#13 McLaren-Honda 1988
Primeiro de tudo, os nomes dos carros: Tyrrell, March-Judd, Arrows, Benetton, Minardi, Ligier, Lola. Depois, os nomes dos pilotos Riccardo Patrese, Alessandro Nannini, Nicola Larini, Andrea de Cesaris, Michele Alboreto. A musicalidade dos italianos é qualquer coisa. Também há Martin Brundle, Thierry Boutsen, Derek Warwick, Luis Pérez-Sala, Jonathan Palmer, René Arnoux, Mauricio Gugelmin, Satoru Nakajima. Sem esquecer, óbvio, os irredutíveis Ayrton Senna, Alain Prost, Nigel Mansell, Nelson Piquet e Gerhard Berger.
O ano 1988 da Fórmula 1 é histórico por um sem número de motivos, o mais extraordinário dos quais relacionado com o sistema (macaco) de pontuação. Então não é que a FIA só conta os 11 melhores resultados das 16 corridas?! Com este registo inovador (?), os 105 pontos de Prost contra os 94 de Ayrton viram 90-87 a favor do brasileiro. É o fungagá da bicharada. E é também o primeiro título de três de Ayrton.
Pronto prévio (e caliente): Ayrton e Prost pertencem à mesma equipa. Prost já é da McLaren desde 1984 (conquista aí os primeiros dois títulos mundiais, em 1985 e 1986), Ayrton junta-se precisamente nesse ano de 1988, com a permissão do francês. A ideia é construir uma dupla irresistível para derrubar a Williams, duplamente campeã em 1987, tanto ao nível do Mundial de pilotos (Piquet) como do de construtores. A McLaren, com motor Honda, arranca então a melhor época de sempre, quase perfeita, só traída pela vitória de Berger (Ferrari) em Itália. Ao todo, 15 poles e 15 vitórias em 16 corridas. É obra.
GP BRASIL
A aventura dos sentidos começa a 3 Abril, é o GP Brasil no autódromo Nélson Piquet, em Jacarepaguá, ali para os lados do Rio de Janeiro. A pole é de Ayrton, a volta mais rápida de Berger e a vitória de Prost. Até é equilibrado, vá. Insistimos, a pole é de Ayrton. É, sim senhor. É a sua primeira em casa. Só que o brasileiro parte a alavanca de velocidades na volta de aquecimento e é obrigado a ir às boxes. Quando chega à grelha, com um carro novo, é relegado para o último lugar. Lá à frente, Prost controla tudo e todos a bel-prazer.
E Ayrton? Faz uma das dele. Isto é, começa em 21.º, salta para 15.º à quarta volta, depois 8.º à décima, 6.º à 13.ª e 2.º à 20.ª, após ultrapassar o compatriota Piquet e beneficiar da desistência de Mansell e ainda da ida às boxes de Berger. Quando Prost vai às boxes, Ayrton assume a liderança. Por uma volta. É a vez de Ayrton nas boxes. No regresso à posta, já está sexto. E então, isso é peanuts para ele. Ou…?
Na volta 30, o comissário mostra a bandeira preta a Ayrton. Então? O brasileiro trocara de carro antes da larga e isso é proibido. Ninguém o avisa. Problemas na casa McLaren? O director Ron Dennis rejeita a bandeira preta, considera-a injusta. Ayrton idem idem. Prost aspas aspas. Em vão. Ayrton é desqualificado, Prost acaba em primeiro.
GP SÃO MARINO
Na terra dos Ferrari, a esperança é vermelha. Sim, vermelha. A cor dos McLaren. O carro de Ayrton é o melhor na qualificação com quase três segundos e meio de avanço sobre Piquet, terceiro – pelo meio, Prost. Ou seja, dois McLaren à frente da grelha. E então? É só a terceira vez na história da F1, após GP Canadá 1972 (Revson-Hulme) e GP Alemanha 1986 (Rosberg-Prost).
Na largada, Ayrton avança e nunca mais larga o primeiro lugar. Aliás, o domínio é tão intenso que o brasileiro dá uma volta de avanço a todos os concorrentes, à excepção do companheiro de equipa. Como os McLaren têm um depósito de 150 litros de gasolina para a corrida, a gestão é um assunto delicado. Daí que Ayrton comece a última volta com sete segundos de avanço sobre Prost e acabe só com 2.334. No abrandar é que está o ganho.
