Great Scott #424: Quem é o primeiro holandês a ser expulso pela selecção?
Cruijff
Os atletas de alta competição perseguem os números, o recorde disto e o recorde daquilo, a melhor marca ali e acolá, mas também há o outro lado da moeda: os números perseguem os jogadores. É por esta razão que é impossível dissociar o 6 de Carlos Manuel no Benfica, o 9 de Gomes no FC Porto, o 16 de Jardel no Sporting ou o 13 de Eusébio no Mundial-66. A nível internacional, o 4 é de Koeman, o 5 de Beckenbauer, o 6 de Baresi, o 9 de Di Stéfano, o 11 de Best, o 14 de Cruijff.
Stop, ora aí está o homem de quem se fala. Passam-se hoje precisamente 14 dias do adeus de Cruijff. O do número 14 por excelência. Como é que isso começa? Nos primeiros seis anos de competição, entre 1964 e 1970, o Ajax joga de 1 a 11, como mandam as regras. Cruijff é o 9. No dia 30 de Outubro de 1970, antes do jogo com o PSV, há quem não encontre a sua camisola. É Gerrie Mühren, o 7. Cruijff oferece-lhe então o 9 e vai ao cesto da roupa. O primeiro número é o 14. Voilà.
O Ajax ganha 1-0 e, a partir daí, o futebol nunca mais é o mesmo. A começar pela equipa de 1 a 11. Na Holanda, a federação abre o precedente por Cruijff. Conta Mühren: “O Cruijff virou-se para mim e disse-me ‘PSV correu tão bem, vamos deixar isto assim: tu com o 9, eu com o 14’.” Ou seja, o Ajax joga sem o 7. E com o 14. Por obra e graça de Cruijff. Quando chega a Barcelona, no Verão de 1973, a federação espanhola não vai na mesma cantiga. É de 1 a 11 e pronto. Cruijff volta ao 9. Só vestirá o 14 no Mundial do ano seguinte, na RFA. A selecção da Holanda dá os números por ordem alfabética. Daí que o guarda-redes Jongbloed seja o 8. O 1 seria de Cruijff. Como ele quer ser o 14, o avançado Geels veste o 1. Acaba-se o Mundial-74 e Cruijff regressa a Camp Nou. Ao número 9.
No primeiro jogo da pré-época do Barcelona, vs. Peñarol, a 13 de Agosto, para o Torneio Teresa Herrera, há um incidente diplomático entre Cruijff e Rodríguez, aos 38 minutos. No apito, o português António Garrido. Esse mesmo, o primeiro árbitro português a apitar uma final da Taça dos Campeões (Nottingham Forest-Hamburgo 1980), o primeiro numa fase final de um Europeu (Itália-Bélgica 1980) e o único a expulsar Nené (Olhanense-Benfica 1974).
Acrescente-se a isso, o primeiro a expulsar Cruijff *. “Ele puxou a camisola ao Cruijff e deu-me bem nas pernas, o Cruijff caiu e respondeu-lhe no solo. Vermelho directo para os dois, sem pestanejar. Foi uma confusão que nem sabe, aquilo demorou uns seis/sete minutos. O público a assobiar o Cruijff, porque pagara uma pipa de massa para vê-lo e ele nem sequer cumpre 45 minutos.” Cruijff expulso por Garrido. E agora?
“Um dia depois”, conta Garrido, “o Cruijff foi ao meu hotel, o Atlântico, e pediu-me desculpa pela acção. Assim, sem mais nem menos.” Uau, um senhor. “Quer outra do Cruijff? Esta é dele e do Best. Era um Irlanda do Norte-Holanda, em Belfast. Ano? 1977, qualificação para o Mundial-78. De um lado, Cruijff, do outro George Best. Dois ícones do futebol, é o último jogo do Best pela Irlanda do Norte. Acaba 1-1. Sabe o que acontece no final do jogo?” Nem ideia. “Os adeptos norte-irlandeses pediram-me autógrafos. Nem ao Best nem ao Cruijff, a mim.” Garrido, o número 14 da arbitragem.
*claro que não, Garrido não é o primeiro a expulsar Cruijff; essa honra cabe ao alemão democrático Rudi Glöckner. É o seu primeiro jogo internacional (e o segundo de Cruijff), a um domingo, 6 Novembro 1966, em Amesterdão. De um lado, Holanda. Do outro, Checoslováquia. Ainda é um bebé, Cruijff. Só 19 anos, número 9 nas costas e toque de bola.
Aos 76 minutos, já com 2:1 no marcador para a Checoslováquia, dá-se o momento mais quente do jogo: Horváth embrulha-se com Cruijff e o holandês vai pedir satisfações pelo antijogo. O árbitro Glöckner intercede e coloca-se no meio da discussão. Acontece que Cruijff já está balanceado ao ataque e, sem querer, bate-lhe com a mão na cara. É expulso. É o primeiro holandês expulso de sempre. Os dois voltam a cruzar-se, oito anos depois. Cruijff, uma figura destacada, com uma final do Mundial nas pernas (1974), e Glöckner, idem idem (1970). Acaba 5:1 para a Holanda va Suécia em Estocolmo e é de Cruijff o primeiro golo.