Queiroz. “Até a minha mulher percebia que o JVP era um génio”

Mais You Talkin' To Me? 02/05/2022
Tovar FC

author:

Queiroz. “Até a minha mulher percebia que o JVP era um génio”

“Ai que saudade que eu tenho de ter saudade, saudades de ter alguém que aqui está e não existe, sentir-me triste só por me sentir tão bem, e alegre sentir-me bem só por eu andar tão triste.” É o desfado a tocar alto e bom som no carro de Ali, o homem da federação iraniana que acompanha Carlos Queiroz para todo o lado desde Abril de 2011. Ali tem o CD de Ana Moura. Mas como? “Ofereceu-me o coach, uma prenda de Portugal. Em troca compro-lhe os melhores pistáchios do mundo num mercado aqui perto.”

O aqui perto é um bairro nobre na zona norte de Teerão, onde os Porsches Panameras substituem os Renaults, os Kias e os Peugeots da zona sul. Queiroz mora num desses condomínios e vamos (o Ali e o i) levá-lo ao aeroporto. Objectivo: Brasil. Poderia entrar aqui o jingle “ai que saudade”? Poderia, mas só se a Suécia o permitir. Até agora só um português está no Mundial-2014, é ele Carlos Queiroz, o seleccionador do Irão e o homem tão entusiasmado como nós com esta entrevista a alta velocidade. “Ó Rui, nunca levei ninguém para o aeroporto que depois voltasse para casa, é um dia histórico.” E é mesmo. A partir daqui.

A sua iniciação no futebol é em Moçambique?

Ferroviário de Nampula. O meu pai era avançado, ao lado do Matateu.

Hãã, o Matateu?

Esse, o Matateu.

Como se chamava o seu pai?

Júlio Queiroz. O filho do Júlio é que não jogou à frente. Não me deixaram [solta a primeira gargalhada]. Disseram-me que era bom à baliza mas acho que alguém queria era um lugar lá à frente.

Sonhava ser alguém?

A referência era o Costa Pereira, bicampeão europeu pelo Benfica. Treinou o Ferroviário, ele nos seniores e eu nos juniores.

Mais futebol em Nampula?

Havia uma revista inglesa com cassetes de jogos, mas jogos inteiros.

Inteiros como?

A revista enviava cassetes para qualquer parte do mundo. Juntávamos um grupo de amigos e víamos os jogos. Já os sabíamos de cor e salteado.

Que jogos?

Os de Portugal em 1966, por exemplo.

Mas a cassete vinha por correio?

Recebíamos e enviávamos por correio. Havia um período limitado para usufruir daqueles jogos.

Incrível.

Como não havia discotecas, o passatempo da minha geração era desporto sim, desporto sim, desporto sim. Cresci nesse ambiente.

Quando chega a Portugal?

Em 1967, no ano pós-Mundial.

E o futebol?

Curiosamente, o meu primeiro trabalho de futebol, ainda como estudante de segundo ano, é a treinar o Colégio Americano, com miúdos de várias nacionalidades. Continuo o mesmo, já viu?

E depois?

Olivais, Belenenses e Estoril, aqui como estreia profissional na 1.a divisão.

Quem o convidou?

Mário Wilson, o treinador. Eu era adjunto-preparador físico.

E essa equipa era boa?

Só foi pena termos descido para a 2.a divisão por diferença de golos. Lembro-me de Amílcar, Barros, Tião, Eurico, Abrantes, Fernando Santos… Estou a ficar preocupado, ainda consegui ser o treinador do Fernando Santos [terceira gargalhada]. Eu não devia dizer isto em voz alta.

Encontram-se para o ano no Brasil.

Pois é, o Fernando Santos com a Grécia. Só espero que Grécia e Portugal se apurem. Um Mundial no Brasil com três seleccionadores portugueses cria modelo, referência e oportunidade para outros treinadores. Desejo a melhor sorte aos dois. Já agora aos três. Que tudo nos corra bem. A nós, os três mosqueteiros.

Mundial é coisa a que já está mais que habituado. Tudo começou em 1989.

Essa vitória tem um lado engraçado porque nem eu nem o Nelo [Vingada] ou os directores tivemos a ideia da importância dessa final em Riade. Na noite da conquista, tocam à porta do meu quarto a dizer que tenho um telefonema lá em baixo. “A esta hora, quem será?” Era um jornalista português a querer saber pormenores do jogo. Subi e nem dez minutos depois mais do mesmo, outro jornalista de Portugal. E o mais espantoso…

Há mais?

