#35 Volta a Portugal 1971

Mais Spider Pig 01/15/2023
Tovar FC

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#35 Volta a Portugal 1971

Joaquim Agostinho, que fenómeno.

Um dia, lá para os lados de Casalinhas de Alfaiata, perto de Torres Vedras, o comum mortal Joaquim Agostinho encontra a equipa do Sporting a treinar e dá-lhes um bigode. Ou seja, passa-lhes à frente como quem não quer a coisa e assim se mantém durante largos minutos. Pormenor: Joaquim Agostinho guia uma bicicleta banalíssima. A sua pedalada é velocíssima, uma imagem de marca muito sua e constatada pelos companheiros da tropa, em Moçambique, durante a guerra colonial, que o vêem fazer 50 quilómetros em duas horas, como mensageiro, enquanto os outros demoram cinco.

O Sporting, obviamente, contrata-o. Dura só um ano a relação. Em 1969, o histórico treinador francês Jean de Gribaldy seduz Agostinho com uma transferência para a Frimatic, que lhe permite correr a Volta a França. Na sua primeira experiência, ganha duas etapas. Venceria mais duas, um em 1973 e outra em 1979, aqui já com 37 anos de idade e na mítica etapa-rainha no Alpe d’Huez. O feito é ainda mais extraordinário porque Agostinho acumulara três dias antes mais uma queda aparatosa, que lhe provoca uma tendinite no joelho esquerdo.

Palavras para quê? É um artista português. Com direito a um busto em Huez. Contas finais, corre 13 vezes o Tour e acaba duas vezes em terceiro lugar. Na Vuelta, em Espanha, ganha três etapas e acaba uma vez no segundo lugar do pódio, a 11 segundos do camisola vermelha. E em Portugal? É um festival sem igual, com 26 vitórias em etapas e três vitórias na Volta. Numa delas, em 1971, é camisola amarela do primeiro ao último dia.

É uma Volta sui generis, iniciada à noite e iluminada pelos faróis dos carros de apoio nos arredores do Campo Grande. À partida, 90 ciclistas. Um terço pertence aos três grandes. O Sporting alinha de 1 a 10, com Joaquim Agostinho à cabeça. O Benfica vai do 40 ao 50 (Fernando Mendes é o líder espiritual), o FC Porto do 50 ao 60 (Joaquim Leão é o nome mais sonante).

Há mais nove equipas, algumas com escassa representação. O Lavandaria Coimbra, por exemplo, só inscreve José dos Reis Pereira. O Louletanto leva dois: Patrocínio Ramos e Manuel Cota. A Coelima alinha dez, um deles é o treinador recém-empossado (Fulgêncio Sanchez) na ausência do dito cujo (Carlos Carvalho) por morte do filho.

Há também três equipas estrangeiras, todas francesas (Bic, Fagor e Macieira, esta última com um mecânico chamado Christian Gribaldy, filho do tal Jean, dono da Frimatic). O último ciclista a fintar a burocracia é um tal Venceslau Fernandes, do Sangalhos, ainda com 25 anos. Ao que parece, o seu coração apresenta problemas e é visto por quatro médicos até obter a autorização. ‘Fizeram-me três electrocardiogramas, estive na marquesa, fui radiografado, alinhei na prova de esforço. Eu sei lá. Estive em todas, que remédio.’ E agora? ‘Se aguentar as primeiras etapas e chegar às subidas com força, é tudo comigo.’ Honra lhe seja feita, Venceslau acaba a Volta no top 15 e ainda hoje é uma figura incontornável do jet-set do ciclismo português.

Por falar em subidas, Joaquim Agostinho dá valente recital na etapa Covilhã-Penhas da Saúde. Apenas 12 quilómetros e 600 metros. Sempre em toada lenta. Pudera, sempre a subir. Pois bem, Agostinho saca dois minutos e 11 segundos de avanço em relação ao segundo classificado dessa etapa, o francês Alain Santy.

Passe o favoritismo e passeio de Agostinho ao longo da Volta (o homem ganha a abrir, ganhar ao fechar e, pelo meio, ainda conquista mais seis etapas), há sempre quem se espante com a força da natureza do rapaz do Oeste. Como o dirigente benfiquista Domingos Claudino, responsável pela custódia de Eusébio nos primeiros tempos do moçambicano em Portugal para escapar aos olhares vivos da concorrência – leia-se, Sporting. Diz Domingos sem pestanejar: ‘Agostinho é o Eusébio do ciclismo. É um fenómeno, uma máquina. Dá gosto vê-lo em cima da bicicleta’.

Contas feitas, Agostinho ganha a Volta e ainda o prémio dos pontos e o combinado. Como se isso fosse pouco, ainda convive com Amália Rodrigues num café em Sines, à partida para a quarta etapa.

1.ª Alvalade-AlvaladeJoaquim Agostinho (Português / Sporting)
2.ª Almada-SetúbalJoaquim Agostinho (Por / Sporting)
3.ª Setúbal-SinesGerard Vianen (Hol / Fagor)
4.ª Sines-FaroJean-Claude Largeau (Fra / Macieira)
5.ª Faro-TaviraJesús Aranzabal (Esp / Bic)
6.ª Tavira-TaviraJoaquim Agostinho (Por / Sporting)
7.ª VRSAntónio-Montemor-o-NovoManuel Durão (Por / Sangalhos)
8.ª Montemor-o-Novo-AbrantesJosé Catieu (Fra / Fagor)
9.ª Abrantes-FátimaJesús Aranzabal (Esp / Bic)
10.ª Fátima-Figueira da FozGerard Vianen (Hol / Fagor)
11.ª Sangalhos-SangalhosJoaquim Agostinho (Por / Sporting)
12.ª Luso-PortoGerard Vianen (Hol / Fagor)
13.ª Antas-AntasJean-Marie Leblanc (Fra / Bic)
14.ª Porto-GuimarãesDaniel Ducreux (Fra / Bic)
15.ª Vila do Conde-Vila do CondeJoël Millard (Fra / Macieira)
16.ª Ofir-VidagoLino dos Santos (Por / Sangalhos)
17.ª Vidago-Pedras SalgadasJoaquim Agostinho (Por / Sporting)
18.ª Pedras Salgadas-AmarantePaulino Domingues (Por / Ambar)
19.ª Lamego-Alto da TorreJoaquim Agostinho (Por / Sporting)
20.ª Covilhã-Penhas da SaúdeJoaquim Agostinho (Por / Sporting)
21.ª Covilhã-AlcainsJacques Cadiou (Fra / Fagor)
22.ª Alcains-BadajozSerge Guillaume (Fra / Macieira)
23.ª Badajoz-AlcobaçaÁlvaro Roque (Por / Ambar)
24.ª Caldas da Rainha-SintraGeorges Chappe (Fra / Fagor)
25.ª Sintra-LisboaJoaquim Agostinho (Por / Sporting)
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