Nélson. ‘O Roberto Carlos lesionou-me, fui fazer gelo e não vi a final. Nem os penáltis’
Rui Costa, Figo, João Vieira Pinto, Jorge Costa. A lista dos portugueses campeões do mundo em 1991 tem mais 14 nomes, mas o i foi pela numerologia. E votámos no número 10. De Nélson, então lateral-direito do Salgueiros.
Boa tarde, Nélson.
Boa tarde. Está bom?
Sim, obrigado. Falo do jornal i.
Muito bem. Diga lá.
Estamos a recordar os 20 anos do título de campeão mundial sub-20 e reparámos que o número 10 é o Nélson. Como é isso possível?
[risos] Foi sorteio, sabe. Já estava pré-definido. E fui eu o primeiro a tirar o papel do saco. Saiu o número 10.
E ninguém o olhou de lado?
Que eu me tenha apercebido, não. [risos, parte 2]
Então foi por isso que a numeração ficou toda desregulada?
Pois, Gil a 2, Figo a 3, Rui Costa a 5 [vá lá, aqui não se riu].
E como foi esse Mundial?
Uma experiência inesquecível, daquelas que todos querem viver. Eu tive a sorte de estar lá.
Mas também o azar. Afinal lesionou-se aos 10 minutos da final.
É verdade. Foi uma entrada do Roberto Carlos.
“O” Roberto Carlos?
Esse mesmo. Ele entrou descontroladamente e acertou-me em cheio no tornozelo. Fiquei estendido no relvado e soube logo que ia sair.
Viu o resto do jogo no banco de suplentes?
Não, fui fazer gelo, lá para baixo, para o balneário.
O quê, então não viu nada?
[Já cá faltava: risos] Nada.
Nem os penáltis?
Nem os penáltis.
Mas estavam 127 mil pessoas na Luz. O barulho não era suficientemente intenso para se ouvir no balneário?
Nãããã. Quem conhece bem o antigo Estádio da Luz sabe que não era assim. Nem com aquela enchente.
E quem o informou do resultado?
Ou o Gonçalves [massagista] ou o Carlos Godinho [dirigente da Federação Portu[1]guesa de Futebol]. Não me lembro agora.
Não havia televisão no balneário?
Não, não havia. Posso garantir-lhe que 20 anos depois ainda só vi imagens televisivas dos penáltis e dos festejos. E nesses eu participei. Há-de reparar que estou sempre ao pé coxinho.
E aquilo que não passava na televisão: como foi viver aquele Mundial do início ao fim?
Um mês e meio de concentração, no Hotel Penta, aquele que agora é o Marriott, ao lado da Católica. Foi divertido, mas ao mesmo tempo saturante. Sabe o que é viver um mês e meio no mesmo quarto que o Paulo Torres? [Risos, parte… já perdemos a conta.]
E aqueles 18 eleitos de Carlos Queiroz, como se governavam?
Bem, não havia internet nem telemóveis. Só televisão e cartas. E o Paulo Torres [já sabe o que o Nélson fez, não sabe?].
Só isso?
Havia mais. Foi uma experiência maravilhosa, e se fosse agora era ainda mais valorizada. Está a ver uma selecção nacional ser campeã mundial em 2011? Como seria o impacto nos jogadores? Muito mais forte que em 1991. Veja lá o exemplo do Rui Costa: qualificou-nos para a final e marcou o penálti decisivo na final. Qual foi o caminho dele? Voltou para o Benfica, após empréstimo ao Fafe.
Qual foi o impacto na vida do Nélson?
Saí do Salgueiros para o Sporting. Cumpri um sonho de criança, porque sou sportinguista.
Havia mais casos assim, mais diferenças entre os jogadores?
Sim, claro. Era o grupo das cobras e dos minhocas.
Como?
É isso. Os cobras eram os mais conhecidos, como Jorge Costa, Figo, Rui Costa, João Pinto [Vieira], outro João Pinto [Oliveira].
E os minhocas?
Eu, Tó Ferreira, Toni, Gil, entre outros
Retiro-me então a passe de caracol. Obrigado pelo seu tempo.