Quando voltamos a casa, fazemos escala. Ali é o ponto de separação dos jogadores do Centro-Sul e os do Norte. É então que a federação nos diz que vamos todos para Lisboa. Começa aqui a festa.

Dois anos depois.

Muito diferente: pelo nosso estatuto de campeões, pelo mediatismo televisivo, pelo factor-casa e pelo apoio incondicional do público. Estavam preparados para os penáltis na final com o Brasil? Sim, todos os jogadores conheciam as suas tarefas. E não falhámos um remate. E olhe que isso num estádio a abarrotar, com 120 mil pessoas, é extremamente difícil. O apoio ajuda mas também dá uma pressão extra. Durante o jogo, quando o Brasil dava umas sapatadas, o público calava- -se e sentia-se aquele silêncio todo em cima de nós. Deles, jogadores. Isso poderia afectá-los mas não, e sabe porquê?

Ainda não.

Vitórias e mais vitórias, tínhamos a sequência de vitória no nosso ADN. Viajávamos a pensar por quantos íamos ganhar. É claro que também acontecia perder e aí vínhamos cá com uma cabeça.

Como em 1993, naquele 3-0 à Estónia na Luz (qualificação do Mundial-94)?

Há coisas que não acontecem por acaso, nós não estávamos a jogar dentro das quatro linhas. Quando a Estónia estagia em Itália, o nosso adversário directo na qualificação, e quando a Estónia, com a conivência do árbitro [o belga Blareau], perde à vontade uns 15 minutos com antijogo, é porque qualquer coisa não está bem. Ironia do destino, a Itália só nos elimina com um golo fora-de-jogo do Dino Baggio. Ou seja, sou afastado do Mundial-94 da mesma maneira que o sou em pleno Mundial-2010, com um golo em fora-de-jogo [Villa]. Isso não invalida a justa vitória dos espanhóis. Mas, atenção, outra coincidência: com a Itália, expulsam-nos o Fernando Couto; com a Espanha, o Ricardo Costa.

Ainda bem que fala em expulsões. Lembra-se do FCP-Sporting (2-0) com expulsões de Juskowiak, Vujacic e Peixe?

Não posso morrer sem dizer três coisas ao ouvido do meu amigo Carlos Valente. Quando me reformar, mostro-lhe três cartões vermelhos. Depois vamos beber qualquer coisa.

O Paulo Sousa é substituído ao intervalo e dá polémica.

Pareceu-me que não estava em condições para continuar. Talvez devesse ter insistido nele um pouco mais e depois logo se veria…

Já agora.

Também nesse jogo, o 2-0 do Porto, tenho algumas coisas para dizer aos ouvidos de alguma gente. Não me esqueço de certas coisas. Eu trabalhei num clube com um problema de má estimação de uma coisa que eles chamam o sistema. Das duas uma: ou realmente o clube acredita convictamente numa coisa chamada sistema ou não faz muito sentido falar de sistema e mandar os treinadores embora. Aqui a bota não bate com a perdigota. Porque não me esqueço do jogo em Chaves quando a luz se apagou.

O 1-1 do remate do Skuhravy à barra?

Esse mesmo. Tivemos de voltar lá para acabar o jogo. Porque também não me esqueço de determinados jogos em que fomos altamente prejudicados. Mas, pronto, tudo bem, depois a culpa é o Queiroz-sistema, Peseiro-sistema, Paulo Bento-sistema, Octávio-sistema, Di Stéfano-sistema, Robson-sistema. Somos todos da mesma família [sai uma gargalhada].

Robson, bem visto.

É engraçado porque não tomei conhecimento do seu despedimento nesse dia por estar ocupado no escritório de um amigo meu, o advogado Dias Ferreira. Estávamos a elaborar o documento para o eventual processo disciplinar sobre as minhas declarações intempestivas e inoportunas do pós-jogo com a Itália.

Ahhh, o “é preciso varrer a porcaria”?

Isso, isso [sorri]. Muito embora, Rui [aproxima-se com outro sorriso], tenho muito para contaaaar. Qualquer dia escrevo um livro mas tenho um problema com o meu amigo Herman José: vai ficar danado comigo, ainda vai pensar que lhe estou a fazer concorrência. Bom, a verdade é que não devia ter dito aquilo naquele momento, e há uma pessoa que não devia nem merecia ouvir aquilo: o presidente da federação, Vítor Vasques. Pedi-lhe desculpa, naturalmente. Isto foi um parêntesis, estava onde?

