Tubarão na praia

Cannes, 2012. O festival de cinema está no ar. À nossa direita, o mar cheio de água (imagine-se!). E barcos. Uns parecem-se com os de Abramovich, outros com os do “Barco do Amor”.

Agora escolha. À nossa esquerda, um hotel atrás do outro. Carlton, Martinez, Marriott, you name it, devidamente intercalados com campos de chinquilho/petanca, o desporto para todas as idades, dos 50 aos 100 anos. À nossa frente, toda uma fauna improvável. Vão para lá, vêm para cá, descem para a praia, esticam-se no muro. Elas são altas, elegantes, belíssimas – elas, as pessoas, está bom de ver. São muitas e passeiam-se alegremente.

A um determinado momento, há mais pessoas que jornalistas, há mais chineses que pessoas, há mais fotógrafos que chineses. A movida é intensa durante o dia. À noite, é mais tranquilo e romântico, propício para gelados e pipocas. Menos na noite do visionamento do “Les Dents de La Mer”.

Aí, meus amigos, alto e pára o baile: o areal de Cannes transforma-se por completo, cheio de cadeiras e com um ecrã imenso. Insistimos, é o “Les Dents de La Mer”. O quê? “Jaws”, o “Tubarão” de Steven Spielberg, filme de 1975 em que o actor principal não é Richard Dreyffus nem Roy Scheider. É o tubarão lui-même. O realizador italiano Nanni Moretti, presidente do júri desse festival, é o primeiro a entrar na praia, acompanhado pelos filhos. A malta aplaude-o com energético frisson, digno de uma movie star. É beeem. Seguem-se os outros participantes, espalhados pela areia. Uns deitados, outros de joelhos. Uns acompanhados, outros solitários. Uns a beijar a namorada, outros a beijar a garrafa de cerveja.

É um festim. O “Tubarão” na praia e ninguém com medo. Allors, boa terapia. O filme avança a bom ritmo, o tubarão nem se fala. Quando se ouve a famosa deixa de Roy Scheider “you’re gonna need a bigger boat”, a praia vai abaixo. Aplausos, gritos, pulos no ar, histeria completa. Até Nanni sai do lugar e festeja como se fosse um golo. É o delírio da massa associativa.