Balakov. ‘O Kostadinov era um chato do caraças’
A discussão entre quatro jovens sub-40 corre solta no Zé dos Cornos. Quem é o melhor jogador do Sporting? Saltam os nomes cá para fora com naturalidade, sem pestanejar: André Cruz, Schmeichel e Acosta. Só falta uma resposta. Um gole na imperial e cá vai disto: Balakov.
Dezembro 1990, o Sporting de Marinho Peres entra naquela fase em que todos os sonhos se desmoronam. Às 11 vitórias seguidas (do 3-0 vs Vitória SC ao 3:0 vs Braga) segue-se um empate em Chaves (2-2). Nos oito jogos seguintes, o Sporting só soma sete pontos em 16 possíveis. Em Janeiro o campeonato já está perdido, algures entre Luz e Antas. Mais uma vez, adeus ao título.
É então que Sousa Cintra vai à Bulgária e contrata um médio desconhecido de uma equipa sem pergaminhos europeus. Aos 24 anos de idade, Balakov deixa o Etar Tarnovo e aterra em Lisboa. Estreia-se a 12 de Janeiro de 1991 num Sporting-Penafiel resolvido com golos de Gomes (2-0), e a vida do adepto comum de futebol nunca mais será a mesma. Dir-se-á, e com razão, que búlgaros há muitos. Como Bukovac e Kostov (Sporting), Radi (Chaves) ou Mladenov (Belenenses, Vitória de Setúbal e Estoril).
Balakov é diferente de todos eles. Porque é mágico e supertalentoso. Vê-lo a jogar é uma inspiração para qualquer um. Sim, Bala demora a entrar na equipa mas quando se fixa no onze é definitivo e só os marcos alemães do Estugarda (2,1 milhões em euros) é que o tiram de Alvalade rumo a Estugarda, em 1995.
Entre aquela primeira tarde em que pica o ponto pela primeira vez, no lugar do brasileiro Careca ao intervalo, e a última, em que sai em ombros dos adeptos na final da Taça de Portugal-95, ganha ao Marítimo por 2-0, Balakov escreve o seu nome na história do Sporting e do próprio futebol português, à conta de genialidade e golos, 59 golos.
Há quem se lembre do primeiro de sempre, num insonso 6-0 ao Peniche para a Taça de Portugal, a 30 Janeiro 1991, ou daqueles dois ao Estoril num empate (2-2) entre búlgaros – ao bis de Mladenov, a resposta de Balakov, a 30 Dezembro 1992. Os mais destacados são aqueles que ficam na história.
E esses são mais que muitos. Ou será que ninguém se lembra daquele petardo a Silvino no dérbi lisboeta, em Outubro 1992? Sim senhor, dia 17. Quem não vê (entre uma nuvem de fumo provocada pelo lançamento de petardos por parte da claque do Benfica), levante o braço. Pela televisão ninguém vê a bola entrar, só se ouve o rugido do leão, de contentamento. O Sporting não ganha ao Benfica na 1.ª divisão desde os 7:1 de 1986. E Balakov marca assim o primeiro golo do canal privado SIC. Demora tão-só 12 segundos.
Outro golo histórico: o chapéu de aba larga a Preud’homme na Luz em 1995. O guarda-redes belga despeja a bola e, azar dos azares, vai parar aos pés de Bala, que, acto contínuo, atira para o 1-0.
Só mais um, vá, quiçá o mais impressionante: o slalom maradoniano em Setúbal, a 29 Agosto 1993. A perder 1-0, golo de Yekini, o Sporting avança. Ou melhor, Balakov. O búlgaro pega na bola no meio-campo, passa por um, por outro, finta mais dois defesas, dribla o guarda-redes e marca com a baliza aberta! Sen-sa-cio-nal. Impossível ficar indiferente a tanta magia, a tanta genialidade. Esse é o arranque para a sua melhor época de leão ao peito, com 21 golos (em 38 jogos), cinco deles num só jogo, com o Lourosa (6-0), nas meias-finais da Taça de Portugal, em 1994.
O telefonema para Krassimir é dos mais fáceis de sempre. Toca uma, duas vezes. O número é alemão mas o aparelho está na Bulgária. O homem treina o Litex Lovech, 3.º classificado da 1.ª divisão, a nove pontos do líder CSKA Sofia.
Tem memória da sua estreia pelo Sporting?
Impossível esquecer: em Alvalade, com o Penafiel. Entrei na segunda parte. E também me lembro do meu primeiro jogo a titular, com o Boavista, também em Alvalade. Ganhámos ambos. O treinador era o Marinho Peres, um personagem. Muito engraçado.
Como chegou a Portugal?
Estava na Bulgária, a jogar pelo Etar, quando o empresário Lucídio Ribeiro me falou do Sporting [um breve parêntesis para percebermos a influência de Lucídio em Portugal: além de Balakov, o Sporting faz negócio com este senhor nas transferências de Iordanov, Guentchev, Naybet, Ivkovic, Amunike, Hadji e Bozinosky mais Madjer, Mlynarczyk e Juary para o FCP, Tahar e Minto para o SLB, Abdel Ghany para o Beira-Mar, Mladenov e Mihailov para o Belenenses, Radi para o Chaves]. Estávamos em 1990 e o Leste estava mais aberto que nunca. Se eu fui para o Sporting, o Kostadinov foi para o Porto, o Stoitchkov para o Barcelona e por aí fora.
A integração no Sporting é fácil?
Claro que sim. Há sempre a barreira linguística, mas essa foi rapidamente ultrapassada pela ajuda dos meus colegas, como Carlos Xavier, Oceano, Gomes, um craque, o do Porto. Tudo fácil. Difícil mesmo foi começar a jogar. E pensar que demorei a entrar no onze, já viste bem? [E começa a rir-se.]
Uma vez agarrado o lugar, só foste uma vez para o banco de suplentes, na tua última época em Alvalade (94-95), com o Carlos Queiroz. Lembras-te?
Sim, claro que sim. Um jogo com o Salgueiros [em Março]. Dei uma entrevista e houve um confronto de ideias. Nada de especial. Ele também sabia muito bem que se eu ficasse no banco iria entrar com tudo no jogo para demonstrar a minha vontade e deixar a minha marca. Não por acaso, fui o autor desse 1-0 [entra aos 63’ por Juskowiak e marca aos 82’]. Esse problema com o Queiroz foi um acto isolado. Não havia contestação nem nada disso, apenas uma discrepância. Sanada ao fim de menos de uma semana. Fui para o banco, entrei na segunda parte e marquei: assunto arrumado. Já me cruzei com o Queiroz umas quantas vezes. Apertamos as mãos e falamos das coisas, da família, do futebol. Então agora é que o compreendo mais ainda, porque sou treinador e convivo com essas histórias. O passado é bom para construir um futuro melhor.
Aqueles golos ao Benfica ficam na cabeça de qualquer sportinguista. E na tua?
Também marquei ao Bayern Munique, pelo Estugarda [pausa]. Percebo a excitação dos adeptos, um Sporting-Benfica é sempre o jogo do ano, há muita conversa e intensa rivalidade. Há já muito tempo que não vejo um dérbi ao vivo mas deve ser a mesma coisa de quando jogava aí. E sim, claro que foram golos que criam uma empatia especial com os adeptos. Ainda por cima morava mais perto da Luz que de Alvalade. Estás a ver o nível da pressão, não estás? [E volta a galhofa.] Dois anos depois comprei um apartamento ali na Avenida de Roma e fiquei menos pressionado [galhofa, parte ii].
E ao FC Porto?
Aaaaah, aí é que não fui capaz de fazer nenhum golo, e lamento-o muito, sabes? Podia marcar a todos mas ao FC Porto… Eles eram mais fortes, mais consistentes. Daí terem sido campeões com frequência. E tinham o Kostadinov, que era um chato do caraças. Marcava-nos sempre. Tinha cá uma sorte.
A mesma sorte que teve quando marcou o 2-1 à França em Paris aos 90 minutos e levou a Bulgária ao Mundial-94?
Aí já não foi sorte, só jeito [entra a parte das gargalhadas]. Foi um percurso lindo. Na fase de qualificação passámos no último minuto e depois a fase final foi um espanto. Juntou-se ali uma equipa de sonho. No mesmo Mundial ganhámos à Argentina e à Alemanha. É muito bom. Só fomos eliminados pela Itália do Roberto Baggio, nas meias-finais.
Falaste do Roberto Baggio. Ficaste com a camisola dele?
Nunca fui de coleccionar camisolas. Quando as trocava com alguém não era por minha insistência mas sim pelo querer deste ou daquele. O único jogador que queria era de Maradona mas ele foi apanhado [doping] e não jogou contra nós. Uma pena.
Esse Mundial dos EUA é aquele das altas temperaturas, do sol a pique, da ausência de sombras no relvado. Sentiste isso ou…?
Sentir, senti. Impossível não sentir, mas meti na cabeça que ia sofrer. E prefiro sofrer a morrer em campo. Quando entrava no relvado dizia a mim mesmo que ia aguentar o que quer que fosse porque estava a defender o meu país e porque estava a viver o sonho de criança: ir ao Mundial. E repeti o sonho, no França-98.
Qual a sensação de ter sido levado em ombros pelos adeptos do Sporting no dia da despedida?
Uma alegria imensa. Sei que foram cinco anos cheios de histórias, golos e vitórias. Claro que despedir-me no Jamor, com a Taça de Portugal na mão, é uma imagem de sonho. Porque o Sporting não a ganhava há anos e anos. E também porque o dia foi de outro búlgaro, o Iordanov [bis, 2-0]. Os adeptos, esses, estavam sempre ao nosso lado. Às vezes ficava espantado ao ouvi-los em jogos bem fora de Lisboa, tipo Chaves, ou até no estrangeiro, como Bucareste [Roménia]. Íamos aquecer e lá os via ao fundo. Um monte de pessoas a apoiar-nos. Incrível, é a força de um clube.
Era o Estugarda o melhor destino para o Balakov?
Por acaso nunca pensei em jogar na Alemanha. Sempre sonhei com Espanha ou Itália, mas o Estugarda era o clube me oferecia as melhores condições. Um ano depois do Mundial-94 tinha de aproveitar a onda. O Sporting estava a mudar de ciclo e de jogadores. O Figo, por exemplo, foi para o Barcelona e eu fiz as malas para Estugarda [Balakov diz Stuttgart]. Vivi lá oito anos maravilhosos. Ganhámos uma Taça da Alemanha, fui eleito o melhor de sempre do Estugarda e diverti-me com a malta, sobretudo com Bobic e Élber. Foi outra etapa da minha vida. Duradoura e proveitosa, como a do Sporting.
in jornal i, Mar 2015