#23 Amora 1980-81
A história faz-se com figuras inesquecíveis. Em Setembro 1968, o Amora apresenta Sebastião Lucas da Fonseca, vulgo Matateu, também conhecido por oitava maravilha. O homem, dentro da área, é um portento. Melhor até que Eusébio. Porque marca golos atrás de golos e porque rodopia sobre si mesmo num piscar de olhos, não há defesa rápido o suficiente para o travar. Aos 41 anos de idade, Matateu apresenta-se na margem sul para vestir o azul do Amora.
‘O Angeja, treinador do Amora, perguntou-me se eu estava interessado em jogar para ele. Pedi-lhe as condições e depois aceitei. Muita gente me diz ‘então Lucas, tu foste tantas vezes internacional e aceitas ir jogar para um clube assim, que nem é da 3.ª divisão?’ Mas eu respondi sempre que isso não me interessava, futebol é futebol e é igual em toda a parte, isso de divisões tanto me faz.’
Na estreia, a 20 Outubro, um golo ao Monte da Caparica para a 1.ª divisão da AF de Setúbal. No final dessa época, o Amora sobe à 3.ª como campeão e Matateu, a ganhar 3.500 escudos por mês, sagrar-se-ia melhor marcador com 21 golos. Vinte-e-um é dose. Seja qual for o caso. Aos 41 anos, então, é d’homem.
Passam-se dez anos, o Amora já está na 2.ª divisão, zona sul. Ao leme, Mourinho Félix, o pai de. O plante reúne uma figura (lá está) chamada Arnaldo. Já tem 35 anos, e então? É show de bola, joga de cadeira no meio-campo e marca 15 golos. Melhor, só Joel (18), outro reforço da margem sul. Se Arnaldo é contratado ao Barreirense, o jovem de 21 anos é via Seixal. Os dois entendem-se de olhos fechados e selam a subida inédita à 1.ª divisão, com seis pontos de avanço sobre o Lusitano de Évora.
Para discutir o título de campeão da 2.ª, o Amora esgrime argumentos com Penafiel (zona norte) e Académica (centro). O título é assegurado a dez minutos do fim, em Coimbra. Adivinhe lá quem? Pois, Arnaldo como autor do suficiente 1:1.
A estreia do Amora na 1.ª divisão é vivida com entusiasmo pelas suas gentes. Afinal de contas, é o sexto clube da AF Setúbal entre os grandes, na sequência de Vitória FC, Seixal, Barreirense, CUF e Montijo. Tem a palavra o Amora, ainda treinado por Mourinho. A seu lado, todo um plantel capaz de um equilíbrio saudável para atingir o objectivo da permanência. Todo, nem por isso. Vítor Baptista é a excepção. Recrutado como jóia da coroa, até pelo conhecimento pessoal de Mourinho, a figura d’O Maior é anedótica e nem passa da 4.ª jornada. Ao todo, 331 minutos e, claro, zero golos. O seu registo é pobre em tudo, até em compromisso. ‘Um dia’, conta Diamantino, ‘estávamos a correr à volta do relvado e, às tantas, lá aparece o Vítor em cima de uma bicicleta com um guarda-chuva.’ A bicicleta é pertença de um operário das obras da bancada central da Medideira.
Nem mais, Medideira é o nome do estádio do Amora. Lá dentro, um pelado do very best. Magia, pura magia. Com Vítor Baptista afastado da equipa em Outubro, o 11 acumula dois sub-21 lá na frente. Um é Jorge Silva, outro é Diamantino. Tanto um como outro, ainda vão jogar pelo Benfica. Mais Diamantino, capitão (ausente) da tal equipa finalista da Taça dos Campeões 1988, vs PSV. Os dois jogam um futebol à parte e o Amora só sai beneficiado com a genica própria da dupla, aliada, como é claro, à categoria indispensável de Arnaldo (ainda e sempre) mais uns quantos homens de barba rija no feitio e sabedoria como Rebelo, Mendes e Francisco Mário.
