#13 McLaren-Honda 1988

Mais Spider Pig 02/21/2021
Tovar FC

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#13 McLaren-Honda 1988

Primeiro de tudo, os nomes dos carros: Tyrrell, March-Judd, Arrows, Benetton, Minardi, Ligier, Lola. Depois, os nomes dos pilotos Riccardo Patrese, Alessandro Nannini, Nicola Larini, Andrea de Cesaris, Michele Alboreto. A musicalidade dos italianos é qualquer coisa. Também há Martin Brundle, Thierry Boutsen, Derek Warwick, Luis Pérez-Sala, Jonathan Palmer, René Arnoux, Mauricio Gugelmin, Satoru Nakajima. Sem esquecer, óbvio, os irredutíveis Ayrton Senna, Alain Prost, Nigel Mansell, Nelson Piquet e Gerhard Berger.

O ano 1988 da Fórmula 1 é histórico por um sem número de motivos, o mais extraordinário dos quais relacionado com o sistema (macaco) de pontuação. Então não é que a FIA só conta os 11 melhores resultados das 16 corridas?! Com este registo inovador (?), os 105 pontos de Prost contra os 94 de Ayrton viram 90-87 a favor do brasileiro. É o fungagá da bicharada. E é também o primeiro título de três de Ayrton.

Pronto prévio (e caliente): Ayrton e Prost pertencem à mesma equipa. Prost já é da McLaren desde 1984 (conquista aí os primeiros dois títulos mundiais, em 1985 e 1986), Ayrton junta-se precisamente nesse ano de 1988, com a permissão do francês. A ideia é construir uma dupla irresistível para derrubar a Williams, duplamente campeã em 1987, tanto ao nível do Mundial de pilotos (Piquet) como do de construtores. A McLaren, com motor Honda, arranca então a melhor época de sempre, quase perfeita, só traída pela vitória de Berger (Ferrari) em Itália. Ao todo, 15 poles e 15 vitórias em 16 corridas. É obra.

GP BRASIL

A aventura dos sentidos começa a 3 Abril, é o GP Brasil no autódromo Nélson Piquet, em Jacarepaguá, ali para os lados do Rio de Janeiro. A pole é de Ayrton, a volta mais rápida de Berger e a vitória de Prost. Até é equilibrado, vá. Insistimos, a pole é de Ayrton. É, sim senhor. É a sua primeira em casa. Só que o brasileiro parte a alavanca de velocidades na volta de aquecimento e é obrigado a ir às boxes. Quando chega à grelha, com um carro novo, é relegado para o último lugar. Lá à frente, Prost controla tudo e todos a bel-prazer.

E Ayrton? Faz uma das dele. Isto é, começa em 21.º, salta para 15.º à quarta volta, depois 8.º à décima, 6.º à 13.ª e 2.º à 20.ª, após ultrapassar o compatriota Piquet e beneficiar da desistência de Mansell e ainda da ida às boxes de Berger. Quando Prost vai às boxes, Ayrton assume a liderança. Por uma volta. É a vez de Ayrton nas boxes. No regresso à posta, já está sexto. E então, isso é peanuts para ele. Ou…?

Na volta 30, o comissário mostra a bandeira preta a Ayrton. Então? O brasileiro trocara de carro antes da larga e isso é proibido. Ninguém o avisa. Problemas na casa McLaren? O director Ron Dennis rejeita a bandeira preta, considera-a injusta. Ayrton idem idem. Prost aspas aspas. Em vão. Ayrton é desqualificado, Prost acaba em primeiro.

GP SÃO MARINO

Na terra dos Ferrari, a esperança é vermelha. Sim, vermelha. A cor dos McLaren. O carro de Ayrton é o melhor na qualificação com quase três segundos e meio de avanço sobre Piquet, terceiro – pelo meio, Prost. Ou seja, dois McLaren à frente da grelha. E então? É só a terceira vez na história da F1, após GP Canadá 1972 (Revson-Hulme) e GP Alemanha 1986 (Rosberg-Prost).

Na largada, Ayrton avança e nunca mais larga o primeiro lugar. Aliás, o domínio é tão intenso que o brasileiro dá uma volta de avanço a todos os concorrentes, à excepção do companheiro de equipa. Como os McLaren têm um depósito de 150 litros de gasolina para a corrida, a gestão é um assunto delicado. Daí que Ayrton comece a última volta com sete segundos de avanço sobre Prost e acabe só com 2.334. No abrandar é que está o ganho.