No gabinete do Dias Ferreira.

Ah sim. De repente, o Roseiro e o Cintra entram por ali adentro. Até hoje não sei se foi coincidência ou não. Foi ali que fiquei a saber da saída do Robson. Devo dizer que a primeira abordagem nem correu nada de feição. Saio do edifício à procura de um táxi e fico 15, 20 minutos à espera. Toco então à campainha do Dias Ferreira para saber se a sua assistente podia arranjar-me um táxi. Nessa altura abre-se a porta e eles [Roseiro e Cintra] puxam-me. Foi depois dessa segunda reunião que se abriu a porta para o Sporting. Reuni-me com amigos e decidi-me por abandonar a federação, ao fim de dez anos.

Começa o Sporting.

Nas negociações pedi mais um central – porque não queria o Peixe nessa posição –, um médio e um avançado. Na questão do central, o Cintra disse-me que já estava aí o Ricardo Rocha [internacional brasileiro que já representara o Sporting em 88/89]. Cria-se então aquela situação legal em que o Sporting é proibido de inscrever jogadores.

O caso Luís Manuel, da Ovarense?

Exacto. Sou confrontado com isso 72 horas depois de assinar o contrato e levo a primeira grande lição do que é o futebol. Havia jogadores quase contratados. Carlos Xavier, Oceano… E Yekini. Comecei a ver o filme todo e a pensar como vou fazer para sustentar esta jovem equipa. Tinha de amadurecer depressa.

[Já chegámos ao aeroporto; Queiroz apresenta o seu passaporte e leva-nos para a sala CIP, de Commercial Important People, mais parecida com uma nave espacial]

A equipa responde bem. Quatro dias depois daquele 2-0 nas Antas, uma exibição do outro mundo em Aveiro (4-0). Não sei bem se é aí que o Cadete marca o melhor golo que vi. [Oh oh, Queiroz levanta-se, contorna a mesa e está de pé no meio da sala.] O Figo cruza e o Cadete está ligeiramente adiantado à bola. De repente, estica a perna para trás e dá-lhe um coice e a bola entra no ângulo menos provável. [Queiroz aponta para o infinito.] Guardo até hoje a sensação de que o golo veio do outro lado do mundo.

Falava da juventude do Sporting.

Nunca mais me esqueço de um jogo na Póvoa de Varzim com o Famalicão do meu amigo Abel Braga. Fizemos o onze e depois o banco era Vujacic defesa, Carlos Jorge defesa, Marinho defesa e Porfírio extremo miúdo. Às vezes tirávamos um jogador do onze para guardar algum ouro no banco. O interessante é que o Sporting é o clube de confrontação dos rivais: batemo-nos com o Benfica no primeiro ano e com o Porto no segundo. Pelo meio, ganhámos uma Taça e sempre a vender jogadores: Paulo Sousa, Figo, Balakov, o Valckx a meio da época.

A meio da época?

O presidente aparece-me a meio do treino e diz-me que o Valckx já está no PSV. Digo-lhe que o Valckx foi à Holanda para ser pai. “Não, ele já foi vendido”, diz-me o presidente. Era assim que se trabalhava, mas a culpa é do Carlos-sistema. [“Querem jantar?”, interrompe um empregado iraniano. O prato do dia é galinha.]

A substituição Pacheco-Paulo Torres é do sistema?

Tenho de jogar aquilo que em Inglaterra o Alex me ensinou como gambling, jogar a cartada.

Como?

No banco tenho o Pacheco. Do outro lado está o Veloso, com 34 anos. Era minha convicção que o Pacheco empurrasse o Benfica e impedisse as subidas do Veloso mas acontece que o Veloso jogou como um miúdo de 17 anos ao lado do Pacheco. Por aquele corredor, era Veloso, era toda a gente, só faltou ir lá o Neno. Mas também vão ver o jogo seguinte do Benfica.

Então?

Vejam, vejam. O meu amigo Toni tinha uma grande equipa, sem dúvida, mas aquilo foi discutido taco a taco [1-0 à U. Madeira] e o campo estava inclinado. [Chega a galinha, aleluia]

Perde 6-3 e ganha a Taça no ano seguinte. Sai Cintra, entra Santana.

Não fazia sentido continuar e estava dividido entre Galatasaray e selecção dos EUA. Quando o Santana Lopes entrou eu tinha 10 ou 11 meses de salários em atraso. Para ser mais justo, não recebia 50% do ordenado desde Novembro do ano anterior. Para continuar, tinham de regularizar as dívidas. O que até não aconteceu logo, mas aceitei continuar.

