ Ahahahahahahah. No jogo de volta, aqui em Guimarães, o James entregou-me uma camisola do Seaman, vê bem. Nunca mais me esqueci desse gesto.