Curiosidade maiúscula: o menino bonito da casa (italiano Alboreto ao volante do italiano Ferrari) acaba em último, a seis voltas do vencedor. O outro Ferrari, a cargo de Berger, é quinto. O GP evidencia uma diferença enorme entre os Ferrari e os McLaren: 7 km/h na recta antes da curva Tosa e 16 km/h na recta da meta.

GP MONACO

Nas ruas do Monaco, o rei é Ayrton. Na qualificação, dá mais de um segundo de avanço a Prost. A sua volta é épica. Ouçamo-lo. ‘Sentia-me como se conduzisse num túnel. A pista toda voltou a ser um túnel. Cheguei a tão alto nível de concentração como se eu e o carro fôssemos um ente. Estávamos juntos no máximo. Dava tudo ao meu carro e vice-versa. De repente, foi como se tivesse acordado e reparado em que tinha estado num nível diferente da consciência. Fiquei mesmo pasmado e não conduzi mais naquele dia, compreendi que tinha estado numa espécie de espiral sem começo nem fim. Mais rápido e mais rápido, mais perto e mais perto da perfeição. Mas também muito mais vulnerável, os limites da segurança mais fininhos.’

A corrida é um baile de Ayrton, completamente sozinho na frente, sem qualquer pressão. Na 54.ª volta, Prost ultrapassa Berger e começa a apertar o cerco. A movida é engraçada, sobretudo quando Prost crava a volta mais rápida do dia. De seguida, Ayrton supera-o com 1:26.321. Ron Dennis, o director da McLaren, acalma-os pela rádio e pede inteligência para gerir o resto da corrida. Em vão.

Com uma larga vantagem de 50 segundos sobre o segundo classificado, Ayrton desconcentra-se a 11 voltas do fim e vai contra os rails de protecção à entrada do túnel. Visivelmente incomodado com o erro, Ayrton sai de cena com o capacete enfiado na cabeça e vai a pé para casa, ali ao lado. Só volta ao circuito mais à noite, quando as boxes estão a fechar. A vitória é de Prost (a quarta no Monaco em cinco anos) com 20 segundos de avanço sobre Berger e 30 sobre Alboreto, os dois Ferrari a completar o pódio.

GP MÉXICO

Quarta corrida do ano, quarta pole de Ayrton. Na qualificação, a nota do dia é o acidente pavoroso de Alliot (Lola) na curva Peraltada, a 240 km/h. Espantosamente, o francês recupera do crash e tem alta do médico Sid Watkins, num extraordinário 13.º lugar, à frente do Williams de Nigel Mansell.

A primeira largada é abortada, culpa dos problemas do Benetton de Alessandro Nannini antes da bandeira verde. Significa isso uma segunda volta de aquecimento e a redução do GP de 58 para 67 voltas. A segunda largada é benéfica para Prost. E também Piquet. Já Ayrton experimenta dificuldades e cai para terceiro. Uma ultrapassagem sobre Piquet ainda na primeira volta evidencia a superioridade dos McLaren.

A corrida é uma pasmaceira, com Prost sempre à frente e até detentor da volta mais rápida, um segundo. Ayrton acaba em segundo, seguido pelos Ferrari (o de Alboreto, quarto classificado, leva uma volta de avanço dos dois McLaren) e estes perseguidos pelos dois Arrows (tanto Warwick como Cheever dão uma abada aos Benetton, com uma volta de avanço).

GP CANADÁ

O circuito Gilles Villeneuve, em Montreal, volta ao circo da F1 um ano depois e Ayrton acumula a quinta pole seguida do ano, com 182 centésimas de segundo de avanço sobre Prost. ‘Agora tenho mesmo de ganhar, não posso deixar o Prost distanciar-se ainda mais.’

A ideia fixa de ganhar encontra um problema logo à partida, porque a pole significa partir do lado sujo da pista. Disso mesmo se aproveita Prost para largar por dentro e ultrapassar o companheiro de equipa na primeira curva. Dá-se então a reacção de Ayrton, com um episódio marcante na história da F1 à 19.ª volta. Então, então?