Curiosidade maiúscula: o menino bonito da casa (italiano Alboreto ao volante do italiano Ferrari) acaba em último, a seis voltas do vencedor. O outro Ferrari, a cargo de Berger, é quinto. O GP evidencia uma diferença enorme entre os Ferrari e os McLaren: 7 km/h na recta antes da curva Tosa e 16 km/h na recta da meta.
GP MONACO
Nas ruas do Monaco, o rei é Ayrton. Na qualificação, dá mais de um segundo de avanço a Prost. A sua volta é épica. Ouçamo-lo. ‘Sentia-me como se conduzisse num túnel. A pista toda voltou a ser um túnel. Cheguei a tão alto nível de concentração como se eu e o carro fôssemos um ente. Estávamos juntos no máximo. Dava tudo ao meu carro e vice-versa. De repente, foi como se tivesse acordado e reparado em que tinha estado num nível diferente da consciência. Fiquei mesmo pasmado e não conduzi mais naquele dia, compreendi que tinha estado numa espécie de espiral sem começo nem fim. Mais rápido e mais rápido, mais perto e mais perto da perfeição. Mas também muito mais vulnerável, os limites da segurança mais fininhos.’
A corrida é um baile de Ayrton, completamente sozinho na frente, sem qualquer pressão. Na 54.ª volta, Prost ultrapassa Berger e começa a apertar o cerco. A movida é engraçada, sobretudo quando Prost crava a volta mais rápida do dia. De seguida, Ayrton supera-o com 1:26.321. Ron Dennis, o director da McLaren, acalma-os pela rádio e pede inteligência para gerir o resto da corrida. Em vão.
Com uma larga vantagem de 50 segundos sobre o segundo classificado, Ayrton desconcentra-se a 11 voltas do fim e vai contra os rails de protecção à entrada do túnel. Visivelmente incomodado com o erro, Ayrton sai de cena com o capacete enfiado na cabeça e vai a pé para casa, ali ao lado. Só volta ao circuito mais à noite, quando as boxes estão a fechar. A vitória é de Prost (a quarta no Monaco em cinco anos) com 20 segundos de avanço sobre Berger e 30 sobre Alboreto, os dois Ferrari a completar o pódio.
GP MÉXICO
Quarta corrida do ano, quarta pole de Ayrton. Na qualificação, a nota do dia é o acidente pavoroso de Alliot (Lola) na curva Peraltada, a 240 km/h. Espantosamente, o francês recupera do crash e tem alta do médico Sid Watkins, num extraordinário 13.º lugar, à frente do Williams de Nigel Mansell.
A primeira largada é abortada, culpa dos problemas do Benetton de Alessandro Nannini antes da bandeira verde. Significa isso uma segunda volta de aquecimento e a redução do GP de 58 para 67 voltas. A segunda largada é benéfica para Prost. E também Piquet. Já Ayrton experimenta dificuldades e cai para terceiro. Uma ultrapassagem sobre Piquet ainda na primeira volta evidencia a superioridade dos McLaren.
A corrida é uma pasmaceira, com Prost sempre à frente e até detentor da volta mais rápida, um segundo. Ayrton acaba em segundo, seguido pelos Ferrari (o de Alboreto, quarto classificado, leva uma volta de avanço dos dois McLaren) e estes perseguidos pelos dois Arrows (tanto Warwick como Cheever dão uma abada aos Benetton, com uma volta de avanço).
GP CANADÁ
O circuito Gilles Villeneuve, em Montreal, volta ao circo da F1 um ano depois e Ayrton acumula a quinta pole seguida do ano, com 182 centésimas de segundo de avanço sobre Prost. ‘Agora tenho mesmo de ganhar, não posso deixar o Prost distanciar-se ainda mais.’
A ideia fixa de ganhar encontra um problema logo à partida, porque a pole significa partir do lado sujo da pista. Disso mesmo se aproveita Prost para largar por dentro e ultrapassar o companheiro de equipa na primeira curva. Dá-se então a reacção de Ayrton, com um episódio marcante na história da F1 à 19.ª volta. Então, então?
Na curva L’Epigne, a táctica de Ayrton é travar mais tarde que o costume e arrancar mais decidido que o normal. Prost é batido e nunca mais alcança a liderança. É a primeira vitória de sempre de Ayrton com ultrapassagem sobre Prost. Sem os Ferrari em pista, a preocupação dos McLaren é gerir o combustível. ‘Fiz todas as voltas de olho no painel e surpreendi-me várias vezes porque gastava mais que o permitido’. Ayrton passeia durante 50 voltas, uma das quais é a mais rápida.
