Que cromo
Quando se fala de México, lembro-me inevitavelmente de 1986. Até nem é do Mundial em si, é mais da caderneta de cromos. Em anos de Europeus e Mundiais, uma colecção Panini é o assunto do dia todos os dias lá em casa, entre o meu pai e eu. Cada um compra a colecção no mesmo dia (ou melhor, a minha mãe compra) e daí arrancamos para uma competição sem igual de abrir carteirinhas e colar os cromos. O primeiro a acabar ganha o direito de… de… de… de gozar com o outro. Como tenho infinitos amigos com quem trocar um Rummenigge por um Carlos Manuel ou um Shilton por um Maradona na escola primária, ali no Poeta, na Alameda das Linhas de Torres, mesmo ao lado das instalações da RTP no Lumiar, acabo a colecção com relativa antecedência e sem necessidade de pedir os últimos 20 ou 30 por correio. Já o meu pai, muah ah ah ah. Os amigos da RTP até podem ser fixes, só que não têm andamento para miúdos de nove anos, todos com pêlo na venta. Quando o meu pai vai para o México (longe de Saltillo) ao serviço da RTP, já ele pedira à Panini os cromos em falta. Quando os ditos cujos chegam a casa, eu não faço mais nada: abro a carta sem a autorização do destinatário e começo uma segunda caderneta. Beeeeeem, a cara do meu pai. Um poema, só vos digo. De escárnio e mal-dizer, claro. Ele até encaixa bem. Ou então é bluff. Tic tac tic tac. Dois anos depois, está a fazer-se uma revista do Euro-88. E eu, aos 11 anos de idade, colaboro pela primeira vez, a pedido do meu pai. A minha função é simples: recolher os símbolos das federações dos oito países que ele me entrega em mão e distribuí-los pelas páginas das respectivas selecções para facilitar a vida ao gráfico de serviço. Nada de mais. De repente, reparo que os símbolos estão recortados de uma caderneta. Nem desconfio, a princípio. Depois, errrrr. Tic tac tic tac, o mistério adensa-se. Quando chego a casa, vou à procura da minha Panini completa do Euro-88 e, ya, tenho menos oito autocolantes. Que cromo, o meu pai.