Na curva L’Epigne, a táctica de Ayrton é travar mais tarde que o costume e arrancar mais decidido que o normal. Prost é batido e nunca mais alcança a liderança. É a primeira vitória de sempre de Ayrton com ultrapassagem sobre Prost. Sem os Ferrari em pista, a preocupação dos McLaren é gerir o combustível. ‘Fiz todas as voltas de olho no painel e surpreendi-me várias vezes porque gastava mais que o permitido’. Ayrton passeia durante 50 voltas, uma das quais é a mais rápida.

GP DETROIT

O circuito citadino na capital do automóvel nos EUA é sempre uma atracção maiúscula. Vencedores das duas últimas edições em 1986 e 1987, Ayrton é o mais natural candidato à vitória. Todos o sabem, o próprio inclusive. Com um cuidado aqui e ali. ‘É impossível cometer um erro em Detroit, senão já era. No Monaco, ainda há espaço para um erro ou dois, aqui um erro implica bater no cimento.’

A sexta pole consecutiva de Ayrton é conseguida no treino de sexta-feira, com mais de um segundo de avanço sobre Prost. No sábado, ninguém se aproxima do 1:40.606 – nem sequer Ayrton. Para surpresa geral, Prost é só o quarto, atrás de Berger e Alboreto. Com 61 mil espectadores nas bancadas, Ayrton lidera de fio a pavio e corta a meta em primeiro lugar, com uma volta de avanço sobre o terceiro classificado Boutsen.

No final da corrida, e em clima de perfeita harmonia, um canal francês convida Prost para entrevistar o vencedor do GP. Tudo corre às mil maravilhas. Na primeira pergunta sobre se Ayrton iria continuar a ganhar, a resposta é sui generis. ‘Uma sequência maior de vitórias só será possível mediante a ajuda do companheiro de equipa.’

GP FRANÇA

E à sétima corrida, uma pole de Prost – a sua primeira desde o GP Monaco 1986. Em segundo, Ayrton. A corrida é bastante movimentada, com Prost à frente da concorrência até à 37.ª volta, altura em que uma ida às boxes permite a ultrapassagem de Ayrton, cujo pit-stop na volta anterior dura menos três segundos que o do francês.

A partir da 45.ª volta, Ayrton começa a dar sinais de fraqueza com a perda de duas marchas na manete das mudanças – o mesmo problema de Prost no GP Detroit. Atento ao problema do companheiro, Prost avança destemido e completa a ultrapassagem sobre o brasileiro à 61.ª volta. Daí até ao fim, zero alterações na frente.

Prost ganha em casa pela terceira vez, após 1981 e 1983. Ayrton em segundo e, novidade das novidades, Alboreto em terceiro (Berger é finalmente batido pelo companheiro de equipa desde o GP Monaco 1987). Na conferência de imprensa, Prost e Ayrton trocam galhardetes. Sem os jornalistas presentes, Ayrton diz de sua justiça. ‘Ele diz que jogar em casa dá um extra, devia era agradecer esse ‘extra’ à perda das minhas marchas.’

GP INGLATERRA

Silverstone, 40 anos de vida. O circuito está cheio, as pessoas aderem à data redonda e o anfitrião Mansell aproveita para anunciar a transferência da Williams para a Ferrari em 1989. Os treinos marcam o inédito divórcio com os McLaren. O domínio é dos Ferrari, com pole de Berger e segundo lugar de Alboreto. Atrás, Ayrton e Prost.

No domingo, chove a cântaros – é a primeira corrida à chuva desde o GP Bélgica 1985. A largada é divinal. Só para alguns, já que Prost cai para 9.º. Lá à frente, Alboreto passa Berger. É chuva de pouca dura. Antes de concluída a primeira volta, Alboreto é ultrapassado por Berger e Ayrton.

Na volta 13, Ayrton assume a liderança e, acto contínuo, é barrado por Prost, ofendido com a hipótese de levar uma volta de avanço. Aliás, o francês abandona a corrida à 25.ª volta em 15.º lugar. ‘Parei porque não havia condições de conduzir. Para quê arriscar uma perna partida e toda uma época desportiva? Mais vale jogar pelo seguro. Além disso, cada um sabe do valor da sua vida.’

Pois é, a diferença está realmente aí. Ayrton, como rei da chuva, gosta de arriscar em toda a linha. E sai a ganhar. O pódio completa-se com Mansell (volta mais rápida) e Nannini.

