Ancelotti, um génio normal

Here's Johnny Mais 07/05/2021
Tovar FC

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Ancelotti, um génio normal

FENERBAHÇE MEDRICAS

Quando me demitiram do Parma, o Fenerbahçe atirou-se a mim. Mas não me excitava. Eles convidaram-me a ver o clube por dentro e lá fui, jacto privado e recepção com milhares de adeptos no aeroporto. Ofereceram-me 3 milhões de dólares por três anos, eu ganhava 550 mil no Parma. Continuava desinteressado. Pedi tudo e mais alguma coisa, e eles davam-me. Para me livrar deles, fui um medricas: pedi à minha mulher que lhes dissesse que estava indisponível. Que vergonha

MOURINHO CHAMPANHE

Em Itália travámos diálogos duros e não gostávamos um do outro, mas mudei a minha opinião sobre ele quando fui treinar o Chelsea. Servi-me às vezes do seu arquivo de treinos. Na véspera da eliminatória para a Liga dos Campeões, em Milão, no dia 24 Fevereiro 2010, encontrámo-nos no túnel de acesso ao relvado. Apertámos as mãos, dissemos um ao outro ‘zero confusão, zero controvérsia’ e chegámos a um acordo. Não creio que alguma vez venha a ser amigo do José mas temos um respeito recíproco. Quando ganhei a Premier League pelo Chelsea, escreveu-me um SMS a dizer ‘Champanhe’. Quando ele foi campeão italiano pelo Inter, escrevi-lhe ‘Champagne, mas não demasiado’

RAINHA ISABEL

Joguei, e ganhei, uma final da Taça de Inglaterra pelo Chelsea. Quando o príncipe William me desejou boa sorte queria perguntar-lhe pela avó mas faltou-me a coragem. Tenho admiração, veneração pela rainha Isabel. É fascinante. Gostaria de a conhecer mas não sei muito bem como. Não se pode telefonar para Buckingham Palace e dizer ‘olá sou o Carlo, posso falar com a Isabel?’ Resta-me continuar a ganhar para ver se ela dá conta da minha existência.

PORCOS DA JUVENTUS

Na primeira semana em Turim, passei por um obelisco onde se lia ‘um porco não pode treinar’, numa alusão à minha pessoa. Eles viam- me como o inimigo, devido àquela vez que levantei o dedo do meio à Curva Cirea [secção violenta no Delle Alpi] durante a minha passagem pelo Parma. Ler aquilo fez-me sentir irritado, furioso até. É uma falta de respeito pelos porcos.

CAPELLO VS GULLIT

Capello é um maestro a ler o jogo, levanto-lhe o chapéu. Mas como ser humano é um grunho da pior espécie. Não sabia falar com os jugadores e não gostava de discutir questões tácticas connosco. Por isso, eram frequentes os choques verbais. Um dia, Capello estava a ler uma entrevista do Gullit e disse-lhe: ‘Ruud, disseste coisas que não são verdade, és um mentiroso.’ Gullit, sem pestanejar, atirou-se a ele. Mãos no pescoço e ‘vou pôr-te os pontos nos is’. A maioria dos jogadores puxava por Ruud mas decidimos separá-los para evitar males maiores.

SACCHI, O MANÍACO

O Milan quis contratá-lo a todo a custo em 1987, mais até que Van Basten ou Gullit, e só depois é que se percebeu porquê. Sacchi amava futebol, respirava futebol, sonhava com futebol. Às vezes ouvíamo-lo a falar alto durante o sono, coisas como ‘corre a diagonal, corre a diagonal!’ Nunca parava, desenhava-nos tácticas à porta do quarto de hotel, treinávamos de uma maneira pouco humana com a repetição exaustiva dos exercícios. Era um génio, não um louco. Por isso fomos os reis do mundo por dois anos.

AL PACINO

Uns dias antes da final da Liga dos Campeões-2003 com a Juventus, abdiquei do treino e convidei os jogadores para uma mini-sala de cinema. Eles instalaram-se, eu fechei as luzes e meti aquela cena de ‘Um Domingo Qualquer’, de Oliver Stone. O discurso de Al Pacino antes de um jogo crucial de futebol americano falava de ‘a vida é uma questão de jardas, como o futebol. Em cada jogo, na vida ou no futebol, a margem de erro é assim, mínima. Por isso, ou sobrevivemos como equipa ou morremos como indivíduos.’ Além do discurso, preparei um DVD com as imagens da caminhada para a final. Quando liguei as luzes, todos estavam com pele de galinha. Ganhámos essa final e eu não fui nomeado para os Óscares como melhor realizador.

BERLUSCONI

O meu rabo é à prova de terramotos, já me sentei em bancos que não param de se mexer, já resisti a todos os níveis da escala de Richter. Sento-me diariamente em cima de um vulcão. Com Berlusconi é mais intenso. Ele ama Ronaldinho, Rui Costa, Savicevic, Van Basten, Kaká, e tem todo o direito de me pedir explicações sobre esta ou aquela táctica, mas que fique claro: eu é que faço as equipas. Uma vez o Berlusconi sentou-se ao lado dos jogadores para ouvir a palestra. Ouviu-me, não fez uso da palavra e depois segredou-me ‘vamos ganhar’. Estava certo, para variar.

TORTELLINI DE BECKHAM

Convidei-o a almoçar comigo em Parma e ele não queria sair do restaurante. Só me pedia ‘mais um prato, mais um prato’. Pensei até em chamar a polícia mas convenci-o quando disse ‘se não nos vamos embora, organizo mais uma tournée das Spice Girls.’ Catorze segundos depois já estávamos dentro de um carro. Quando o treinei no Milan ele ainda não se tinha esquecido das delícias da Emilia-Romaña.

ZIDANE ET

Cada vez tenho mais a certeza que treinei um ET. Zidane era um espectáculo, um show diário. Só tinha um defeito: raramente marcava golos, porque não passava muito tempo na grande área. Parecia alérgico aquela zona, mas era um maestro no resto. Ele inventava, nós víamos. Eu observava porque era o meu trabalho, os companheiros também porque não podes desviar os olhos de uma obra de arte.

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