Disponha. Já agora, isto sai quando?
Depois de amanhã, dia 30.
Conte comigo. Vou comprar o jornal. [A rir ou não, eis a questão].
Élber. ‘Vinguei-me de Lisboa no Sporting-Grasshopper’
“Lotação Esgotada” é o nome do espaço televisivo dedicado a um filme, todas as quartas-feiras na RTP. Mas é domingo e a lotação está esgotada. Mais do que esgotada, aliás. É a final do Mundial sub20. Feitas as contas da FIFA, 127 mil pessoas num estádio com capacidade para 120 mil.
Frente a frente, Portugal e Brasil. Se de Portugal já estamos conversados, o que dizer do Brasil? Que começa sempre com Roger e acaba em Élber. Ainda pensámos em falar com o número 1, mas ele anda ocupado entre posar nu para a revista gay “G” e o ser deputado no seu município. Portanto, vamos ao Élber.
O tema é a final.
Pô, você me liga para falar disso? Caramba [risos, diferentes dos de Nélson da página anterior]. Julgava que vocês já tinham esquecido e tudo. Mas eu compreendo, fala aí.
Já que começámos com o pé esquerdo, falo-lhe do penálti falhado.
Aí já é de mais, né? Que é que é isso??? [mais risos] Há uma semana, encontrei-me com Figo e Queiroz no AllStars Figo e falámos disso. Já chega. Olha, foi um lance que já passou, mas na altura doeu-me. Quis meter a bola ao canto e ela bateu no poste. Mal ela voltou ao relvado, a minha vontade era escavar um buraco e meter lá a cabeça. Mas já passou. Claro que queríamos ganhar o Mundial e chegar ao Brasil com esse título, mas fizemos muito e dignificámos o país, da mesma forma que se Portugal perdesse essa final, tu e os restantes adeptos não ficariam desanimados com essa selecção.
Adeptos esses que encheram o estádio.
Esse aspecto foi fantástico, sobretudo na hora do hino. As pernas tremem e há pele de galinha. Mal o árbitro apita, a gente esquece todo o ambiente que nos rodeia, de tão concentrados que estamos.
Lisboa-1991 foi de má memória mas um ano depois.
Éeee. Sporting-Grasshopper. Grande noite do Grasshopper e do futebol suíço.
E sua, já agora.
Pois. Dois golos em Alvalade. Vinguei-me aí dos penáltis no Estádio da Luz.
Nessa noite, você eliminou o Sporting. E o Balakov, seu grande amigo do Estugarda.
Pois foi. Nós dávamos risadas a recordar esse jogo. Até porque ele marcou um dos golos lá em Zurique.
Como era o Balakov?
Como pessoa, espectacular. Como jogador, pouco mais há a dizer. Era um génio. Quando assinei pelo Bayern, ele também podia ter ido, mas recusou a proposta.
E como foi a sua transição do Estugarda para o Bayern?
Muito complicada. O Estugarda era como uma família e jogávamos sempre ao ataque: eu, Bobic e Balakov. Em campo, o Bobic falava em croata com o Balakov, ele falava alemão comigo e eu respondia em português. Às vezes, confundíamo-nos e eu falava com o Bobic em português e o Balakov em búlgaro comigo. Era a maior risada. No Bayern, não havia muita harmonia. E era o FC Hollywood, pelas estrelas que por lá andam. Sempre falei olhos nos olhos com Matthäus, Kahn, Effenberg, Scholl, mas aquilo era um a querer matar o outro.
Imagino.
O Kahn, por exemplo, estava um dia bem-humorado e outro maldisposto. Num dia, cruzava-me com ele no balneário e dizia bom dia e ele respondia, ou melhor resmungava, só por educação. No outro, repetia a acção e ele ria-se. Aí, dizia que ele estava animado porque jantara muito bem na véspera e dormira como um bebé. E ele respondia que só eu é que o fazia rir daquela maneira, àquela hora da manhã. Ele dizia-me: ‘Detesto acordar cedo!’
in jornal i, Jun 2011