GP DETROIT
O circuito citadino na capital do automóvel nos EUA é sempre uma atracção maiúscula. Vencedores das duas últimas edições em 1986 e 1987, Ayrton é o mais natural candidato à vitória. Todos o sabem, o próprio inclusive. Com um cuidado aqui e ali. ‘É impossível cometer um erro em Detroit, senão já era. No Monaco, ainda há espaço para um erro ou dois, aqui um erro implica bater no cimento.’
A sexta pole consecutiva de Ayrton é conseguida no treino de sexta-feira, com mais de um segundo de avanço sobre Prost. No sábado, ninguém se aproxima do 1:40.606 – nem sequer Ayrton. Para surpresa geral, Prost é só o quarto, atrás de Berger e Alboreto. Com 61 mil espectadores nas bancadas, Ayrton lidera de fio a pavio e corta a meta em primeiro lugar, com uma volta de avanço sobre o terceiro classificado Boutsen.
No final da corrida, e em clima de perfeita harmonia, um canal francês convida Prost para entrevistar o vencedor do GP. Tudo corre às mil maravilhas. Na primeira pergunta sobre se Ayrton iria continuar a ganhar, a resposta é sui generis. ‘Uma sequência maior de vitórias só será possível mediante a ajuda do companheiro de equipa.’
GP FRANÇA
E à sétima corrida, uma pole de Prost – a sua primeira desde o GP Monaco 1986. Em segundo, Ayrton. A corrida é bastante movimentada, com Prost à frente da concorrência até à 37.ª volta, altura em que uma ida às boxes permite a ultrapassagem de Ayrton, cujo pit-stop na volta anterior dura menos três segundos que o do francês.
A partir da 45.ª volta, Ayrton começa a dar sinais de fraqueza com a perda de duas marchas na manete das mudanças – o mesmo problema de Prost no GP Detroit. Atento ao problema do companheiro, Prost avança destemido e completa a ultrapassagem sobre o brasileiro à 61.ª volta. Daí até ao fim, zero alterações na frente.
Prost ganha em casa pela terceira vez, após 1981 e 1983. Ayrton em segundo e, novidade das novidades, Alboreto em terceiro (Berger é finalmente batido pelo companheiro de equipa desde o GP Monaco 1987). Na conferência de imprensa, Prost e Ayrton trocam galhardetes. Sem os jornalistas presentes, Ayrton diz de sua justiça. ‘Ele diz que jogar em casa dá um extra, devia era agradecer esse ‘extra’ à perda das minhas marchas.’
GP INGLATERRA
Silverstone, 40 anos de vida. O circuito está cheio, as pessoas aderem à data redonda e o anfitrião Mansell aproveita para anunciar a transferência da Williams para a Ferrari em 1989. Os treinos marcam o inédito divórcio com os McLaren. O domínio é dos Ferrari, com pole de Berger e segundo lugar de Alboreto. Atrás, Ayrton e Prost.
No domingo, chove a cântaros – é a primeira corrida à chuva desde o GP Bélgica 1985. A largada é divinal. Só para alguns, já que Prost cai para 9.º. Lá à frente, Alboreto passa Berger. É chuva de pouca dura. Antes de concluída a primeira volta, Alboreto é ultrapassado por Berger e Ayrton.
Na volta 13, Ayrton assume a liderança e, acto contínuo, é barrado por Prost, ofendido com a hipótese de levar uma volta de avanço. Aliás, o francês abandona a corrida à 25.ª volta em 15.º lugar. ‘Parei porque não havia condições de conduzir. Para quê arriscar uma perna partida e toda uma época desportiva? Mais vale jogar pelo seguro. Além disso, cada um sabe do valor da sua vida.’
Pois é, a diferença está realmente aí. Ayrton, como rei da chuva, gosta de arriscar em toda a linha. E sai a ganhar. O pódio completa-se com Mansell (volta mais rápida) e Nannini.
GP ALEMANHA
De volta à monotonia, com McLaren e McLaren na primeira fila da grelha de partida, Ayrton carimba a sétima pole em nove corridas e a quinta vitória do ano. O fim-de-semana em Hockenheim é de chuva miudinha, propício para Ayrton. Quem sai para a pista com pneus de chuva nem sequer visita as boxes – quem sai com slick nem completa a primeira volta, como é o caso do campeão mundial Piquet.
