#35 Volta a Portugal 1971
Joaquim Agostinho, que fenómeno.
Um dia, lá para os lados de Casalinhas de Alfaiata, perto de Torres Vedras, o comum mortal Joaquim Agostinho encontra a equipa do Sporting a treinar e dá-lhes um bigode. Ou seja, passa-lhes à frente como quem não quer a coisa e assim se mantém durante largos minutos. Pormenor: Joaquim Agostinho guia uma bicicleta banalíssima. A sua pedalada é velocíssima, uma imagem de marca muito sua e constatada pelos companheiros da tropa, em Moçambique, durante a guerra colonial, que o vêem fazer 50 quilómetros em duas horas, como mensageiro, enquanto os outros demoram cinco.
O Sporting, obviamente, contrata-o. Dura só um ano a relação. Em 1969, o histórico treinador francês Jean de Gribaldy seduz Agostinho com uma transferência para a Frimatic, que lhe permite correr a Volta a França. Na sua primeira experiência, ganha duas etapas. Venceria mais duas, um em 1973 e outra em 1979, aqui já com 37 anos de idade e na mítica etapa-rainha no Alpe d’Huez. O feito é ainda mais extraordinário porque Agostinho acumulara três dias antes mais uma queda aparatosa, que lhe provoca uma tendinite no joelho esquerdo.
Palavras para quê? É um artista português. Com direito a um busto em Huez. Contas finais, corre 13 vezes o Tour e acaba duas vezes em terceiro lugar. Na Vuelta, em Espanha, ganha três etapas e acaba uma vez no segundo lugar do pódio, a 11 segundos do camisola vermelha. E em Portugal? É um festival sem igual, com 26 vitórias em etapas e três vitórias na Volta. Numa delas, em 1971, é camisola amarela do primeiro ao último dia.
É uma Volta sui generis, iniciada à noite e iluminada pelos faróis dos carros de apoio nos arredores do Campo Grande. À partida, 90 ciclistas. Um terço pertence aos três grandes. O Sporting alinha de 1 a 10, com Joaquim Agostinho à cabeça. O Benfica vai do 40 ao 50 (Fernando Mendes é o líder espiritual), o FC Porto do 50 ao 60 (Joaquim Leão é o nome mais sonante).
Há mais nove equipas, algumas com escassa representação. O Lavandaria Coimbra, por exemplo, só inscreve José dos Reis Pereira. O Louletanto leva dois: Patrocínio Ramos e Manuel Cota. A Coelima alinha dez, um deles é o treinador recém-empossado (Fulgêncio Sanchez) na ausência do dito cujo (Carlos Carvalho) por morte do filho.
Há também três equipas estrangeiras, todas francesas (Bic, Fagor e Macieira, esta última com um mecânico chamado Christian Gribaldy, filho do tal Jean, dono da Frimatic). O último ciclista a fintar a burocracia é um tal Venceslau Fernandes, do Sangalhos, ainda com 25 anos. Ao que parece, o seu coração apresenta problemas e é visto por quatro médicos até obter a autorização. ‘Fizeram-me três electrocardiogramas, estive na marquesa, fui radiografado, alinhei na prova de esforço. Eu sei lá. Estive em todas, que remédio.’ E agora? ‘Se aguentar as primeiras etapas e chegar às subidas com força, é tudo comigo.’ Honra lhe seja feita, Venceslau acaba a Volta no top 15 e ainda hoje é uma figura incontornável do jet-set do ciclismo português.
Por falar em subidas, Joaquim Agostinho dá valente recital na etapa Covilhã-Penhas da Saúde. Apenas 12 quilómetros e 600 metros. Sempre em toada lenta. Pudera, sempre a subir. Pois bem, Agostinho saca dois minutos e 11 segundos de avanço em relação ao segundo classificado dessa etapa, o francês Alain Santy.
Passe o favoritismo e passeio de Agostinho ao longo da Volta (o homem ganha a abrir, ganhar ao fechar e, pelo meio, ainda conquista mais seis etapas), há sempre quem se espante com a força da natureza do rapaz do Oeste. Como o dirigente benfiquista Domingos Claudino, responsável pela custódia de Eusébio nos primeiros tempos do moçambicano em Portugal para escapar aos olhares vivos da concorrência – leia-se, Sporting. Diz Domingos sem pestanejar: ‘Agostinho é o Eusébio do ciclismo. É um fenómeno, uma máquina. Dá gosto vê-lo em cima da bicicleta’.
Contas feitas, Agostinho ganha a Volta e ainda o prémio dos pontos e o combinado. Como se isso fosse pouco, ainda convive com Amália Rodrigues num café em Sines, à partida para a quarta etapa.
1.ª | Alvalade-Alvalade | Joaquim Agostinho (Português / Sporting) |
2.ª | Almada-Setúbal | Joaquim Agostinho (Por / Sporting) |
3.ª | Setúbal-Sines | Gerard Vianen (Hol / Fagor) |
4.ª | Sines-Faro | Jean-Claude Largeau (Fra / Macieira) |
5.ª | Faro-Tavira | Jesús Aranzabal (Esp / Bic) |
6.ª | Tavira-Tavira | Joaquim Agostinho (Por / Sporting) |
7.ª | VRSAntónio-Montemor-o-Novo | Manuel Durão (Por / Sangalhos) |
8.ª | Montemor-o-Novo-Abrantes | José Catieu (Fra / Fagor) |
9.ª | Abrantes-Fátima | Jesús Aranzabal (Esp / Bic) |
10.ª | Fátima-Figueira da Foz | Gerard Vianen (Hol / Fagor) |
11.ª | Sangalhos-Sangalhos | Joaquim Agostinho (Por / Sporting) |
12.ª | Luso-Porto | Gerard Vianen (Hol / Fagor) |
13.ª | Antas-Antas | Jean-Marie Leblanc (Fra / Bic) |
14.ª | Porto-Guimarães | Daniel Ducreux (Fra / Bic) |
15.ª | Vila do Conde-Vila do Conde | Joël Millard (Fra / Macieira) |
16.ª | Ofir-Vidago | Lino dos Santos (Por / Sangalhos) |
17.ª | Vidago-Pedras Salgadas | Joaquim Agostinho (Por / Sporting) |
18.ª | Pedras Salgadas-Amarante | Paulino Domingues (Por / Ambar) |
19.ª | Lamego-Alto da Torre | Joaquim Agostinho (Por / Sporting) |
20.ª | Covilhã-Penhas da Saúde | Joaquim Agostinho (Por / Sporting) |
21.ª | Covilhã-Alcains | Jacques Cadiou (Fra / Fagor) |
22.ª | Alcains-Badajoz | Serge Guillaume (Fra / Macieira) |
23.ª | Badajoz-Alcobaça | Álvaro Roque (Por / Ambar) |
24.ª | Caldas da Rainha-Sintra | Georges Chappe (Fra / Fagor) |
25.ª | Sintra-Lisboa | Joaquim Agostinho (Por / Sporting) |