Porquê?

Continuei no Sporting depois da intervenção de alguns amigos, como essa figura eterna e irmão mais velho chamado Reymão Nogueira, do conselho fiscal [Prémio Stromp em 1995]. Adorava-o pelo esforço, pela dedicação, pela devoção e pela glória. Nunca se enganava na baliza onde marcava os golos, ao contrário de outros pseudo-sportinguistas. Também há outras figuras, como Paulo Abreu e Abílio Fernandes. Se o Abílio aparecesse um pouco mais cedo, aquela época da conquista da Taça de Portugal poderia ter sido mais feliz ainda. Mas o Sporting fazia um sprint de 80 metros e depois voltava à linha de partida com venda e compra de jogadores. Além disso, sou despedido.

Após um 0-0 na Luz, não é?

Sabe que o Sporting está habituado a fazer bons resultados lá no Benfica, não é? Mas esta decisão já estava tomada na véspera, o jornal “A Bola” publicou a notícia através de uma conversa na noite de Lisboa. Como se chama a discoteca?

A Kapital?

Uma conversa na Kapital. No dia seguinte ao 0-0 na Luz, chamam-me. E qual não é o meu espanto ao ver o meu distinto colega Moniz Pereira, um homem modelo e referência da minha vida, sentado ao lado do presidente a tomar uma decisão de uma área nada a ver com a dele.

Sai de Portugal e só volta em 2008. Para a selecção nacional.

Começámos mal a qualificação, mas fizemos um ano 2009 perfeito [nove vitórias e três empates] e chegámos ao Mundial como terceiros classificados no ranking da FIFA. Calhou-nos jogar com a Espanha, a melhor selecção do mundo, os futuros campeões.

O que se passou depois do jogo?

É curioso: todas as manifestações de carinho foram dos jogadores espanhóis. Já estava sentado no nosso autocarro quando entraram lá dentro o Hierro e o Casillas a desejar-me força e “suerte”.

É também o jogo do “perguntem ao Queiroz” do Ronaldo. [Queiroz baixa os olhos, organiza a mesa, arruma os pratos]

Fiquei naturalmente incrédulo, tocado. Ainda hoje continuo a pensar que não era merecedor desse comentário, injusto, incorrecto e desadequado, principalmente vindo do Cristiano. Por muito que o queira fazer, o capitão da equipa não pode tomar aquela atitude. Há pouco falei-lhe sobre o meu disparate da porcaria e já pedi desculpa ao Vítor Vasques. Mas isso sou eu. É minha obrigação estar um patamar acima dessas coisas. E quero guardar do Cristiano outras coisas, mais importantes e significativas. Além da responsabilidade directa da forma como ele chega ao Manchester, trabalhei seis anos com aquele menino. Sabe que a passagem do Cristiano para o Real tem uma história desenhada na minha casa?

De Manchester?

De Lisboa. Juntei os dois, o Alex e o Cristiano, e ficou ali garantido que o Cristiano só sairia no ano seguinte.

O Ferguson fazia-se entender naquele escocês arranhado? [Ah, o sorriso de volta]

Uma vez, num treino de apresentação para crianças em Old Trafford, disseram-me para falar com os miúdos. “Eu? Falem lá com o boss.” O Alex aparece-me à frente e insiste “tens de ser tu”. Mas os miúdos não vão entender nada do meu inglês. Resposta: “E porque achas que te estou a pedir a ti?”

Alguma vez viu o famoso secador?

Não, já apanhei o Alex numa fase…

Ternurenta?

Ele só me dizia “se isto fosse há uns anos, nem queiras saber”.

E o secador?

O encanto destas coisas é deixar o espaço para a imaginação e o debate das pessoas. É nossa missão não interferir. Mas assisti ao incidente da bota…

Ahhh bom. Foi pesado?

Há uma bota no ar que podia ter batido numa garrafa de água mas acerta na pessoa mais mediática do balneário. Foi um espectáculo, por assim dizer. Pior para o David, que levou dois pontos.

Mediatismo e Beckham, sinónimos de Real Madrid.

O cartão de crédito dessa transferência começou em 1994, quando Sporting e Real jogam na Taça UEFA. Fomos eliminados [2-2] mas pintámos a manta. O treinador desse Real é o Jorge…

Valdano.

Exacto. Com base nessa experiência, o Jorge [Valdano] convence o Florentino. Mas antes do jogo em Alvalade recebi no hotel o John Toshack [Sporting 84/85, Real 89/90].