Esse campeonato da 1.ª divisão joga-se com 16 equipas. Descem as três últimas e a quarta a contar do fim ainda vai a um play-off. Portanto, o 12.º é o último lugar da salvação. O Amora de Mourinho encanta, sobretudo na Medideira, onde só perde uma única vez na primeira volta, precisamente com o futuro campeão Benfica. De resto, seis vitórias e um empate (na estreia, vs Espinho). Surpresa das surpresas, o Amora é 6.º classificado no início da segunda volta.
Os problemas aparecem precisamente daí em diante. Os seis jogos seguintes equivalem a zero vitórias e a uma queda para o 13.º lugar. Mourinho sai, José Moniz entra. Diz Diamantino, então com 21 anos. ‘Ficámos sem o treinador empírico, o do conhecimento do jogo pela experiência de ter sido um jogador de enorme responsabilidade na 1.ª divisão nos anos 60 e 70, e passámos a conviver com um homem da teoria, cursado no ISEF [Instituto Superior de Educação Física]. E salvámo-nos no último instante.’
Verdade, 2:1 vs Belenenses no Restelo. O golo é de Francisco Mário, aos 85 minutos. ‘Remato à entrada da área, o Delgado defende e a bola fica solta, perto da linha. Aparece o Francisco Mário a empurrar para a baliza deserta. Foi uma festa bonita, com direito a jantar de grupo e tudo. Na semana anterior, tínhamos dado 3:0 ao Sporting na Medideira. Marquei o primeiro golo da tarde. Essas duas últimas vitórias assinalaram a retomada e assinalaram a salvação. Na época seguinte, fui para o Boavista, tal como o Jorge Silva.’
Jorge Silva, cabe aqui realçar, melhor marcador da equipa com espantosos 14 golos em 38. É obra. Na época seguinte, com José Moniz em registo de full time, caberia ao brasileiro Caio Cambalhota a mesma marca dos 14. Na terceira e última, o Amora acaba em penúltimo, só à frente do Alcobaça, com José Moniz a começar e António Medeiros a fechar. Nunca mais o Amora vai à 1.ª divisão. Que se interrompa agora o desejo do mais alto degrau do futebol português para celebrar a marca mais bonita de todas, a do centenário.
(a negrito, os jogos fora)
Vitória FC | 1:1 | Jorge Silva |
Espinho | 0:0 | |
Boavista | 1:2 | Jorge Silva |
Varzim | 1:0 | Arnaldo |
Braga | 1:4 | João Cardoso (pb) |
Benfica | 0:2 | |
Portimonense | 1:1 | Jorge Silva |
Penafiel | 3:1 | Pinto-2 / Diamantino |
Académico | 6:0 | Jorge Silva-3 / Diamantino / Pereirinha / Figueiredo |
FC Porto | 3:6 | Narciso-2 / Jorge Silva |
Ac. Viseu | 2:0 | Jorge Silva-2 |
Marítimo | 1:3 | Jorge Silva |
Vitória SC | 2:1 | Narciso / Francisco Mário |
Sporting | 0:5 | |
Belenenses | 2:1 | Jorge Silva / Arnaldo |
Vitória FC | 0:1 | |
Espinho | 1:4 | Jorge Silva |
Boavista | 1:3 | Arnaldo |
Varzim | 0:2 | |
Braga | 0:0 | |
Benfica | 1:4 | Narciso |
Portimonense | 2:0 | Narciso / Diamantino |
Penafiel | 0:2 | |
Académico | 1:1 | Narciso |
FC Porto | 1:3 | Jorge Silva |
Ac. Viseu | 0:1 | |
Marítimo | 1:0 | Narciso |
Vitória SC | 1:2 | Jorge Silva |
Sporting | 3:0 | Figueiredo-2 / Diamantino |
Belenenses | 2:1 | Narciso / Francisco Mário |