Ayrton gira sempre à frente, da primeira à 44.ª volta. E o seu ritmo é avassalador. Na 5.ª volta, por exemplo, já acumula seis segundos de avanço sobre Berger. Na 12.ª, a vantagem dobra para 12, agora sobre Prost, cuja recuperação de uma má largada é recompensada com ultrapassagens de mestre.
Na conversa com os jornalistas, Ayrton é a confiança em pessoa. ‘Acredito que o título se decidirá com o número de vitórias. Prost tem agora três pontos de avanço sobre mim, mas eu tenho mais uma vitória que ele, portanto é um bom sinal para mim.’
GP HUNGRIA
Pelo segundo GP seguido, Ayrton ganha a corrida sem perder uma única vez a liderança. Além de ganhar a pole position, com Mansell em segundo (e Prost em sétimo). Pormenor delicioso (not): Mansell corre com sarampo, transmitido por um dos seus filhos.
A partida é cómoda para Ayrton, apesar de ter sido apertado três vezes. Primeiro por Mansell, até que o inglês sai da pista e é obrigado a ir às boxes à 12.ª volta. Depois por Patrese, até que o italiano aquece demasiado o carro à volta 27. Daí até à bandeira de xadrez, só uma tranquilidade inaudita. Finalmente por Prost, até que o francês perde o timing da ultrapassagem na 48.ª volta e leva um chega para lá do brasileiro.
Até à bandeira de xadrez, os dois McLaren andam colados e Ayrton ganha com uma vantagem microscópica de 529 milésimas de segundo. ‘Vocês já entenderam o porquê da minha vitória? Disparei com medo do sarampo’ graceja Ayrton, empatado em pontos (66) com Prost e em clara vantagem para o título de campeão mundial, com seis vitórias contra quatro.
GP BÉLGICA
O período de três semanas de intervalo entre Hungria e Bélgica é particularmente penoso para o mundo automobilístico pela perda de uma referência incontornável chamada Enzo Ferrari, aos 90 anos de idade, no dia 14 Agosto. A F1 entra em luto, óbvio. E depois avança, em Spa-Francorchamps.
Mansell está de fora (ainda e sempre o sarampo), entra Brundle para o seu lugar. Curiosidade máxima, Brundle é um dos rivais mais acérrimos de Ayrton desde os tempos da F3 inglesa. Nos treinos, Ayrton é o melhor. É a nona pole em 11 corridas do ano (iguala marca de Lauda, Piquet e Peterson) e a 25.ª da carreira (recorde nos anos 80, o que é notável para quem entra na F1 em 1984).
A partida é favorável a Prost, só que Ayrton saca uma ultrapassagem ao francês antes da chicane Les Combes. A partir daí, o brasileiro nunca mais é incomodado e corta a meta com uma vantagem de 30 segundos. Prost em segundo, Boutsen em terceiro. Cadê os Ferrari? Zero pontos, com desistências de Berger e Alboreto à 3.ª e 35.ª voltas, respectivamente. Quer isto dizer que a McLaren é coroada campeã mundial de construtores a cinco GP’s do fim.
Na cerimónia do pódio, Prost diz alto e bom para Ayrton ‘valeu, campeão’. Na conferência de imprensa, o francês vai mais longe. ‘Senna está mais rápido que eu e merece, de facto, ser o campeão’. Ayrton toma nota e reage ao seu estilo. ‘Se ele pensa que vou dormir em cima dos louros, rodou’.
GP ITÁLIA
É o primeiro GP em Itália desde o desaparecimento de Enzo e a FIA autoriza os dois Ferrari a saírem das boxes antes de todos os outros carros para o primeiro treino, na sexta-feira. A massa adepta comparece em peso, é lógico. E sai algo desiludida com mais uma pole de Ayrton, o único a rodar abaixo dos 1:26.
O sarampo ainda incomoda Mansell e a Williams volta a chamar Brundle, só que o dono da sua equipa Jaguar, um senhor chamado Tom Walkinshaw, veta o pedido. Entra então Jean-Louis Schlesser, amigo de Frank Williams. À partida, nada de mais. Veremos mais à frente.
O início é complicado para Ayrton, mais uma vez. Prost tira partido e ultrapassa-o. Baaaaah. Na primeira curva, o troco de Ayrton. O incómodo é xxl nas bancadas, os Ferraris nem incomodam minimamente. Até que Prost abandona à 34.ª volta, com problemas no motor. À 49.ª, a duas do final, Ayrton vai dar uma de avanço a Schlesser (ah-ha, gotcha) e dá-se mal. A manobra é precipitada, dizem uns, acusam outros, e há um toque a meio da curva que atira o 12 da McLaren para fora de pista.
O público vibra como nunca, a vitória da Ferrari cai-lhes do céu. Ganha Berger, em segundo Alboreto. Uma dobradinha impensável. No fim, invasão de pista e alegria ilimitada com adeptos a cumprimentar Schlesser e a dizer ‘grazie mille’.
GP PORTUGAL
Que movida, no Estoril. É domingo, 25 Setembro 1988. O preço de uma central é 60 contos, o almoço vale 13. Com lagosta e faisão. ‘E sem faisão?’, pregunta o jornalista. ‘Aí já são 12 e 900.’ É só rir. Há mais, atenção: Eusébio aparece na zona das boxes e é confundido pelos adeptos. ‘Devo ser o primeiro piloto negro da F1’ é o desabafo do Pantera. Que tira uma fotografia ao lado de Humberto Coelho e Ayrton Senna.
O brasileiro, batido por Prost nos treinos (em velocidade, salvo seja), anda cabisbaixo. ‘Gostava de pontuar bem, mas tenho outras três oportunidades.’ Mais à frente, ‘não quero falar de problemas nos bastidores, dentro da minha equipa, cada um faz o seu jogo.’ Verdade seja dita, Ayrton é campeão se ganhar no Estoril.
A primeira partida é abortada por culpa de De Cesaris, a segunda por um acidente em cadeia provocado por Warwick (Arrows) vs De Cesaris (Rial), Sala (Minardi) e Nakajima (Lotus). À terceira é de vez, 40 minutos depois da hora prevista para a largada, e Ayrton sai na frente. No início da segunda volta, Prost ultrapassa Ayrton e é vítima (digamos assim) de um contra-ataque venenoso do brasileiro, que o encosta à parede (salvo seja) a 280 km/h. O francês, mais destemido que nunca, continua a acelerar e confirma o primeiro lugar, posição mantida até ao final de um GP bem interessante.
Ayrton, por exemplo, acaba em sexto e é ultrapassado por Capelli na 22.ª volta mais Berger ligeiramente depois. É a primeira vez em todo o ano que o McLaren número 12 leva baile da concorrência alheia. E se Berger faz mal as contas e despista-se perto do fim, Capelli acaba num surpreendente segundo lugar. ‘Quando ultrapassei Prost dei-me conta da subida da temperatura da água e tive medo de avariar o motor. Entre uma hipotética vitória e o segundo lugar, preferi aguentar.’ É o primeiro pódio de sempre de Capelli e o primeiro de um March desde GP Itália 1976.
Adiado o sonho do título, Ayrton nem presta declarações. Entra em black-out. Lá se vai a ordem e progresso.
GP ESPANHA
Que finde alucinante, coño. O domínio dos McLaren é notório, Ayrton saca a 10.ª pole e, mais uma vez, é Prost quem se sai melhor na largada. Mansell, always atrevido, passa Ayrton na segunda volta, é ultrapassado e dá o troco para conservar a vice-liderança até ao final, sempre atrás do McLaren número 11. ‘Atrás do mestre’, diria Mansell sobre a corrida de Prost.
Além da vitória (a 34.ª da carreira), Prost ainda crava a volta mais rápida e adia o primeiro título mundial de Ayrton, cujo quarto lugar deixa-o furibundo. Ao contrário do GP Portugal, o brasileiro fala aos jornalistas e comenta a situação inédita de duas corridas seguidas sem pódio. ‘Enquanto a corrida se desenvolvia, a discrepância entre os carros aumentava.’
A verdade é que Ayrton está em baixo. O carro e o piloto, os dois num só. A outra verdade é que Ayrton dá um show de bola depois de ultrapassado por Nannini. A ida às boxes atira-o para fora dos pontos e aí vem ao de cima o artista dentro de si com ultrapassagens a Gugelmin, Berger e Patrese para acabar em quarto, a 11 segundos do último lugar do pódio.
