Costa. ‘Metia-me tantas vezes com o Bento sobre esse golo com o pé direito’
O Benfica invencível de Mortimore acaba nas Antas, ao fim de 56 jogos. Com um golo do extremo-esquerdo do FC Porto – agora o clube da moda e a um jogo de bater o recorde nacional, em Guimarães, já amanhã à tarde.
Lembra-se bem do golo?
Então não me lembro? Claro que sim. Foi 1-0. Tinha acabado de ser contratado pelo FC Porto e foi um golo que me deu, por assim dizer, a conhecer aos adeptos portistas. E tudo bateu certo. Foi em casa, nas Antas, ao Benfica, garantiu a vitória e acabou com a série de 56 jogos do Benfica. E foi com o pé direito.
Desculpe?
Foi com o pé direito. Eu sou canhoto, mas esse golo ao Bento foi com o pé direito. Ai, ai, metia-me tantas vezes com o Bento nos treinos da selecção sobre esse golo. E outros. Tinha sorte com o Benfica.
Ai assim?
Então, nesse 1 de Setembro de 1978, fiz o 1-0. Um lance algo confuso na área, a bola veio parar até mim, simulei rematar com o pé esquerdo, meti para o direito e cá vai disto. Depois, marquei um outro golo ao Bento de cabeça. Veja lá, eu de cabeça!
Quando?
Epá, acho que em 1980/81. O treinador era o austríaco Hermann Stessl. Ganhámos 2-1 nas Antas e desempatei o jogo na segunda parte. E há um outro golo ao Benfica, que nos garantiu a Supertaça portuguesa 1982. Perdemos 2-0 na Luz e ganhámos 4-1. O autor do 4-1 fui eu, num remate de fora da área.
E ao Sporting?
Pelo FC Porto, nem um golo. Mas lembro-me de um decisivo pelo Vitória de Guimarães. Uma loucura de jogo, para o campeonato, em 1985. Entrámos a perder 2-0, demos a volta para 3-2, consentimos o empate e eu marquei o 4-3 final.
Grandes tempos, esses.
Nem imagina. Em 1979, por exemplo, ganhei o prémio de melhor jogador do ano para o CNID [Associação dos Jornalistas de Desporto]. Costumo dizer que cheguei atrasado. Se fosse hoje, era bem melhor [tosse enquanto se ri]
Que memórias tem do seu início de carreira?
Foi acidental. Comecei a jogar futebol no Sport Clube de Vila Real, ainda era estudante de liceu. Depois fui estudar engenharia mecânica, para a Universidade de Coimbra, que era a mais credenciada. Por uma questão familiar, de tradição. O meu pai formou-se em Coimbra, o meu irmão também. Só que entretanto… tinha jeito para jogar. E com idade júnior já era titular em Coimbra, na Académica.
Quem eram os grandes nomes dessa Académica?
VÍtor Campos, Mário Campo, Gervásio, Manuel António, ainda apanho o Serafim e o Oliveira Duarte em final de carreira. Eles tiveram problemas com lesões, que me proporcionaram a entrada no onze. E nunca mais de lá saí.
Que sensações lhe transmite essa Académica?
Na Académica, aprendi desde muito cedo o que é tentar jogar bem, fazer um jogo de posse de bola, agradável à vista. E também aprendi escutar os mais velhos – foram eles que me ensinaram quase tudo. Foi também lá que aprendi o companheirismo. Só para ver bem: na minha época de estreia, em 1971/72, a Académica desceu de divisão. Sabe o que nós, jogadores, fizemos? Combinámos não nos separarmos e continuarmos na equipa para repor a Académica no seu lugar, a 1ª divisão. Foi o que aconteceu na época seguinte, na 2ª Divisão, zona norte, com 13 pontos de avanço sobre o segundo classificado [Varzim].
Como era jogar nessa altura?
Sem esquecer os golos, as viagens de autocarro, o companheirismo… Venho contar uma coisa: eu marcava os cantos e os lançamentos laterais depois do meio-campo. Lembro-me de jogar em Coimbra, e também nas Antas, em que tinha de pedir licença à assistência para efectuar esses lances. Tal era a enchente, está a ver? E atenção que esses estádios tinham pista de atletismo mas essa parte era completamente invadida pelos adeptos em dia de jogos grandes. Bons tempos, direi eu. Agora isso é impossível. E, às vezes, ia contra os fotógrafos e os polícias. Bons tempos, repito. Tenho mais nostalgia desses tempos em que o estádio estava cheio e a multidão aderia ao futebol. Hoje em dia, o futebol é um espectáculo, um negócio. Naquela altura, era uma festa.
