Great Scott #475: Quem é conhecido depreciativamente como mister dos 5:0 antes do Mundial-2002?
Guus Hiddink
O ar cool transmite-nos amabilidade. Bon vivant na linha de Ancelotti, o holandês Guus Hiddink deixa uma marca indelével no futebol holandês e mundial como campeão europeu pelo PSV em 1988 e vencedor da Taça Intercontinental pelo Real Madrid em 1998.
A aventura em Espanha corre-lhe mal e sai a meio da época 1998-99. Continua em Espanha e ainda vai ao Betis antes de assinar o contrato da sua vida, em Janeiro 2001, com a federação sul-coreana. Ganha um milhão de euros de luvas mais três milhões até ao final do Mundial-2002. Se passasse a fase de grupos, mais um milhão como prémio.
O seu nome é recebido com desconfiança pelos jornalistas, que o perseguem para todo o lado, até dentro dos restaurantes, onde se vê Hiddink a esboçar equipas em guardanapos ou toalhas de papel. O arranque pessoal na Coreia é então atribulado pela constante presença da imprensa, situação que só piora com a chegada da sua namorada. Os almoços e jantares tácticos passam a ser encontros românticos e, claro, os jornalistas afiam ainda mais a faca. Diz sobre o assuno o ex-seleccionador Park Jong-Hwan: ‘São coisas que confucionismo nacional não pode tolerar, até porque a senhora nem sequer é sua esposa oficial.’
E o arranque desportivo, que tal? Mau mau mas mau – só três vitórias em oito jogos. No Verão 2001, a frágil posição de Hididnk junto da massa adepta resvala com duas derrotas por 5:0, a primeira vs França para a Taça das Confederações (ainda por cima, em casa, na cidade de Daegu), a segunda vs República Checa (em Brno). A imprensa começa a chamá-lo de mister dos 5:0. O tom jocoso continua por meses e a Samsung chega mesmo a afastá-lo de uma campanha publicitária sob o pretexto de ‘transmitir más sensações’.
Na Gold Cup, a Coreia aparece como convidada e é saco de pancada com dois empates e três derrotas, a primeira vs Cuba e a última vs Canadá. Na ressaca dessa participação, Hiddink exige à federação sul-coreana jogos com selecções fortes e começam a aparecer os Uruguais, as Inglaterras e as Franças desta vida.
Quando começa o Mundial, Hiddink proíbe aos jogadores a leitura de jornais desportivos e a Coreia passa a fase de grupos com sete pontos, resultantes da vitória vs Polónia (2:0), empate vs EUA (1:1) e vitória vs Portugal (1:0), no tal jogo do murro de JVP ao árbitro argentino Ángel Sánchez.
Seguem-se dois jogos com erros garrafais dos árbitros a favor da Coreia. Pobre Itália (2:1 após prolongamento) e pobre Espanha (0:0 mais 3:5 no desempate por penáltis). Na ½ final, a Alemanha confirma o favoritismo pela margem mínima (1:0) e empurra a Coreia para a inenarrável consolação. Ganha a Turquia por 3:2.
Um mês de futebol transforma a selecção, incapaz de ganhar um único jogo nos outros cinco Mundiais anteriores, e muda radicalmente todo o país, com milhares de pessoas a sair à rua para ver os jogos através de ecrãs gigantes nas praças e esquinas mais próximas de si.
Contas feitas, Hiddink já é o maior. Herói nacional, aliás, com projecto para templo budista, nome de praça e estátua no estádio em Seogwipo. A companhia aérea Korean Air Lines oferece-lhe quatro anos de passagens grátis em primeira classe (aos jogadores é só em económica), a Hyundai dá-lhe uma limusina de luxo e o governador da ilha de Jeonju, um dos paraísos turísticos da Coreia, entrega-lhe de mão beijada uma mansão do best.