GP ALEMANHA

De volta à monotonia, com McLaren e McLaren na primeira fila da grelha de partida, Ayrton carimba a sétima pole em nove corridas e a quinta vitória do ano. O fim-de-semana em Hockenheim é de chuva miudinha, propício para Ayrton. Quem sai para a pista com pneus de chuva nem sequer visita as boxes – quem sai com slick nem completa a primeira volta, como é o caso do campeão mundial Piquet.

Ayrton gira sempre à frente, da primeira à 44.ª volta. E o seu ritmo é avassalador. Na 5.ª volta, por exemplo, já acumula seis segundos de avanço sobre Berger. Na 12.ª, a vantagem dobra para 12, agora sobre Prost, cuja recuperação de uma má largada é recompensada com ultrapassagens de mestre.

Na conversa com os jornalistas, Ayrton é a confiança em pessoa. ‘Acredito que o título se decidirá com o número de vitórias. Prost tem agora três pontos de avanço sobre mim, mas eu tenho mais uma vitória que ele, portanto é um bom sinal para mim.’

GP HUNGRIA

Pelo segundo GP seguido, Ayrton ganha a corrida sem perder uma única vez a liderança. Além de ganhar a pole position, com Mansell em segundo (e Prost em sétimo). Pormenor delicioso (not): Mansell corre com sarampo, transmitido por um dos seus filhos.

A partida é cómoda para Ayrton, apesar de ter sido apertado três vezes. Primeiro por Mansell, até que o inglês sai da pista e é obrigado a ir às boxes à 12.ª volta. Depois por Patrese, até que o italiano aquece demasiado o carro à volta 27. Daí até à bandeira de xadrez, só uma tranquilidade inaudita. Finalmente por Prost, até que o francês perde o timing da ultrapassagem na 48.ª volta e leva um chega para lá do brasileiro.

Até à bandeira de xadrez, os dois McLaren andam colados e Ayrton ganha com uma vantagem microscópica de 529 milésimas de segundo. ‘Vocês já entenderam o porquê da minha vitória? Disparei com medo do sarampo’ graceja Ayrton, empatado em pontos (66) com Prost e em clara vantagem para o título de campeão mundial, com seis vitórias contra quatro.

GP BÉLGICA

O período de três semanas de intervalo entre Hungria e Bélgica é particularmente penoso para o mundo automobilístico pela perda de uma referência incontornável chamada Enzo Ferrari, aos 90 anos de idade, no dia 14 Agosto. A F1 entra em luto, óbvio. E depois avança, em Spa-Francorchamps.

Mansell está de fora (ainda e sempre o sarampo), entra Brundle para o seu lugar. Curiosidade máxima, Brundle é um dos rivais mais acérrimos de Ayrton desde os tempos da F3 inglesa. Nos treinos, Ayrton é o melhor. É a nona pole em 11 corridas do ano (iguala marca de Lauda, Piquet e Peterson) e a 25.ª da carreira (recorde nos anos 80, o que é notável para quem entra na F1 em 1984).

A partida é favorável a Prost, só que Ayrton saca uma ultrapassagem ao francês antes da chicane Les Combes. A partir daí, o brasileiro nunca mais é incomodado e corta a meta com uma vantagem de 30 segundos. Prost em segundo, Boutsen em terceiro. Cadê os Ferrari? Zero pontos, com desistências de Berger e Alboreto à 3.ª e 35.ª voltas, respectivamente. Quer isto dizer que a McLaren é coroada campeã mundial de construtores a cinco GP’s do fim.

Na cerimónia do pódio, Prost diz alto e bom para Ayrton ‘valeu, campeão’. Na conferência de imprensa, o francês vai mais longe. ‘Senna está mais rápido que eu e merece, de facto, ser o campeão’. Ayrton toma nota e reage ao seu estilo. ‘Se ele pensa que vou dormir em cima dos louros, rodou’.

GP ITÁLIA

É o primeiro GP em Itália desde o desaparecimento de Enzo e a FIA autoriza os dois Ferrari a saírem das boxes antes de todos os outros carros para o primeiro treino, na sexta-feira. A massa adepta comparece em peso, é lógico. E sai algo desiludida com mais uma pole de Ayrton, o único a rodar abaixo dos 1:26.

O sarampo ainda incomoda Mansell e a Williams volta a chamar Brundle, só que o dono da sua equipa Jaguar, um senhor chamado Tom Walkinshaw, veta o pedido. Entra então Jean-Louis Schlesser, amigo de Frank Williams. À partida, nada de mais. Veremos mais à frente.

