O cavalo de Tróia
É daquelas histórias contadas repetidamente pelo meu pai. Vá, repetidamente é um exagero. É só uma vez por ano, na primeira quinzena de Junho. No momento em que se vira à direita na saída dos barcos em Tróia, a aproximação a um relvado bem cuidado rodeado pelos três blocos coloridos de apartamentos, um campo de mini-golfe mais um café simpático transporta-o automaticamente para a história. “Foi aqui que o Aurélio Pereira te viu a jogar com o Dani.” Errrr, não será o contrário: o Dani a jogar comigo? Baaaaah. Dani, por favor. Esse mesmo, o Dani do golo maradoniano à Argentina no Mundial sub-20, o Dani do 1-0 ao Tottenham na estreia pelo West Ham, o Dani do bis de cabeça ao Rangers na estreia europeia pelo Ajax. O Dani, craque. Lembro-me perfeitamente de o ver ao vivo a estrear-se no Sporting, juntamente com o Nuno Valente, numa tarde cinzenta, feia, lançado por Carlos Queiroz. Acaba 1-1, golos de Hassan, se não me engano, e Capucho, de certeza. O Farense é prejudicado até à quinta casa e há um penálti claríssimo do Oceano mesmo à minha frente. O árbitro, no pasa nada. Durante anos, ouvi o meu pai a falar desse jogo de crianças naquele relvado, sem mais testemunhas. De repente, muitos anos depois, em 2011, conheci finalmente o Aurélio. Ao seu lado, o irmão Carlos (outro personagem invariavelmente animado) e Carlitos (figura do Sporting nos anos 60, rotulado como o novo Eusébio). O almoço é lampreia num restaurante em Campo de Ourique, com amigos em comum. A entrada serve-se cá fora, com Aurélio a dirigir-se aos restantes comensais enquanto me dá um abraço do tamanho do mundo: “Quando descobri o Dani em Tróia, tinha ele sete anos [1984], o Rui era um dos miúdos que estava a jogar com ele”. E continua por aí fora, a driblar como se fosse um extremo. “Às tantas, comecei a atirar-te bolas à cabeça para ver se tinhas jeito e o teu pai veio ter comigo a perguntar-me o que era aquilo.” É só rir. Tanto a intromissão do meu pai como o meu jogo de cabeça.