Grande momento.

O John vê o jogo em Alvalade e desce ao balneário para nos confortar. Eu estava em baixo: quando se perde, não há volta a dar. Faço aqui um parêntesis para falar do meu amigo Mário Wilson. No dia de uma vitória pelo Estoril, pergunto-lhe se está satisfeito e o capitão diz- -me: “Aprende isto: um treinador nunca fica satisfeito, fica é aliviado.” Bom, adiante, o John está connosco no balneário e eu em baixo. Fomos mal eliminados, há aquele golo de cabeça do [Michael] Laudrup, e tenho de ir para a conferência de imprensa. O John diz-me então “no worries, a boa coisa não é treinar o Sporting, é depois de treinar o Sporting. Vê o meu caso, treinei o Sporting e depois o Real Madrid”. É uma história fantástica, e não é que imito mesmo o John?

Então e o Real Madrid 2003/04?

Foi uma experiência muito semelhante à do Sporting. A parte da não contratação de jogadores no primeiro ano.

E a saída do Makelele?

Bem, isso foi um desastre.

Como é que o Florentino vai nisso?

Vai nisso porque… Não posso contar.

Mesmo sem Makelele, o início de época é sensacional. Conquista Camp Nou, onde o Madrid não ganha há 20 e tal anos, e está nas três frentes: campeonato, Taça e Champions.

Ó Rui, nós tínhamos os Pavones e os Zidanes, que até é uma política que perfilhei ao longo dos anos, mas o segredo do futebol não está em escolher os Zidanes ou os Joões Pintos. Lembro-me perfeitamente de ir ver jogos do futebol juvenil português, às 11 da manhã. Às vezes levava a minha mulher e até ela, entre uma revista e um jornal, levantava os olhos de vez em quando e percebia que o João Pinto era um génio. O problema é escolher os Pavones. E os Pavones foram todos mal escolhidos. Se ainda houvesse um Cristiano com os seus 18 anos dentro desses Pavones.

Então?

Dou um exemplo. A seguir à 1.ª mão da Supertaça espanhola, com o Jaime Pacheco. Quem é o avançado do Maiorca?

Eto’o.

Isso, ele era nosso, do Real. Quando falei do Eto’o para o lugar do Portillo, o Florentino disse-me não, nem pensar.

Porquê?

É outra: não posso contar ainda. Digo Eto’o, Makelele e fico-me por aqui. Disse então ao Florentino que até um Ferrari precisa de quatro rodas. Mais: podíamos ter contratado o Pepe só por um milhão de euros ao Marítimo, mas não. Gastam-se 30 milhões uns anos depois. Nessa lista está o Luisão, o do Benfica. Era do Cruzeiro e custava 2 milhões e tal de dólares, mas não. Quando cheguei ao Bernabéu, disse-lhes para irem buscar um miúdo ao Sporting senão ele ia para o Manchester. Se o Real me tem ouvido, o Cristiano não iria para Inglaterra, mas não. Gastam-se depois 75 milhões de libras.

Pepe, Luisão, havia mais?

O presidente prometeu-me um central. O Gabriel Milito esteve assinado e aprovado, de manhã. Milagrosamente, já não podia assinar à tarde, dado como inapto. Foi para o Saragoça. Estava lesionadíssimo, o homem nem tinha perna, veja lá, mas jogou e ganhou-nos a Taça de Espanha [3-2]. Isto é o futebol e o destino de um treinador.

E o Morientes, que foi para o Monaco?

Outro. No estacionamento, despeço-me com um “até segunda” e ele “estás de broma [a gozar], não sabes que fui dispensado para o Monaco?” Ainda nessa lista de dispensas, Cambiasso e Solari. Se eles saíssem, ficava com quem? Era o David com o Beckham e o Beckham com o David. Um show. A única coisa que não pude controlar foi a lesão do Ronaldo. E o ataque bombista em Madrid [Março-2004]. Aquela tragédia afectou a cidade e o clube. Estou com pele de galinha e tudo. O silêncio do Bernabéu cheio e o tributo às vítimas, uma homenagem histórica. Nessa noite cheguei a casa e não consegui dormir. E agora não quero continuar. Passamos à frente?

[Need to go, interrompe cirurgicamente uma hospedeira, vai arrancar o avião de Queiroz com destino para o Brasil; o nosso voo ainda está em lista de espera.]

in jornal i, 2 Nov 2013

Leave a comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *