#19 Ajax 1995
Ajax, bicicletas e canais. O ABC de Amesterdão é mais, muito mais variado que isso e desagua por outros caminhos. Red Light District (RDL)? Not a chance. Coffee shops? Not really, cof cof cof. Isso tudo faz parte da Amesterdão dos turistas, bem distinta da Amesterdão dos holandeses.
É como a diferença do Sherlock Holmes de Hollywood (the real one, o fiel retrato dos livros de Conan Doyle) e o da BBC (mais cerebral que físico). Ou o Batman de Christopher Nolan (the real one, o fiel retrato dos comic books) e o de Tim Burton (mais fantasia que realismo). E a Amesterdão dos turistas perde-se nas ruas e vielas da RLD e das coffee shops, enquanto a Amesterdão dos holandeses ganha outra dimensão em zonas exclusivamente residenciais, sem canais, e com a beleza e a originalidade da arquitectura, fascinante e intolerante ao crescimento desmedido e tão (des)característico das metrópoles.
As duas cidades coexistem, embora só uma seja a verdadeira. The real one. E essa Amesterdão, a dos holandeses forretas e calvinistas, é um mundo à porta como se o stress fosse uma palavra proibida e a paz um mandamento da condição social. E desportiva, acrescentamos nós. Porque o Ajax é uma equipa única, capazes de proezas absolutamente surreais. Como a do futebol total, com Cruijff em campo e Kovacs no banco. E como a do futebol total parte 2, com Van Gaal no banco.
O treinador-com-cara-de-poucos-amigos é chamado à pedra em 1991, em substituição de Leo Beenhakker. Na primeira época, o Ajax ganha a Taça UEFA sem perder um único jogo (8-4-0). Para cúmulo, é obrigado a jogar em campo neutro nas três primeiras eliminatórias, vs Örebro (Suécia), Rot-Weiss Erfurt (RDA) e Osasuna (Espanha).
Por culpa do mau comportamento dos adeptos numa eliminatória va Austria Memphis em 1989, a UEFA castiga forte e feio. Vai daí, o Ajax só pode jogar a 200 km de Amesterdão calvinista/turística e escolhe Düssledorf, na Alemanha. Uma escolha acertada, a avaliar pelas três vitórias sem sofrer qualquer golo. Na final, o Torino é um adversário digno. Só. O Ajax domina os acontecimentos. Sem alaridos, é certo. Jonk faz o 0:1, Pettersson o 1:2. Cabe ao brasileiro Casagrande o bis para fixar o resultado. Na segunda mão, no Olímpico (na altura, a casa do Ajax é o velhinho De Meer, só que o Olímpico mete mais cinco mil pessoas), o 0:0 é teimoso até ao fim e o Ajax proclama-se a segunda equipa a juntar as três provas europeias, após a Juventus.
O descanso dos guerreiros é merecido. No ano seguinte, eliminam o Vitória SC por concludente 5:1 (Guimarães 3:0 e Amesterdão 2:1, com Bergkamp a marcar nas duas mãos) antes de aviarem o Heerenveen por 6:2 na final da Taça da Holanda. No outro ano, o Ajax é campeão holandês e ganha um lugar na Liga dos Campeões. Começa a aventura dos sentidos. O imenso talento na formação, já sobejamente conhecida com os casos dos Bolas de Ouro Cruijff e Van Basten, mais o olho vivo de Van Gaal é uma dupla sem igual e o Ajax assina o melhor ano de sempre. Jamais visto, nunca mais repetido.
Ao todo, 42 vitórias e oito empates em 50 jogos entre campeonato e provas internacionais. Isso mesmo, zero derrotas. Zero. Em matéria de golos, 151 marcados. O rei é o finlandês Litmanen, com 29. Seguem-lhe Kluivert (23), Kanu (18), Overmars (17), Frank de Boer (13), Ronald de Boer (10) e Finidi (10). Ya, sete jogadores com 10 ou mais golos. E alguns deles nem são titulares de caras. Como Kluivert, como Kanu, como Ronald de Boer. Que categoria.
Em alguns momentos desse glorioso ano de 1995, o esquema de Van Gaal até é demasiado ofensivo com um 3-1-2-1-3. Na baliza, Van der Sar. Na defesa, Reiziger à direita, Blind no meio e Frank de Boer a descair para a esquerda. Na posição 6, Rijkaard. À sua frente, dois artistas de pulmão infinito chamados Seedorf e Davids. A 10, Litmanen. À direita, Finidi. À esquerda, Overmars. No meio, a 9, Kluivert. Ou Kanu. Ou Ronald de Boer.
O ajuntamento de tanta qualidade por metro quadrado faz-se notar pelo futebol solto, em ataque constante. Não à toa, o Ajax ganha a Liga dos Campeões em cima do campeão do título, ao qual vencera já duas vezes na fase de grupos. Ou seja, três vitórias vs Milan. É dose. Na ressaca dessa conquista, alicerçada por um golo do suplente Kluivert, o Ajax faz-se campeão nacional sem qualquer derrota. Outro feito. Na entrada para a época seguinte (1995-96), é campeão da Supertaça holandesa. E, no final do ano, levanta mais o troféu da Taça Intercontinental, vs Grémio de Scolari, no desempate por penáltis. Antes de viajar até Tóquio, o Ajax faz escala em Madrid.
