#20 Portugal 1961

Mais Spider Pig 04/10/2021
Tovar FC

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#20 Portugal 1961

Há génios, em talento e feitio. Como Pedroto. Futebolista de créditos firmados em Portugal, primeiro pelo Belenenses, onde chega à selecção AA em 1952, depois pelo Porto, onde ganha dois títulos de campeão em 1956 e 1959, José Maria diz adeus aos relvados em 1960 com 30 anos de idade e abraça a carreira de treinador.

Inscreve-se num curso de treinador promovido pela federação francesa de futebol e, no fim das aulas, é considerado o melhor estrangeiro, e com nota máxima. Com o diploma na mão, Pedroto embarca na aventura que só terminará em 1984. O seu primeiro trabalho é a selecção nacional de juniores, apurada para a fase final da 7.ª edição do Europeu, a decorrer em Portugal.

Inicialmente há 16 equipas envolvidas. Escrevemos inicialmente, porque três (Jugoslávia, RDA e Hungria) desistem. Daí que o torneio esteja coxo, com apenas 13 selecções, divididas em quatro grupos. O sorteio da UEFA dita Portugal no grupo A, com Itália, Inglaterra e Jugoslávia. O treinador de campo, José Maria Pedroto, chefiado pelo seleccionador David Sequerra, jornalista do “Mundo Desportivo”, um dos três jornais desportivos portugueses de então, juntamente com “A Bola” e “Record”, convoca 22 jogadores.

A lista inclui figuras de muitos clubes, uns até do arco da velha como Leões de Santarém (Tito) e Sanjoanense (Calhau). O Benfica é o mais presente com cinco ilustres: o guarda-redes Melo, os laterais Amândio e Nogueira, o interior Jorge Lopes e o extremo Simões. É precisamente este último o autor do primeiro golo desta campanha e por ter sido aquele com mais carreira, tanto no clube como na selecção.

“O nosso estágio foi ali para os lados de Carcavelos, está a ver? Um dia, naquelas brincadeiras de adolescentes, trancaram-me na varanda. Além desse problema, havia outro: eu estava nu, completamente nu. E eles [companheiros de Simões], do lado do quarto, a gozarem com a minha figura. Então eu empurrei a janela e parti-a. Rasguei parcialmente três dedos da mão direita e joguei todo o Europeu com uma ligadura enorme, o que dificultava imenso as quedas no relvado, provocadas por faltas ou escorregadelas. A sorte é que quando se é jovem, a capacidade de reacção é maior e esquiva-se mais facilmente aos perigos. Ainda hoje tenho a marca dessas lesões na mão direita. E ainda hoje tenho presente a descompostura do Pedroto. Foi cá um raspanete! Todos ouviram, incluindo eu, a vítima.”

A estreia é vs Itália, nas Antas, a 30 Março 1961. Com arbitragem do holandês Roomer, a equipa nacional alinha com Rui; Amândio e Nogueira; Carriço, Manuel Rodrigues e Oliveira Duarte; Crispim (cap), Nunes, Jorge Lopes, Serafim e Simões. E não se sai do 0-0 num jogo muito abrutalhado, extremamente físico e feio. Do lado italiano, destaque para a presença de Sandro Mazzola.

Dois dias depois, a 2 Abril 1961, uma lição de alto nível com 4:0 vs Inglaterra sob a arbitragem do alemão Tschenscher. Aqui, Pedroto faz duas alterações em relação ao jogo anterior, com as saídas de Manuel Rodrigues e Jorge Lopes para as entradas de Manuel Moreira e Peres. Este último puxa Simões para interior-esquerdo e é este quem marca o 1-0. “Acho que foi um remate com o pé esquerdo, de fora da área, muito parecido com aquele que marquei ao Real Madrid em 1965, nos 5-1 na Luz.” Segue-se Nunes, assistido por Simões. E depois o bis de Serafim, financiado por Amândio.