O início é complicado para Ayrton, mais uma vez. Prost tira partido e ultrapassa-o. Baaaaah. Na primeira curva, o troco de Ayrton. O incómodo é xxl nas bancadas, os Ferraris nem incomodam minimamente. Até que Prost abandona à 34.ª volta, com problemas no motor. À 49.ª, a duas do final, Ayrton vai dar uma de avanço a Schlesser (ah-ha, gotcha) e dá-se mal. A manobra é precipitada, dizem uns, acusam outros, e há um toque a meio da curva que atira o 12 da McLaren para fora de pista.

O público vibra como nunca, a vitória da Ferrari cai-lhes do céu. Ganha Berger, em segundo Alboreto. Uma dobradinha impensável. No fim, invasão de pista e alegria ilimitada com adeptos a cumprimentar Schlesser e a dizer ‘grazie mille’.

GP PORTUGAL

Que movida, no Estoril. É domingo, 25 Setembro 1988. O preço de uma central é 60 contos, o almoço vale 13. Com lagosta e faisão. ‘E sem faisão?’, pregunta o jornalista. ‘Aí já são 12 e 900.’ É só rir. Há mais, atenção: Eusébio aparece na zona das boxes e é confundido pelos adeptos. ‘Devo ser o primeiro piloto negro da F1’ é o desabafo do Pantera. Que tira uma fotografia ao lado de Humberto Coelho e Ayrton Senna.

O brasileiro, batido por Prost nos treinos (em velocidade, salvo seja), anda cabisbaixo. ‘Gostava de pontuar bem, mas tenho outras três oportunidades.’ Mais à frente, ‘não quero falar de problemas nos bastidores, dentro da minha equipa, cada um faz o seu jogo.’ Verdade seja dita, Ayrton é campeão se ganhar no Estoril.

A primeira partida é abortada por culpa de De Cesaris, a segunda por um acidente em cadeia provocado por Warwick (Arrows) vs De Cesaris (Rial), Sala (Minardi) e Nakajima (Lotus). À terceira é de vez, 40 minutos depois da hora prevista para a largada, e Ayrton sai na frente. No início da segunda volta, Prost ultrapassa Ayrton e é vítima (digamos assim) de um contra-ataque venenoso do brasileiro, que o encosta à parede (salvo seja) a 280 km/h. O francês, mais destemido que nunca, continua a acelerar e confirma o primeiro lugar, posição mantida até ao final de um GP bem interessante.

Ayrton, por exemplo, acaba em sexto e é ultrapassado por Capelli na 22.ª volta mais Berger ligeiramente depois. É a primeira vez em todo o ano que o McLaren número 12 leva baile da concorrência alheia. E se Berger faz mal as contas e despista-se perto do fim, Capelli acaba num surpreendente segundo lugar. ‘Quando ultrapassei Prost dei-me conta da subida da temperatura da água e tive medo de avariar o motor. Entre uma hipotética vitória e o segundo lugar, preferi aguentar.’ É o primeiro pódio de sempre de Capelli e o primeiro de um March desde GP Itália 1976.

Adiado o sonho do título, Ayrton nem presta declarações. Entra em black-out. Lá se vai a ordem e progresso.

GP ESPANHA

Que finde alucinante, coño. O domínio dos McLaren é notório, Ayrton saca a 10.ª pole e, mais uma vez, é Prost quem se sai melhor na largada. Mansell, always atrevido, passa Ayrton na segunda volta, é ultrapassado e dá o troco para conservar a vice-liderança até ao final, sempre atrás do McLaren número 11. ‘Atrás do mestre’, diria Mansell sobre a corrida de Prost.

Além da vitória (a 34.ª da carreira), Prost ainda crava a volta mais rápida e adia o primeiro título mundial de Ayrton, cujo quarto lugar deixa-o furibundo. Ao contrário do GP Portugal, o brasileiro fala aos jornalistas e comenta a situação inédita de duas corridas seguidas sem pódio. ‘Enquanto a corrida se desenvolvia, a discrepância entre os carros aumentava.’

A verdade é que Ayrton está em baixo. O carro e o piloto, os dois num só. A outra verdade é que Ayrton dá um show de bola depois de ultrapassado por Nannini. A ida às boxes atira-o para fora dos pontos e aí vem ao de cima o artista dentro de si com ultrapassagens a Gugelmin, Berger e Patrese para acabar em quarto, a 11 segundos do último lugar do pódio.

GP JAPÃO

Ayrton 7, Prost 6. Uma vitória separa os pilotos da McLaren antes da penúltima corrida. É o terceiro match point do brasileiro: se ganhar em Suzuka, o último GP é um mero pró-forma. A pole é sua, a 12.ª do ano, todo um recorde de sempre. Tanto no treino livre (1 segundo) como no treino de classificação (três décimas), a diferença é mínima entre os dois.

A largada é um desastre completo para Ayrton. O sinal abre, o carro afoga. Simplesmente para, não anda para a frente nem para trás. Mal se apercebe da anomalidade, Ayrton levanta os braços para alertar os outros pilotos atrás de si. Por sorte, ninguém lhe toca. Por sorte, a largada está situada numa descida. E agora? ‘Peguei o carro no tranco e saí correndo’. Palavras de Ayrton, o 14.º classificado.

O quêêêê? Isso mesmo, Ayrton cai para 14.º lugar e tem de correr atrás do tempo para impedir a vitória de Prost, líder isolado. Na primeira volta, Ayrton faz oito ultrapassagens. Ya, oito. O-i-t-o. Na segunda volta, ultrapassa Patrese mais Nannini e ei-lo nos pontos, em sexto lugar. Na terceira, é Boutsen a vítima. Na quarta, Alboreto. Na 10.ª, Berger. Só falta Capelli e Prost.

Na 19.ª, sob chuva miudinha, tchau aí Capelli. No retrovisor de Prost, o 12 da McLaren aproxima-se a um ritmo galopante. A pressão alta dá os seus frutos à entrada para a recta das boxes com a 15.ª e mais espectacular ultrapassagem. Prost espreme tudo, Ayrton sai-se melhor. Até final, só dá Ayrton. A diferença é de 13 segundos, o novo campeão mundial exibe-se de forma notável no dia mais importante da sua carreira. ‘Com aquele problema no arranque, disse a mim que tudo estava acabado, mas fui encontrando o meu ritmo e acelerando cada vez mais rápido.’

GP AUSTRÁLIA

Uns dias de merecidas férias em Bali (Indonésia) para celebrar o inédito título de campeão mundial acabam por dar para o torto no momento que Ayrton se lesiona na mão direita no exercício das suas funções como guarda-redes num jogo entre amigos.

Nos treinos livres de sexta-feira, Prost é o mais rápido. No dia seguinte, Ayrton rouba-lhe a pole position, a sua 13.ª em 1988, recorde só batido em 1992 por Mansell. Na largada, Ayrton é ultrapassado por Prost, depois por Berger. O austríaco haveria de cometer a proeza de fintar o outro McLaren e assumir a liderança até desistir na 25.ª volta num choque com Arnoux (Ligier). Anos mais tarde, Berger admite a batida como um acto pensado para evitar andar lentamente até ao fim – naquele tempo, é proibido o abastecimento durante a corrida. ‘Era perfeito, porque o René era um dos pilotos mais distraídos, do tipo que não olhava pelo retrovisor e estava sempre no caminho de alguém. Assim, passei por ele e o pneu traseiro dele bateu no meu carro. Acabou, fim.’

Prost reassume a liderança e nunca mais a larga, embora pressionado por Ayrton, cuja caixa de mudanças perde uma marcha. ‘Perdi a segunda e há muitas curvas em Adelaide para se fazer em segunda, o que me dificultou a vida. No final, também quebrou a primeira. Mas foi bom, o ano. Para mim, para a equipa. Agora vou descansar um pouco no Brasil.’ (curiosidade do outro mundo: se Senna tivesse ganhado no Monaco, o campeão seria Prost)

Pole position e vitória no GP 1988 (a negrito, o intruso)

Brasil AyrtonProst
São Marino AyrtonAyrton
Monaco AyrtonProst
México AyrtonProst
Canadá AyrtonAyrton
Detroit AyrtonAyrton
França ProstProst
Inglaterra              Berger    Ayrton
Alemanha AyrtonAyrton
Hungria AyrtonAyrton
Bélgica AyrtonAyrton
Itália                        Ayrton     Berger
Portugal ProstProst
Espanha AyrtonProst
Japão AyrtonAyrton
Austrália AyrtonProst
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