É dia de jornada da Liga dos Campeões. O primeiro lugar do grupo está bem encaminhado, uma vitória no Santiago Bernabéu acaba com qualquer dúvida. Ao intervalo, 0:0. Pura mentira. O Ajax dá um baile inesquecível, com três bolas ao poste (Kluivert, Overmars, Litmanen) e dois golos invalidados (Kluivert, Litmanen). No balneário, Van Gaal dá a táctica. ‘O resultado é injusto, mas é impossível não ganharmos se continuarmos a jogar assim’.
Dito e feito. Na segunda parte, o Real Madrid de Valdano continua a ver jogar. O 0:1 é de mestre. Davids rouba a bola, lança Finidi e este mete a bola na área com uma trivela. Litmanen aparece e encosta a bola por entre as pernas de Buyo. Aos 75 minutos, a jogada do 0:2 é mais envolvente, com Blind, Finidi, Kluivert, Overmars e Kluivert. Acaba assim, 0:2. A caminho do túnel, os adeptos do Real Madrid aplaudem entusiasticamente o Ajax. Para o guarda-redes Van der Sar, ‘é das memórias mais fantásticas que tenho, um momento realmente especial’.
É o auge do Ajax 1995.
(a negrito, os jogos fora) (a itálico, em campo neutro)
Janeiro
Waalwijk | 1:1 | Kluivert |
PSV | 1:0 | Kluivert |
Vitesse | 3:2 | Kluivert / F de Boer / Van den Brom |
Fevereiro
NAC Breda | 3:1 | Kluivert-2 / Van den Brom |
Feyenoord | 4:1 | Finidi / F de Boer / Van Vossen / Blind |
Roda | 1:1 | Kluivert |
Dordrecht | 3:1 | F de Boer / Overmars / Kanu |
Março
Hajduk Split | 0:0 | |
Go Ahead Eagles | 2:1 | Litmanen / Kanu |
Hajduk Split | 3:0 | F de Boer-2 / Kanu |
NEC | 5:1 | Litmanen-3 / Kanu / Seedorf |
Sparta Roterdão | 8:0 | Litmanen-2 / F de Boer-2 / Seedorf / Kanu / Blind / Van Eck (pb) |
Twente | 1:0 | Kanu |
Abril
Heerenveen | 3:3 | Litmanen-2 / Kanu |
Bayern | 0:0 | |
Willem II | 7:0 | Litmanen-2 / F de Boer / R de Boer / Kanu / Finidi / Seedorf |
Groningen | 4:2 | Kluivert-2 / F de Boer / Overmars |
Bayern | 5:2 | Litmanen-2 / Finidi / R de Boer / Overmars |
Maio
Maastrich | 3:0 | Finidi / Overmars / Davids |
Utrecht | 2:1 | Seedorf / Van den Brom |
Volendam | 4:1 | F de Boer / R de Boer / Blind / Litmanen |
Feyenoord | 5:0 | Kanu-2 / Overmars / Davids / Van Vossen |
Milan | 1:0 | Kluivert |
Twente | 3:1 | Finidi-2 / Davids |
Agosto
Feyenoord | 2:1 ap | R de Boer / Kluivert |
Utrecht | 4:0 | Davids / Kluivert / Blind / Reuser |
NEC | 6:0 | Finidi-2 / Overmars-2 / Reuser / Davids |
Setembro
Sparta Roterdão | 4:0 | Kanu-2 / Reuser / Overmars |
Real Madrid | 1:0 | Overmars |
Go Ahead Eagles | 4:0 | Kanu-2 / Davids / Marbus (pb) |
Fortuna Sittard | 4:0 | F de Boer / R de Boer / Kanu / Overmars |
NAC Breda | 1:0 | Kluivert |
Ferencvaros | 5:1 | Litmanen-3 / Kluivert / F de Boer |
Outubro
Heerenveen | 4:0 | Davids / Litmanen / Kluivert / Straal (pb) |
Vitesse | 3:0 | Kluivert / Davids / R de Boert |
Twente | 3:0 | Overmars-2 / Litmanen |
Grasshopper | 3:0 | Kluivert-2 / Finidi |
Feyenoord | 4:2 | Overmars-2 / Bogarde / Litmanen |
Volendam | 4:0 | R de Boer-2 / F de Boer / Wooter |
Roda | 6:1 | Kluivert-2 / Litmanen / Blind / Davids / Kanu |
Novembro
Grasshopper | 0:0 | |
PSV | 1:1 | Kanu |
Waalwijk | 3:0 | Kluivert-2 / Litmanen |
Groningen | 4:1 | Kluivert / Litmanen / Kanu / Overmars |
Real Madrid | 2:0 | Litmanen / Kluivert |
Grémio | 0:0 (p 4:3) |
Dezembro
Ferencvaros | 4:0 | Litmanen-2 / Overmars / R de Boer |
Utrecht | 3:0 | Litmanen-2 / Overmars |
De Graafschap | 1:0 | Litmanen |
NEC | 3:1 | Litmanen / Finidi / R de Boer |