GP JAPÃO
Ayrton 7, Prost 6. Uma vitória separa os pilotos da McLaren antes da penúltima corrida. É o terceiro match point do brasileiro: se ganhar em Suzuka, o último GP é um mero pró-forma. A pole é sua, a 12.ª do ano, todo um recorde de sempre. Tanto no treino livre (1 segundo) como no treino de classificação (três décimas), a diferença é mínima entre os dois.
A largada é um desastre completo para Ayrton. O sinal abre, o carro afoga. Simplesmente para, não anda para a frente nem para trás. Mal se apercebe da anomalidade, Ayrton levanta os braços para alertar os outros pilotos atrás de si. Por sorte, ninguém lhe toca. Por sorte, a largada está situada numa descida. E agora? ‘Peguei o carro no tranco e saí correndo’. Palavras de Ayrton, o 14.º classificado.
O quêêêê? Isso mesmo, Ayrton cai para 14.º lugar e tem de correr atrás do tempo para impedir a vitória de Prost, líder isolado. Na primeira volta, Ayrton faz oito ultrapassagens. Ya, oito. O-i-t-o. Na segunda volta, ultrapassa Patrese mais Nannini e ei-lo nos pontos, em sexto lugar. Na terceira, é Boutsen a vítima. Na quarta, Alboreto. Na 10.ª, Berger. Só falta Capelli e Prost.
Na 19.ª, sob chuva miudinha, tchau aí Capelli. No retrovisor de Prost, o 12 da McLaren aproxima-se a um ritmo galopante. A pressão alta dá os seus frutos à entrada para a recta das boxes com a 15.ª e mais espectacular ultrapassagem. Prost espreme tudo, Ayrton sai-se melhor. Até final, só dá Ayrton. A diferença é de 13 segundos, o novo campeão mundial exibe-se de forma notável no dia mais importante da sua carreira. ‘Com aquele problema no arranque, disse a mim que tudo estava acabado, mas fui encontrando o meu ritmo e acelerando cada vez mais rápido.’
GP AUSTRÁLIA
Uns dias de merecidas férias em Bali (Indonésia) para celebrar o inédito título de campeão mundial acabam por dar para o torto no momento que Ayrton se lesiona na mão direita no exercício das suas funções como guarda-redes num jogo entre amigos.
Nos treinos livres de sexta-feira, Prost é o mais rápido. No dia seguinte, Ayrton rouba-lhe a pole position, a sua 13.ª em 1988, recorde só batido em 1992 por Mansell. Na largada, Ayrton é ultrapassado por Prost, depois por Berger. O austríaco haveria de cometer a proeza de fintar o outro McLaren e assumir a liderança até desistir na 25.ª volta num choque com Arnoux (Ligier). Anos mais tarde, Berger admite a batida como um acto pensado para evitar andar lentamente até ao fim – naquele tempo, é proibido o abastecimento durante a corrida. ‘Era perfeito, porque o René era um dos pilotos mais distraídos, do tipo que não olhava pelo retrovisor e estava sempre no caminho de alguém. Assim, passei por ele e o pneu traseiro dele bateu no meu carro. Acabou, fim.’
Prost reassume a liderança e nunca mais a larga, embora pressionado por Ayrton, cuja caixa de mudanças perde uma marcha. ‘Perdi a segunda e há muitas curvas em Adelaide para se fazer em segunda, o que me dificultou a vida. No final, também quebrou a primeira. Mas foi bom, o ano. Para mim, para a equipa. Agora vou descansar um pouco no Brasil.’ (curiosidade do outro mundo: se Senna tivesse ganhado no Monaco, o campeão seria Prost)
Pole position e vitória no GP 1988 (a negrito, o intruso)
Brasil | Ayrton | Prost |
São Marino | Ayrton | Ayrton |
Monaco | Ayrton | Prost |
México | Ayrton | Prost |
Canadá | Ayrton | Ayrton |
Detroit | Ayrton | Ayrton |
França | Prost | Prost |
Inglaterra | Berger | Ayrton |
Alemanha | Ayrton | Ayrton |
Hungria | Ayrton | Ayrton |
Bélgica | Ayrton | Ayrton |
Itália | Ayrton | Berger |
Portugal | Prost | Prost |
Espanha | Ayrton | Prost |
Japão | Ayrton | Ayrton |
Austrália | Ayrton | Prost |