Como se dá a sua transferência para o FC Porto?
Em 1978. Na altura, Jorge Nuno [Pinto da Costa] era o director do departamento de futebol e o Pedroto o treinador. Interessaram-se por mim. Um dia, mandaram o Jorge Vieira a Coimbra mas expulsaram-no do café que eu frequentava em Coimbra [risos abafados]. A partir daí, eu o Jorge Nuno decidimos encontrarmo-nos a meio caminho, em campo neutro [risos]
E impôs-se facilmente no FC Porto?
Com trabalho.
Mas tinha algum rival?
Sinceramente, houve uns anos em que não tinha… porque não dei hipótese. Depois, numa fase mais adiantada da minha carreira, lá aparecem o Vermelhinho e o Futre.
Qual é a sua história no FC Porto?
Participei na sua emancipação europeia, com a presença na primeira final: Taça das Taças-84 com a Juventus, em Basileia-84. E também participei no voltar da página a nível interno, com a superioridade em relação a Sporting e Benfica. Começámos a ganhar campeonatos, Taças e Supertaças.
Nessa emancipação europeia, o que lhe vem imediatamente à cabeça?
Entre outras muitas coisas, da eliminatória com o Aberdeen. Fiz um grande jogo nas Antas, mas lesionei-me. Na Escócia, fui suplente mas entrei nos últimos tempos. Foi um grande resultado porque o Aberdeen era o detentor da Taça das Taças. Sabe quem o treinava? Alex Ferguson.
Na altura, já era O Alex Ferguson?
Então não era? Então tinha ganho a Taça das Taças da época anterior e foi campeão escocês. Acho que depois disso, em 1983, nunca mais uma equipa fora de Glasgow, entre Rangers e Celtic, foi campeão nacional. Está a ver, não está?
Pois, isso é verdade.
O Ferguson já era grande, sim. Claro que ir para o Manchester United deu-lhe ainda mais títulos e visibilidade.
E na final com a Juventus, qual o sentimento da equipa consumada a derrota por 2-1?
Lembro-me que fomos prejudicados. O peso das camisolas e do nome da Juventus era grande em relação ao do FC Porto.
É a Juventus do Trapattoni.
E do Platini, do Boniek, do Tardelli.
Trocou de camisola com o Platini?
Já era frequente a troca de camisolas, mas nesse dia não pedi a ninguém. Fiquei com a minha, que continua bem guardada. Sinceramente, não ligo muito às camisolas. Mas tenho uma valiosa.
Ora conte.
Tenho uma do Pelé.
Diga, diga.
Joguei três meses nos EUA.
Onde?
No Rochester Lancaster. Eles vieram-me buscar ao FC Porto só para jogar o play-off, mas não fomos longe e fomos logo eliminados nos quartos-de-final, pelo Cosmos.
Do Pelé?
Sim, do Pelé. E do Seninho, português, ex-FC Porto. E do Carlos Alberto, Cruijff, Chinaglia. No início do jogo, fui ter com o Pelé e disse-lhe em português ‘e pá, se pudermos trocar de camisola, eu sou um dos candidatos’. No final do jogo, invasão de campo. Eu estou no meio-campo, o Pelé numa lateral e é pressionado por adeptos para despir a camisola mas não acede aos inúmeros pedidos. Vem até mim e oferece-ma. Tenho a camisola, e fotos! Nunca mais me esquecerei desse gesto.
Acaba a carreira de jogador e faz-se treinador. Qual a sua maior alegria?
Fui tirar um curso de treinador em França. Tive várias oscilações. Comecei como assistente do Juca na selecção nacional, em 1987/88. Uma das maiores satisfações que tive foi como treinador dos sub-21. Pelas minhas mãos, passou-me a geração do Figo, Rui Costa, Jorge Costa, entre muitos outros ilustres jogadores.
Participou em algum torneio?
Qualificámo-nos pela primeira vez para o Europeu de Esperanças, mas não fui com eles à fase final porque entretanto entrei no Sporting, com o Carlos Queiroz.
Foi feliz em Alvalade?
Ganhámos a Taça de Portugal, ao fim de 13 anos. Depois houve umas confusões com o Santana Lopes.
Que confusões?
O Carlos foi despedido e isso são histórias que não lhe dão para contar em dois minutos.
Mas eu tenho mais de dois minutos.
Mas não tenho eu. Amanhã tenho jogo. Depois falamos disso.