Great Scott #224: Quantos jogos apanha Goicoechea após atropelar Maradona?
18, depois reduzido para 10
Começa a segunda época de Maradona no Barcelona, 1983-84. O arranque volta a ser caótico, derrota em Sevilha, 3:1 no Sànchez Pizjuan. Segue-se 1:0 ao Osasuna e 5:1 em Magdeburgo, com hat-trick do 10. Chega a fatídica noite de 24 Setembro 1983. O jogo é de sentido único, 4-0 para o Barcelona e zero remates à baliza do Athletic. Aos 53 minutos, o número 5 bilbaíno, Goicoechea de seu nome, atropela Diego. Atropela à séria, é uma entrada arrepiante. De franzir o sobrolho. O tornozelo do argentino, tchau. Leva 30 pontos e antevê-se uma paragem de três meses. A indignação é grande, enorme, xxl. No campo, todos se atiram ao árbitro Jiménez Madrid. O apelido é tramado. Goicoechea aguenta-se em campo até ao fim e só leva o cartão amarelo por pressão imediata dos jogadores catalães. Fora do campo, a manchete da Marca é elucidativa: ‘Proibido ser artista’.
A saída de Diego do relvado em maca é uma imagem sentida por todos os barcelonistas. No balneário, Diego vomita e vomita. Quando o querem passar para uma cadeira de rodas antes de entrar na ambulância, os paramédicos percebem essa impossibilidade e mantêm-no em cima da maca. É operado nessa noite e sai do hospital nove dias depois, a 3 Outubro. Antes de chegar a casa, no hall do hospital, tem de dar uma entrevista colectiva para quatro canais de televisão, 20 estações de rádios e mais de 50 jornalistas da imprensa escrita. De outro mundo. ‘Perdoo Goicoechea, porque sou de perdoar, mas ele não é nenhum santo. Nem ele nem os adeptos do Athletic que o vêem como um herói depois do que me fez. Se o futebol espanhol continuar assim, a apoiar a violência dentro de campo, não sei onde vai parar. Os adeptos do Athletic devem idolatrar figuras como Dani e Sarabia, homens do jogo limpo. A verdade é que Goicoechea telefonou-me e estamos bem, é um colega de profissão e acredito na sua palavra. Também acredito que os 18 jogos de suspensão passem a voar.’ Dezoito? Essa é boa, a federação reduz para 10 e Goicoechea regressa num Barcelona vs Athletic para a Supertaça espanhola.
A recuperação física é toda em Buenos Aires, contra o desejo de Núñez, a quem Diego chama cabeça de termo. Durante três meses, Diego faz-se rodear de uma dupla insuspeita, Rubén Darío Oliva e Fernando Signorini. O primeiro é um conceituado médico de desportistas, residente em Milão. ‘Ele sabe que a mobilidade dos meus tornozelos ocupa uma parte importantíssima do meu jogo, por isso não quero uma recuperação tradicional que me iria tirar a possibilidade de os girar à minha maneira’. O segundo é um personal trainer, cuja mulher dá aulas de ténis a Claudia em Barcelona. As duas fazem-se amigas inseparáveis, as famílias unem-se e nunca mais se separam. Signorini é PT de Diego até ao fim e até é dele a frase lapidar: ‘Faço tudo por Maradona, não mexo uma palha por Diego’. A jogar em casa, ao lado dos seus, Diego apresenta-se em Barcelona no início do ano 1984 e volta a jogar a 8 Janeiro, vs Sevilha. Marca dois golos. Melhor é impossível.
Quis o destino, Barcelona vs Athletic na final da Taça do Rei, dia 5 Maio 1985. Na semana anterior, Diego provoca. ‘Se não conseguirmos ganhar a Liga, que vença o Real Madrid e não o Athletic.’ Em Bilbau, a frase chega aos ouvidos do treinador Javier Clemente. ‘É um imbecil’. Os ânimos, ?como no?, aquecem. E explodem. Ganha o Athletic, com golo de Endika aos 13 minutos, numa final com sete cartões amarelos, insuficientes para controlar a agressividade em campo. Se a primeira parte é pobre, a segunda é inexistente. O relógio anda 45 minutos, a bola é que não. Ao todo, só dez minutos de tempo útil. Uma vergonha inaudita. Culpa de todos, mais de Diego. Mal termina o jogo, atira-se a Goicoechea. Leva troco. Volta a atacá-lo. A ele e a outros. Às tantas, já é uma confusão danada, autêntica batalha campal. Ninguém se entende, chutos e pontapés a torto e a direito. É um cenário inaudito, visto ao vivo e a cores pelo rei Juan Carlos e só a cores por ¾ da população espanhola, através da transmissão televisiva da TVE.
Com o visionamento das imagens chocantes pela federação espanhola, Diego é suspenso de todas as competições nacionais por três meses (18 jogos), a contar desde o início de época, em Setembro. Há diligências mil para dar a volta ao texto. Diego é mesmo recebido pelo rei. Esse mesmo, o Juan Carlos. O encontro é na casa real, na Zarzuela. Aparece também o Primeiro-Ministro Felipe González. Durante 90 minutos, esgrimem argumentos. À despedida, Diego é lacónico. ‘Julgava que o Barcelona era um clube para mim, mas não conhecia a idiossincrasia dos catalães. Por isso, soy de Madrid.’ Que facada. A direcção do Barcelona treme, antevê uma transferência por baixo da mesa para o arqui-rival. Gaspart, sempre ele, é enviado por Núñez ao encontro de Diego e apresenta-lhe um cheque em branco. ‘Diz o teu preço’. Diego nem faz caso, a sua ideia é sair de Espanha, daquele futebol primitivo ‘em que te perseguem e abatem como um animal todo o jogo sem querer saber da bola por um segundo’. É mais, ‘me están matando, el Barcelona debe decidir lo antes posible si me quiere mantener en el equipo o no’.
E Goicoechea? Também apanha 18 jogos, depois reduzido para sete. Who cares? Obrigado Goicoechea. Se não fosses tu, Diego dificilmente iria para o Nápoles.