A qualificação para as meias-finais como vencedor do grupo só será carimbada se a Itália não ganhar por mais de quatro à Inglaterra, o que efectivamente acontece (3:2). Assim, há Portugal vs Espanha em Alvalade, no dia 6 Abril. O treinador Pedroto faz regressar Jorge Lopes para o lugar de Nunes. O teste é ultrapassado com distinção, embora os espanhóis nos façam ir atrás do resultado. Tudo porque Jesus marca no primeiro minuto, de ângulo apertado. A chuva miudinha e o relvado escorregadio pedem um Portugal mais físico. Entra Serafim em acção.

‘Ele tinha um corpo bastante maior que o dos restantes companheiros’, diz Simões. ‘Era capaz de comer dois bifes ao almoço, em dia de jogo, e depois entrar em campo para fazer golos atrás de golos.’ Serafim, o possante avançado, lança o capitão Crispim para o 1:1 e assina o 2:1 mais o 3:1 com livres indirectos dentro da área, além do 4:1 em resposta a um cruzamento atrasado de Simões. A vitória gorda é efusivamente festejada, a final está ali ao virar da esquina.

Abril, dia 8. Estádio da Luz, palco da decisão (no dia seguinte, há empate 1:1 no Benfica vs Sporting para a 1.ª divisão). Pela única vez no torneio, Pedroto não mexe no onze. Está bem assim. E está mesmo, 4:0 vs Polónia. Com quatro golos de Serafim, dois em cada parte. No dia do jogo, ao almoço, Serafim está com fome e pede permissão a Pedroto para um segundo bife. ‘Ò homem, come até três ou quatro se isso ter fizer marcar golos.’ A piada faz-se sozinha, certo? Quatro golo de Serafim, quatro. É obra. Jamais visto, nunca mais repetido.

É a primeira grande conquista de Portugal nas selecções. Antes até do Benfica campeão europeu (31 Maio 1961). Parabéns a todos. É a festa do futebol português. Para a história, um retrato do onze base. Na baliza, Rui nunca chega à selecção AA e só veste a camisola do FC Porto, entre 1961 e 1978. O lateral-direito Amândio ainda joga duas vezes no Benfica e até se estreia no mesmo dia que Eusébio (1 Junho 1961). O lateral-esquerdo Santos Nogueira também só faz dois jogos pelo Benfica, lançado por Bela Guttmann.

No centro da defesa, Manuel Carriço (figura do Vitória FC europeu) e Manuel Moreira (figura do primeiro Leixões europeu, o de 1961-62). No meio-campo, Oliveira Duarte (campeão nacional da 1.ª divisão pelo Sporting em 1966 e da 2.ª pela Académica em 1973) e Crispim (como estudante à antiga, passa a vida em Coimbra).

O ataque inclui quatro elementos entre Jorge Lopes (sem espaço no Benfica, joga pouco na Académica e depois no Seixal), Simões (o mais credenciado de todos, com 46 internacionalizações), Peres (o esquerdino pé canhão, campeão português pelo Sporting em 1970 e brasileiro pelo Vasco da Gama em 1974) e, claro, o goleado Serafim. Nove golos em quatro jogos é dose. O fortíssimo ponta-de-lança é do Porto e contabiliza 40 golos em 80 jogos de 1960 até 1963. Transfere-se para o Benfica, onde acumula 19 golos em 44 jogos. Segue-se a Académica e ponto final a uma carreira com cinco internacionalizações AA.

Só para enaltecer ainda mais o feito, Portugal só voltaria a sagrar-se campeão europeu juniores em 1994 (Mérida, Espanha). É a geração de Quim, Beto, Dani, Nuno Gomes.

(a caminhada para o título inédito)

  • Itália        0:0
  • Inglaterra 4:0           Serafim-2 / Simões / Nunes
  • Espanha  4:1           Serafim-3 / Crispim
  • Polónia    4:0           Serafim-4
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